Do hipertexto à educação a distância
Tese premiada propõe metodologia sobre
o desenvolvimento de conteúdos digitais
Tese
de doutorado de Joni de Almeida Amorim apresentada à Faculdade
de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp,
orientada pelo professor Mauro Miskulin, está entre as seis
melhores do Brasil na área de informática na educação. A indicação
é da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), que promove
anualmente concurso na área.
As peculiaridades
da tese já se revelam no título: “Engenharia multimídia: contribuições
metodológicas ao gerenciamento de projetos de produção e utilização
de conteúdo digital em educação”. Nela, o autor apresenta
um modelo de referência que permite melhor planejamento de
projetos educacionais que se utilizam de tecnologia de informação
e de comunicação, em especial dos que envolvem produção de
multimídia e sua utilização em ensino presencial e a distância.
A tese mostra os principais procedimentos, ferramentas e técnicas
a serem utilizadas no gerenciamento de projetos e de conjuntos
de projetos dentro de um portfólio ou programa.
A abordagem
exigiu a utilização de métodos e práticas de computação, administração
e educação. A multidisciplinaridade implícita conduziu o autor,
graduado em matemática, pela iniciação científica em educação
e o levou ao mestrado e ao doutorado na FEEC, permeados por
estágios no exterior.
Amorim
autofinanciou o mestrado e o doutorado atuando como professor
universitário no ensino privado e em projetos desenvolvidos
principalmente na Unicamp. Nesses trabalhos, procurou desenvolver
atividades práticas que pudessem ser utilizadas no desenvolvimento
de suas pesquisas.
Com as
experiências oriundas das práticas e os resultados acumulados
em dez anos de trabalho, o pesquisador espera contribuir para
a discussão e a viabilização de cursos a distância e o aprimoramento
ensino presencial. É o que mostra nesta entrevista.
Jornal da Unicamp – O seu trabalho mostra a preocupação
com o uso cada vez maior da multimídia em educação. Como se
desenvolveu esse seu interesse?
Joni de Almeida Amorim
– Eu pretendia na medida do possível cursar a melhor
faculdade do Brasil e me diziam em, Campo Grande, MS, que
elas estavam no estado de São Paulo. Optei pela Unicamp. Nesse
período me ocorreu que, se houvesse ensino a distância, estudantes
de outras regiões que procuram bons cursos não precisariam
se deslocar para cá.
Já no final da graduação fui
fazer estágio na Europa em computação. Nessa época, para a
matrícula nas disciplinas que viria a cursar no semestre seguinte,
utilizei o recurso da internet disponibilizado pela Diretoria
Acadêmica (DAC) da Unicamp.
Comecei a pensar na possibilidade
de usar o processo para cursos a distância. Daí surgiu meu
interesse pela aplicação da internet e de outras tecnologias
no ensino superior, inclusive presencial. Encontrei na Faculdade
de Educação uma forma de viabilizar isso através da professora
Rosana Miskulin,que orientava os alunos na utilização da informática
na educação e comecei a pesquisar. Trabalhei nisso por dois
anos na iniciação científica. Ao terminar a licenciatura,
dediquei o mestrado e o doutorado ao estudo do uso da computação
em educação.
JU – O que você
basicamente fez no mestrado?
Amorim – Estava
na época mais interessado na utilização do hipertexto e da
internet no ensino e por isso me dediquei basicamente a seus
usos na educação a distância, relacionando computação e educação.
JU – E o que mudou
no doutorado?
Amorim –
No doutorado acrescentei mais um aspecto, o da gestão, unindo
ao uso da computação na educação à forma de gerenciamento
de todo esse processo. É importante explicar o significado
e o alcance do gerenciamento. Os pesquisadores da área de
educação preocupam-se em como utilizar as tecnologias na sala
de aula ou na educação a distância e com a metodologia para
viabilizá-las. O pessoal da área de engenharia centra-se no
tipo de tecnologia que deve ser desenvolvida de forma a tornar
o ensino mais eficiente, caso da tevê digital interativa,
que começa a ser discutida hoje. E agora chegamos ao ponto:
os encarregados da área de gestão precisam garantir a execução
desses projetos como um todo. E esse olhar particular é necessário
porque esses projetos de modo geral são muito complexos e
caros.
Complexos
na medida em que utilizam várias tecnologias diferentes como
computador, hipertexto, vídeos, vídeoconferências, entre outras,
o que exige a montagem de uma infraestrutura adequada. Além
do que, se trabalha com uma grande quantidade de informações.
Sem uma pessoa da área de gestão, os especialistas das áreas
pedagógicas e tecnológicas manifestam a tendência de tocar
o trabalho de forma mais intuitiva, sem utilizar ferramentas
adequadas na gestão de projetos complexos. Em projetos públicos
isso leva ao desperdício de recursos, como a contratação de
especialistas antes do tempo necessário ou a aquisição de
tecnologias ou softwares que acabam não sendo usados. Some-se
a isso a falta de percepção das relevâncias e inter-relações,
o que leva à montagem de cronogramas inviáveis.
JU – Que fatores
objetivos o levaram a considerar o gerenciamento em projetos?
