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Por uma tinta ‘limpa’
Programa indica a evolução das
práticas de gestão ambiental e ocupacional
Ter
um setor industrial onde uma grande maioria dos atores sociais
não compreende, ou não sabe dimensionar completamente, os
riscos de suas atividades é um problema sério. É possível
enfrentar esta situação quando se consegue obter uma ferramenta
fácil de usar, que é capaz de esclarecer onde estão estes
riscos e, a partir daí, atuar de forma preventiva, integrando
variáveis, sejam elas ambientais, de segurança e de gestão
de produto nas tomadas de decisão da empresa.
E estas
ferramentas existem. Uma delas foi não apenas estudada, mas
também implementada no Brasil e responde pelo nome de Coatings
Care. Ela foi posta em prática e constituiu objeto de tese
de doutorado defendida na Faculdade de Engenharia Mecânica
(FEM) pelo engenheiro químico Ivan de Paula Rigoletto, orientado
pelo professor da FEM Waldir Antonio Bizzo.
Os resultados
obtidos no programa indicam a evolução das práticas de gestão
ambiental e ocupacional no setor de tintas, bem como o crescente
nível de maturidade apresentado pelo programa. Também a análise
dos resultados brasileiros, comparados aos obtidos em outros
países, permite identificar as ações a serem tomadas para
a melhoria e evolução do programa.
Rigoletto
implementou com sucesso o programa, que é uma iniciativa voluntária
de gestão do tipo Care, bastante comum em alguns segmentos
industriais de alto potencial de risco. No Brasil, comenta,
é mais conhecido o programa Atuação Responsável, do setor
químico. O Coatings Care, a bem
dizer, é uma inovação que chegou ao país em 2002, tendo como
gestora a Associação Brasileira dos Fabricantes de Tinta (Abrafati),
que zela pela sua ampliação.
Esse
programa especifica critérios que apontam para práticas de
caráter ambiental, ocupacional, de saúde, de segurança e até
mesmo social, que podem ser adotados, no caso do estudo, pelos
fabricantes de tintas, para uma melhor gestão destas variáveis
no âmbito das empresas.
No momento,
Coatings Care já pode ser considerado implementado no Brasil,
uma vez que os fabricantes, que respondem por mais de 70%
do volume de tintas, assumiram-no dentro dos seus processos
de gestão empresarial. Foi um grande avanço, assegura Rigoletto.
“Na medida em que existe uma ferramenta que ajuda a definir
prioridades, propor ações e entender para onde se deve ir,
as medidas deixam de ser etéreas. Funcionam agora como estratégia.”
O
uso do programa, explica Rigoletto, significa – em outras
palavras – o estado da arte num processo de administração
e gerenciamento desses aspectos dentro de indústrias de tintas.
Aliás, a sua adoção tem um componente interessante que é o
fato de não existir aspecto legal ou até mesmo pressão social
para que sejam implementadas as práticas de gestão. “Isso
tudo vem como uma evolução natural pelo despertar ambientalista
que está acontecendo no mundo desde 1960.”
Mas, para o pesquisador, o Brasil está um pouco atrasado em
relação ao Hemisfério Norte. Nos Estados
Unidos e no Canadá, por exemplo, chegou em 1996, partindo
depois para a Europa. Entretanto, desde que foi apresentado
ao Brasil, o Coatings Care trouxe ganhos bastante significativos
para as empresas, pequenas e médias a priori, que começaram
a empregar o programa. “Ele foi bebezinho, já passou pela
fase ‘rabugenta’ da infância e hoje está quase deixando a
adolescência”, compara Rigoletto.
Na época
da sua concepção, relata o engenheiro, ele coordenava o Grupo
de Meio Ambiente, Saúde e Segurança do órgão e foi convidado
a estabelecer uma estratégia para repassar o bê-á-bá do programa
no Brasil e coordená-lo até o ponto de “caminhar com pernas
próprias”. É o que ele tem feito desde 2003.
