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O
Lume (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp)
encerra a programação de 25 anos de criação, comemorados neste
ano, em 11 de março de 2011, com workshops, em Campinas, durante
o Feverestival. As inscrições podem ser feitas pelo site do
núcleo até 30 de novembro. Os encontros acontecem de 14 de
fevereiro a 4 de março de 2011. As vagas são destinadas a
artistas de diferentes segmentos das artes cênicas e corporais
do Brasil e do exterior. De acordo com Carlos Simioni, coordenador
do núcleo, ainda antes de serem divulgadas para o mundo, as
oficinas já receberam três inscrições da Dinamarca, uma da
Noruega, uma dos Estados Unidos e uma do Canadá. “Isso mostra
que o Lume é reconhecido internacionalmente. E também comprovamos
este reconhecimento em nossas viagens”, afirma.
O projeto do Lume teve início
em setembro de 1984, quando o ator Luís Otávio Burnier (1956-1995)
e a bailarina Marília de Andrade, fundadora do Departamento
de Artes Corporais do Instituto de Artes da Unicamp, começaram
a desenvolver atividades de dança e artes cênicas, antes mesmo
da criação do Departamento de Artes Cênicas do Instituto de
Artes, em 1986. Ao chegar de Curitiba a Campinas, convidado
pelo amigo Burnier, idealizador do Lume, Simioni não tinha
noção da projeção que viria a ter o Lume em 25 anos, mobilizando
profissionais e pesquisadores de artes corporais e cênicas
de todo o mundo. “Burnier era precoce e queria fazer trabalho
aprofundado da arte do ator já naquela época. A partir de
seu convite, mergulhei na pesquisa sobre o ator, trabalhando
12 horas por dia”, relembra.
A
primeira noção da riqueza e da dimensão do trabalho surgiu
com a reação do público e da crítica teatral na estreia do
espetáculo Kelbilim, em cartaz há 22 anos. Trata-se, segundo
Simioni, de um espetáculo genuíno e fruto das pesquisas que
desenvolvia ao lado de Burnier naquele início. “A reação do
público e da crítica teatral nos revelou que era uma técnica
única no Brasil. Teatro puro, quase beirando ao sagrado”,
recorda.
A primeira viagem para realizar
workshops pelo País, para Canela, Rio Grande do Sul, há 22
anos, também mostrou a dimensão que já tinha o Lume. A ideia
era transmitir para atores as técnicas elaboradas, método
de trabalho e as pesquisas sobre o ator. Atividades mantidas
até hoje e intensificadas e aprimoradas a cada ano. “Em Canela,
eles ficaram tão empolgados, que imediatamente organizaram
uma mostra Lume em Porto Alegre. E comecei a perceber que
os atores gaúchos queriam vir para Campinas a fim de desenvolver
pesquisa”, declara Simioni.
A difusão entre os atores
de diversas partes do Brasil e do mundo tornava o projeto
do Lume cada vez mais conhecido e sólido. O interesse de artistas
de outras cidades pelo modo de fazer levou à conclusão de
que além de ser importante para a Unicamp, o grupo promovia
a extensão das atividades, segundo Simioni. Com o tempo, não
somente a técnica era espalhada, mas também o Lume como grupo
de teatro, pela característica peculiar, pois além de funcionar
como núcleo de pesquisa acadêmica, incluindo suas seis publicações,
o Lume é um núcleo de atores que funciona como grupo. Isso
despertou no Brasil a possibilidade de as pessoas se agruparem
e viverem de teatro, na opinião de Simioni. “Os próprios historiadores
dizem que a proposta é ímpar. Tivemos vários convites de reitorias
do Brasil para levar o projeto acadêmico para ver se eles
conseguem implantar em suas universidades. O mesmo aconteceu
em Bolonha, Costa Rica e na Califórnia”, avalia.
Depois
da criação do Lume, houve uma iniciativa crescente, a partir
de 1990, de formação de companhias de teatro, espelhadas no
núcleo, principalmente em Barão Geraldo. “Claro que não coloco
só como responsabilidade do Lume, porque na verdade há uma
efervescência teatral. Mas o núcleo é um grande colaborador
nisso. Aonde vamos, a cada cidade em que propagamos nosso
trabalho, quando acaba o seminário, as pessoas resolvem se
reunir para formar um grupo”, conta.
O Lume também é a fonte onde
bebem muitos graduandos em artes cênicas da Unicamp. Anualmente,
o núcleo dedica duas semanas – quatro horas por dia – de aulas
aos estudantes, além de abrir as portas da sede aos jovens
atores, que podem participar de oficinas ministradas por mestres
do teatro mundial. Para o diretor, é uma troca na qual os
graduandos experimentam a construção ou a administração de
um grupo ou elaboração de projetos.
