Impacto econômico da proibição
da utilização do amianto no país
O
amianto é uma substância considerada cancerígena pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), que recomenda substituir essa fibra
mineral por materiais alternativos. A Resolução 162 (da qual
o Brasil é signatário) aprovada em 1986 pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) fez a mesma recomendação, além de prescrever
medidas de prevenção e controle dos riscos para a saúde. Em
2006, nova resolução da OIT avançou no sentido de promover
a eliminação de todas as formas de amianto. Atualmente, 58
países proíbem a utilização dessa fibra mineral. Apesar da
reconhecida patogenicidade de todos os tipos de amianto, não
havendo limite seguro para seu uso, a variedade conhecida
como crisotila ainda é utilizada no Brasil e em outros países,
boa parte na fabricação de artefatos de fibrocimento, como
telhas e caixas d´água.
No Brasil, em 2004, o governo
federal instituiu uma comissão interministerial para rediscutir
o uso da crisotila, impulsionado pela determinação da União
Europeia (Diretiva 1999/77/CE) de excluir a partir de 1o/1/05
o uso do amianto em todos os países que ainda não haviam adotado
tal providência. Embora uma nova política nacional não tenha
sido apresentada, dando margem à interpretação de que é ainda
permitido o uso da variedade crisotila, vários Estados e municípios
brasileiros tomaram a iniciativa de legislar para atender
às recomendações da OIT no sentido do banimento de todos os
tipos de amianto. As iniciativas estaduais são contestadas
pelo Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) ou pelo governo
de Goiás (Estado que sedia, no município de Minaçu, a única
mina de crisotila em operação no país, explorada pela empresa
Sama, do Grupo Eternit). Atualmente, por exemplo, encontra-se
em julgamento no Supremo Tribunal Federal ação de inconstitucionalidade
de lei estadual restritiva ao uso de amianto no Estado de
São Paulo.
Os defensores da continuidade
do uso do amianto apoiam-se nos seguintes argumentos econômicos:
a) Os preços das telhas
sem amianto seriam maiores que os das telhas com o produto.
Segundo o IBC, os produtos de fibras artificiais seriam
30% a 40% mais caros e a suspensão da produção de telhas
com amianto ampliaria essa diferença.
b) Haveria pressão sobre
a balança comercial decorrente da ampliação de importação
de fibras sintéticas. Para o IBC, o prejuízo seria de US$
180 milhões/ano, valor claramente superdimensionado, uma
vez que o Brasil já atende com importações 31% do consumo
interno de amianto e para tanto gasta apenas US$ 14 milhões/ano.
c) Haveria efeito negativo
sobre emprego e renda em toda a cadeia produtiva do amianto.
Os adeptos do amianto enfatizam que se trata de um setor
gerador de 170 mil empregos (abrangendo as atividades de
mineração, fabricação, transporte, distribuição e revenda),
ao mesmo tempo em que dão a entender que os efeitos recairiam
sobre a totalidade da cadeia produtiva. Mesmo se considerarmos
os empregos diretos e indiretos, esta estimativa é inconsistente.
Por lei, as empresas que manipulam o amianto (seja na produção,
no transporte ou na prestação de serviços) têm que se cadastrar
no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e, segundo este
cadastro, em fevereiro de 2005 estas empresas empregavam
16.863 trabalhadores, dos quais 3.893 no setor de fibrocimento
e 453 na mineração.
d) Quanto à perda de arrecadação
de impostos, a empresa Sama recolhe R$53 milhões/ano em
impostos anuais (federais, estaduais e municipais), sendo
R$9 milhões em ICMS. Acrescenta-se que o município de Minaçu,
o Estado de Goiás e a União recebem R$3,3 milhões/ano de
royalties via CFEM (compensação financeira pela exploração
de recursos minerais).
e) Por fim, haveria o efeito
negativo sobre o município goiano de Minaçu, pela relevância
local da atividade de mineração do amianto.
Além de supor diferenciais
de preços que não são confirmados (as pesquisas consultadas
mostram que os preços dos produtos de fibrocimento com e sem
amianto praticamente não apresentam diferenças) e de partir
da hipótese radical de que a proibição do uso do amianto se
daria de forma abrupta e total, a avaliação dos impactos econômicos
pelos defensores do amianto tem se apoiado em outros supostos
incorretos: i) o país não contaria com tecnologia e produto
similar de qualidade; ii) as empresas não estariam preparadas
para atender a demanda ampliada decorrente da corrida a produtos
alternativos; iii) a suspensão da produção da fibra de amianto
impediria a atividade econômica em toda a cadeia a jusante;
iv) a elevação da demanda por fibras alternativas não estimularia
investimentos no país para atendê-la (sendo canalizada para
importações).
Os resultados das pesquisas
desenvolvidas pela Unicamp permitem sustentar argumentos contrários
e refutar estas hipóteses incorretas:
1) O país não apenas conta
com fibras alternativas ao amianto, como a substituição
por essas fibras está em processo avançado e é passível
de ser completada em curto espaço de tempo.