O pesquisador
inclusive chegou a coletar 4.233 dados nas empresas que realizaram
suas adesões ao programa. Esta tarefa foi cumprida, transformando
ferramentas voltadas ao planejamento estratégico e gerenciamento
de projetos de um modo bem particular. Foram utilizadas na
etapa de planejamento as metodologias das Cinco Forças de
Porter, SWOT e Cadeia de Valor de Porter, modificadas em função
de um problema para o qual não foram desenvolvidas originalmente.
Para a implementação, foram adotadas as metodologias PMBOK
e PSII.
Panorama
Rigoletto admite, no entanto,
que – daqui a dez ou a 20 anos – a saída poderá ser outra
e, quiçá, mais evoluída. Porém desde já realça que a aposta
está em reconhecer que a tendência de qualquer sistema de
gestão será a de prevenir os riscos. Neste sentido, quando
se fala de um programa voluntário de gestão ambiental e de
segurança, acaba-se de certa forma também prevenindo riscos
cujas consequências muitas vezes são até mesmo imprevisíveis,
o que torna vantajoso optar por um sistema de gestão.
Outro aspecto que saltou aos
olhos na tese, enfatiza ele, foi apurar que algumas empresas
de atuação global já possuíam uma política e traziam de suas
matrizes uma característica muito parecida com os elementos
do programa. “Agora, para as empresas nacionais de pequeno
e médio porte, o seu contato com um sistema de gestão tão
abrangente como o Coatings Care foi a primeira experiência
para o setor. Antagonicamente, o benefício não foi tão visível
para as empresas globais. Foi superior para as empresas menores”,
avalia.
O setor de tintas envolve
nacionalmente mais de 300 fabricantes, mais de 18 mil empregados
diretos e produz um pouco mais de US$ 3 bilhões por ano, revela
Rigoletto. Não se trata, segundo constatou, do setor que mais
cresce, mas sim de um setor que ainda tem espaço para expansão.
Apesar do consumo de tintas no país não ser comparável ao
de alguns integrantes do Hemisfério Norte, a questão não é
bem essa pois, como todo setor da indústria química, também
traz uma série de riscos. Olhando esses riscos sob uma perspectiva
mais gerencial e tomando as ações para que estes riscos sejam
mínimos, as consequências tornam-se bem mais previsíveis.
Como
este programa é encabeçado pela Abrafati e dele podem participar
apenas os seus associados, mostra Rigoletto, o órgão tem ainda
a finalidade de debater os interesses comuns do setor coletivamente,
sobretudo com vistas a evitar questões como o trust, barreira
comercial. Mas a ideia do programa é que ele seja expandido
ainda para aqueles fabricantes que não integram a Abrafati
e que porventura queiram participar desta iniciativa, amiúde
numa etapa de verificação ou alguma inspeção ou auditoria.
O Coatings Care, prossegue
o engenheiro, é um programa global usado por 11 países. O
Brasil é o primeiro deles fora da Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a ter implantado este programa.
Um outro país que seguiu a mesma linha de planejamento estratégico
do Brasil, que vem um pouco atrás dele, e que deve ter o programa
bem-sucedido, já que a ferramenta é a mesma, é o México.
As áreas de atuação do programa
ainda perpassam segurança do trabalho, segurança de processos
(que consiste em analisar os riscos dos seus processos causarem
algum evento de repercussões de grande porte), temas de responsabilidade
sobre produto (sua composição química, que tipo de informação
precisa fornecer ao consumidor e para a cadeia de suprimento,
a fim de garantir que o produto chegue ao seu destino como
planejado), e transporte e distribuição.
“Essa cadeia pode ter relação
com esse trabalho, principalmente porque, conseguindo definir
onde é preciso melhorar, é possível dirigir melhor os recursos.
Quando os recursos são limitados, é importante identificar
exatamente onde vai usá-los para obter resultados mais expressivos”,
conclui Rigoletto.
De acordo com o pesquisador,
quando se consegue olhar para o produto a ser comercializado,
para o seu processo do ponto de vista ambiental, de segurança
e para sua interface com a comunidade, e identificar onde
estão os maiores problemas, isso permitirá alocar assertivamente
os recursos.