Amorim – Quando
eu trabalhava em faculdades particulares, numa delas inclusive
como coordenador de educação a distância, era constantemente
solicitado a responder qual o custo envolvido na montagem
de determinado curso e quanto tempo seria necessário para
preparar o correspondente material multimídia. Nos projetos
desenvolvidos na Unicamp, nos quais os problemas eram diferentes,
me perguntavam como fazer e quanto custavam vídeos para cursos
de especialização. Esses tipos de indagações eram recorrentes
e permeavam as discussões dos aspectos pedagógicos e tecnológicos,
cujas implementações sugeriam necessidade de gerenciamento,
pois estavam envolvidas questões que ninguém sabia responder.
Constatei então que não existia nenhuma metodologia aplicável
para o contexto brasileiro sobre gerenciamento nessa área.
JU – Seu doutorado
se preocupou então com gestão de projetos multimídia?
Amorim –
Exato. Minha tese voltou-se para a gestão de projetos que
envolvem multimídia, seja a produção de vídeos, softwares,
áudios, vídeoconferências e também para o uso desses recursos
em educação a distância. Hoje, não dá para falar em educação
a distância utilizando só texto ou só arquivo em pdf, o que
ainda acontece muito. Temos de lançar mão do hipertexto, precisamos
usar vídeos, filmar o professor em entrevista, criar uma rádionovela,
enfim, possibilitar que os alunos possam baixar aquilo no
celular e por aí vai.
JU – Cite alguns
exemplos de projetos com essas características.
Amorim –
Projetos de que participei na Unicamp, seja na concepção ou
na execução efetiva, incluem iniciativas de formação continuada
de professores assim como cursos em Gestão Estratégica Pública,
em Saúde da Família, em Ouvidoria e, atualmente, em Libras.
Este por sinal constitui o primeiro curso da Unicamp no Programa
Univesp da Secretaria de Ensino Superior. Mas há projetos
voltados especificamente à produção de multimídia, como o
Programa ConDigitais da Secretaria de Educação a Distância
do MEC, com orçamento de dezoito milhões de reais para a Unicamp
e mais de trezentas pessoas envolvidas.
JU – Que implicações
maiores podem ser vislumbradas a partir do seu trabalho?
Amorim –
É muito interessante perceber que além de considerar cada
projeto em separado é possível pensar em um programa, em um
portfólio, isto é, em um conjunto de projetos. Assim, se a
Unicamp tiver vários projetos de educação a distância pode-se
pensar em todos eles simultaneamente através de ferramentas
e técnicas de gestão, o que permitirá compartilhar recursos
e reduzir gastos.
JU – Como você
amadureceu a ideia do projeto que levou ao doutorado?
Amorim –
Desde que comecei esses estudos na iniciação científica, há
cerca de dez anos, percebi que cada tipo de multimídia tinha
uma metodologia de produção. Mas foi no doutorado que tive
a ideia de investigar como gerenciar tudo isso separando especificidades
e levando em conta aspectos comuns. Baseei o trabalho nos
projetos reais de que havia participado principalmente aqui
na Unicamp. Depois de estudá-los, elenquei o que seria relevante
considerar e a partir daí passei a desenvolver o meu modelo
de referência que, como diz o nome, deve servir como roteiro
a ser seguido por quem vai gerenciar um projeto.
JU – Do que consta
fundamentalmente o seu trabalho?
Amorim –
Dividi o trabalho em duas vertentes. Uma mais explícita, que
deve ser do conhecimento de grande parte dos que estão envolvidos
no projeto, e outra mais implícita, destinada mais especificamente
aos gestores.
Na parte explícita, considero
quatro dimensões: a conteudística – que permite definir os
conteúdos relevantes; a pedagógica – que se preocupa em como
ensinar; a tecnológica – que considera os recursos técnicos
em termos de multimídia que podem ser utilizados; e a gerencial
– que se atém às informações que devem ser apresentadas a
todos os envolvidos no projeto.
Na parte implícita, considero
quatro dimensões: gestão estratégica – que leva em conta os
benefícios de trabalhar com um conjunto de projetos, com um
portfólio; gestão de conhecimento – que se preocupa com o
registro do caminho percorrido e dos acertos e erros, o que
permite evitar repetições e equívocos; gestão de mudança –
que leva a utilização de ferramentas e técnicas para gerenciar
mudanças para novos contextos; modelo de maturidade – que
se preocupa com a busca da melhora contínua, sem que haja
acomodações à medida que o tempo passa; e propriedade intelectual
– que considera o direito autoral.
Gostaria de ressaltar que
muita gente tem resistência à educação a distância e até ao
uso da multimídia porque considera que a substituição do professor
leva à precarização do ensino. A gestão da mudança permite
verificar as necessidades de uma equipe para prepará-la para
a educação a distância ou para o uso da multimídia, espantando
o fantasma da precarização.
JU – Como está
montado esse modelo de referência?
Amorim – Essas nove dimensões a que acabo de me referir me
levaram à formulação de um modelo de referência. Ele mostra
os procedimentos a serem executados ou que devem ser considerados
como relevantes ou não nos projetos. É um fazer passo a passo,
basicamente. O planejamento de um projeto nada mais é do que
um Plano de Gerenciamento, no qual consta tudo que tem que
ser feito durante o seu desenrolar. No modelo de referência
que permite a montagem do Plano de Gerenciamento criei 199
processos diferentes e da análise de cada um deles se chega
à sua montagem. É isso que está atualmente apenas na tese.
Talvez no futuro eu faça uma versão mais simples para disponibilizá-lo
na internet ou edite na forma de livro.
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