2) Mesmo com a suspensão
da produção de fibras de amianto, as atividades a jusante
na cadeia não sofrerão descontinuidade. Os efeitos negativos
restringem-se ao segmento de mineração do amianto (que em
2007 empregava 156 trabalhadores na lavra e 210 no beneficiamento),
podendo ser compensados com políticas de apoio à região
atingida (o turismo revela-se como alternativa promissora
para Minaçu). Os empregos correspondentes às fases de produção
de artefatos de fibrocimento, transporte e comercialização
independem de a matéria-prima ser amianto ou fibra sintética.
Os efeitos negativos sobre a mineração serão compensados
por investimentos em tecnologias alternativas na indústria
de fibrocimento e em outros setores (fibras sintéticas ou
de outros materiais alternativos), além do surgimento de
novos negócios, entre os quais o de empresas especializadas
na remoção de amianto.
3) Também não são esperados
efeitos relevantes sobre os preços dos produtos alternativos.
Durante curto período de transição, estes produtos poderão
custar no máximo 10% a mais, que serão compensados pela
não necessidade de medidas de proteção especiais na instalação,
manutenção e reforma, pela ausência de riscos contínuos
para trabalhadores e ocupantes da construção e pelos menores
custos de remoção e descarte de refugos. Vale lembrar a
recém-aprovada Política Nacional de Resíduos Sólidos, que
prevê instrumentos para responsabilizar as empresas que
se apoiem em tecnologias e práticas agressivas ao meio ambiente.
Ademais, deve-se levar em conta que, além das telhas de
fibrocimento com fibras alternativas que estarão ampliando
sua oferta, há outros tipos de telhas, com destaque para
as cerâmicas, cujo mercado se caracteriza por acirrada concorrência
via preço. Descarta-se, portanto, o risco de desabastecimento
de telhas ou outros produtos cimentícios e de aumento no
custo geral da construção, com a suspensão do uso do amianto.
Cabe observar que pressões de preço em períodos de bom desempenho
do setor da construção civil são recorrentes, independentemente
da proibição desta fibra. O preço da tonelada da fibra de
amianto produzida pela Sama aumentou 20% entre o 1o e o
2o semestre de 2008, segundo o Departamento Nacional de
Produção Mineral – DNPM.
No século passado, a indústria
de amianto, em colaboração com alguns líderes acadêmicos de
medicina ocupacional, buscou desqualificar as evidências contra
seu uso. Com a proibição em número crescente de países desenvolvidos,
os produtores de crisotila voltaram-se para os países em desenvolvimento,
procurando reproduzir a estratégia de legitimação de seus
argumentos, a exemplo do Canadá que, embora proíba o uso do
amianto no país, é o maior exportador do produto, atendendo
países pobres da África e da Ásia.
É neste contexto que o debate
sobre o banimento do amianto no Brasil vem se arrastando.
Tempo suficiente para que o grupo líder no país construísse
uma estratégia de inserção nos países em desenvolvimento.
Ao invés de abandonar o amianto como matéria-prima e apostar
em materiais substitutos, o grupo Eternit optou por ignorar
os efeitos à saúde e ambientais provocados pelas fibras do
amianto e participar do movimento em defesa do “uso controlado”.
Ao mesmo tempo, à medida que se contraía o consumo interno
de amianto, o grupo expandiu suas vendas para países que ainda
não o aboliram. Detentor do monopólio na produção da fibra
de amianto no país, o grupo manteve-se produzindo artefatos
de fibrocimento fazendo uso dessa fibra, sendo inclusive seu
principal consumidor local, mas não deixou de capacitar-se
e de participar do mercado de produtos de fibrocimento sem
amianto.
Apesar da omissão do governo
federal, na última década o país avançou no processo de capacitação
e substituição progressiva por fibras alternativas, com opções
seguras que atendem tanto às especificações tecnológicas quanto
às de proteção da saúde humana e do meio ambiente. A adaptação
das linhas produtivas é simples e pode ser realizada em curto
período de tempo. Parte significativa da indústria de fibrocimento
já domina a tecnologia e possui os ativos necessários à adaptação.
O controle efetivo sobre os
riscos representados pelo amianto requer a proibição da extração,
do transporte, da industrialização, da comercialização e da
utilização do amianto, em todas suas formas, no território
brasileiro. Haverá quem defenda a continuidade das exportações,
sob o argumento de o país continuar contando com preciosas
divisas (as exportações de amianto pela Sama somam US$ 50
milhões/ano). Mas é imperioso destacar que o Brasil exporta
amianto para países periféricos, colocando em risco a vida
de milhões de pessoas. A ignorância acerca dos malefícios
fatais do amianto em um contexto em que as condições de trabalho
são extremamente precárias cobrará seu preço, mas esta conta
não será paga pelos beneficiários deste pujante mercado macabro.
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Este artigo apoia-se nos resultados obtidos pelos
autores com a execução do projeto de pesquisa “Avaliação do
Impacto Econômico da Proibição do Uso do Amianto na Construção
Civil no Brasil” – Convênio de Cooperação Técnica 4416 – Abifibro/Unicamp.
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Ana Lucia Gonçalves
da Silva é professora do Instituto de Economia (IE) da Unicamp;
Carlos Raul Etulain é professor da Faculdade
de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp
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