Ruídos no diálogo
O grande nó existente hoje
no programa, opina Rigoletto, consiste em interagir com
a comunidade de forma eficiente. É que o setor industrial,
e de tintas também, tem dificuldade neste tipo de diálogo.
“Primeiro por não conseguir entender ao certo o que é a
comunidade e segundo por não saber exatamente como se comunicar
de maneira mais efetiva.”
Rigoletto reconhece que,
para quem passa na frente de uma indústria, ela é vista
como uma enorme caixa preta. O que essas pessoas veem são
caminhões chegando e saindo. Vez por outra, escutam uma
sirene tocando e o carro de bombeiro chegando, e na maioria
das vezes se trata de um treinamento. Para uma dona de casa
que é vizinha de um fabricante de tinta, o que ela vê é
uma mera movimentação. Ou seja, ela olha para aquilo e não
consegue entender o que está ocorrendo lá dentro. Até sabe
que isso faz parte da realidade, porém não percebe nada
que vá além de uma caixa preta.
Ter uma conversa franca
e aberta com todos os segmentos da sociedade é uma ação
difícil de ser praticada pelo setor industrial. Rigoletto
acredita que é mais fácil conversar com órgãos fiscalizadores
em qualquer esfera e com o Poder Executivo. “Não sei se
é um tabu, contudo implementar efetivamente o código de
responsabilidade comunitária, que prevê uma interface e
uma transparência maior com a comunidade, é mais difícil,
mas os dados coletados mostram que este é o grande desafio
na implementação de qualquer programa voluntário de gestão,
inclusive o Coatings Care.”
O trabalho de Rigoletto
contribui, portanto, para prevenir e reduzir riscos em um
setor industrial e de produtos associados a este setor.
“Fazer tinta requer consumo de recursos naturais, transporte
de produtos perigosos, manipulação de compostos inflamáveis
e reações químicas”, acentua. Estes são setores que envolvem
investimento, movimentação de materiais e redução, equação
e entendimento dos riscos, e sobre onde se deve alocar os
recursos.
Uma outra intenção do programa
foi retomar indicadores de desempenho. Isso exige voltar
a medir consumo de energia por produto produzido, consumo
de água por produto produzido, geração de resíduo perigoso
por produto produzido e acidentes graves por número de funcionários,
que são indicadores que permitem começar a medir se este
programa está sendo eficiente.
Atualmente acontece a implementação
de programas voluntários muito focados em processos. Todavia,
programas de Coatings Care, que abrem um pouco este leque
para poder atingir produtos, podem ser bastante promissores
no futuro.
Por outro lado, o Brasil
tem avançado na regulamentação de produtos como as tintas.
Existe desde 2008 uma lei federal que proíbe o uso de materiais
à base de chumbo em tintas para linha arquitetônica e tintas
que terão algum contato infantil, por serem cancerígenos.
Também existe hoje uma proposta em discussão na Abrafati,
a qual deve gerar, em alguns anos, uma Resolução Conama
(Conselho Nacional do Meio Ambiente) sobre a quantidade
de compostos orgânicos voláteis presentes em tintas.
É inegável que a sociedade
consome produtos naturais e ‘não naturais’ com uma velocidade
extremamente voraz. Isso não será mais sustentável por muito
tempo. “Quem sabe seja mais fácil, como um paliativo, mexer
‘onde’ se consegue nos dias de hoje, sem perder de vista
que será preciso estudar uma maneira de atacar o problema
na raiz, que inclui mudar radicalmente os hábitos de consumo”,
situa Rigoletto.
A Abrafati tem um departamento
técnico que pode, eventualmente, trazer mais informações
sobre o programa para empresas interessadas. A sede fica
instalada em São Paulo. O e-mail para contato é tecnica@abrafati.com.br
e o site é www.abrafati.com.br.
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Publicação
Tese de doutorado “Implantação no Brasil do programa ‘Coatings
Care’ de prevenção de poluição e de acidentes do setor de
tintas”
Autor: Ivan de Paula Rigoletto
Orientador: Waldir Antonio Bizzo
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)
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