Pesquisa
Para quem estava no começo,
isolado numa sala, ver que hoje nas universidades de teatro
de todo o Brasil o estudo sobre o Lume faz parte do programa
de algumas disciplinas é gratificante, conforme Simioni. Uma
das razões do espaço conquistado no meio acadêmico são as
publicações, que levam o selo da Unicamp.
Nas visitas a outras universidades,
ao pedir para ver como os atores fazem o treinamento do Lume,
Simioni se emociona ao vê-los buscar as técnicas nos livros
publicados pelo núcleo. “Fico feliz por ver que eles colocam
a interpretação deles das nossas pesquisas. Nunca é a base
exatamente como o Lume faz, porém, o que colocamos nos livros
é como se fosse uma receita de um bolo, e eles fazem o bolo
como querem”, comemora.
A força dos livros, dos espetáculos,
das aulas e dos prêmios transformou a chegada do Lume a uma
nova cidade não mais num motivo de curiosidade, mas de expectativa
por estar de frente com um velho conhecido. “Agora, vamos
para as cidades, e as pessoas já sabem da gente, já tiveram
acesso às fotos e querem ver ao vivo. Antes, quando íamos
para uma nova cidade, causávamos uma explosão, o Lume colocava
suas ideias novas, sua metodologia, pois o treinamento técnico
não existia e nem mesmo o ator técnico. Então isso era sempre
um boom.”
Atividades marcam data
As
fotos expostas na sala de entrada contam a história do Lume.
Ou de Burnier, dependendo do olhar do visitante da exposição
comemorativa “Linha do Tempo”. Talvez porque as duas histórias
estejam entremeadas desde a volta de Burnier da Europa.
A história como ator, no Brasil, contada pelo material iconográfico
exposto, teria começo, meio e eternidade no Lume, por ser
ainda objeto de pesquisa.
Além da exposição, várias
atividades marcaram os 25 anos do núcleo. Segundo Simioni,
os cursos do Feverestival de 2010 reuniram atores dos Estados
Unidos, do Panamá, da Costa Rica, da Espanha, da Dinamarca,
da Bolívia, além de Portugal e do Brasil todo.
Aprogramação também obteve
sucesso com o Terra Lume, evento em que os atores participantes
os atores têm curso o dia todo e espetáculos a partir das
20h30. O intervalo das 18h30 às 20 horas é dedicado à troca
de experiências a partir da realização de palestras. Durante
as apresentações, o grupo de Barão Geraldo Matula Teatro,
filho do Lume, foi homenageado por seus dez anos de criação.
A programação também foi
dedicada aos mestres do Lume. O primeiro deles, professor
de Burnier, Ettienne Dalcroux, falecido em 1992, foi lembrado
em curso ministrado pelo mímico Thomaz Leabhart. Outro mestre
importante para o Lume, Grotowski, foi lembrado pelos poloneses
Andrzej Paluchiewcs e Law Janowski, seus discípulos. Também
ministraram cursos a atriz inglesa Yael Karavan e o grupo
colombiano Varassanta Teatro. Como o Lume bebeu muito da
cultura popular, a atriz Renata Rosa, do Recife, foi convidada
a trazer os cantos populares para a festa do grupo.
Um projeto dos 25 anos que
deverá permanecer entre as atividades anuais do núcleo é
o Casa Lume. “Neste projeto, levamos três espetáculos, duas
demonstrações de trabalho e quatro oficinas para que a cidade
tenha noção do que é a casa do Lume, como se estivessem
aqui”, explica Simioni. A Casa Lume já voou para a capital
e o interior de São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza,
Recife, Ouro Preto e Rio de Janeiro.
A oficina Abre-Alas obteve
sucesso também entre o público das cidades visitadas. Neste
projeto, os municípios têm suas histórias mais curiosas
e tradicionais resgatadas e representadas pelo Lume em forma
de cortejo teatral.
Sonho de Ícaro, a primeira
peça apresentada dentro da programação, reuniu 11 companhias
de teatro de Barão Geraldo, envolvendo 120 pessoas. Cada
grupo recebeu as cenas de acordo com sua proposta teatral.
“Não tenho palavras para expressar o que foi Ícaro”, diz
Simioni. Ele explica que, se a especialidade do grupo era
trapézio, tecido, ar ou lira, foi dado a ele o vôo do Ícaro;
se a especialidade era teatro de rua, perna de pau, foi
dado o minotauro. “O sucesso foi estrondoso”, afirma Simioni.
A Revista número 8, o novo
site do Lume e um livro, em fase de produção, segundo Simioni,
se encarregam de contar em detalhes a história do núcleo
que, na busca de pesquisar a arte do ator, acabou se tornando
fonte de pesquisa e inspiração. Afinal, “trabalhar o ator
é, sobretudo e antes de mais nada, preparar seu corpo não
para que ele diga, mas para que ele permita dizer..”(Luis
Otávio Burnier).
Para saber mais: www.lumeteatrocom.br |
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