Ao
estudar o design das interfaces de usuários flexíveis em
computação para atender a requisitos de interação diferentes
– para todos –, uma das tarefas da engenheira da computação
Vânia Neris foi buscar uma solução que se ajustasse, mudando
os comportamentos de acordo com o contexto de aplicação
e de quem é o público-alvo. A pesquisadora idealizou um
framework – um conjunto de artefatos e métodos e uma sequência
de passos bem estruturados – para que designers possam pensar
em meios flexíveis com vistas à inclusão digital. Esta proposta
integra a sua tese de doutorado defendida no IC, orientada
pela docente do IC Maria Cecília Calani Baranauskas.
Neris estudou formas
de desenvolver tecnologias que se aproximem das diferenças
que existem na população brasileira. “Mas como é que os
responsáveis pelos projetos das interfaces dos sistemas
computacionais poderiam capturar estas diferenças e pensar
em soluções de desenho flexível?” A sua tese, conta, é uma
resposta a isso. “Pois os requisitos de interação dos idosos
são diferentes para os jovens”, compara.
Um recorte deste trabalho,
que mereceu a primeira colocação no IX Simpósio Brasileiro
de Fatores Humanos em Sistemas Computacionais, foi o artigo
Making Interactive Systems More Flexible: An Approach Based
on Users Participation and Norms, resultado de uma das oficinas
realizadas dentro do projeto e-Cidadania. Foram feitas 11
atividades, concebidas em parceria com a Prefeitura Municipal
de Campinas, num telecentro situado no prédio do Centro
de Referência da Juventude (CRJ). As oficinas, conduzidas
por pesquisadores da Unicamp na Vila União, ocorriam em
dias alternados da semana e duraram 30 meses.
Eles se deslocavam
até o bairro para esse telecentro – onde funcionam alguns
projetos como o Casa Brasil. Faziam atividades de desenho
em papel e em computador para entender a relação dessas
pessoas com sistemas computacionais e, assim, propor uma
solução de design com um grupo de 13 a 20 pessoas da comunidade,
na faixa etária de 18 a 65 anos. Isso redundou no desenho
do sistema chamado Vila na Rede (www.vilanarede),
uma rede social inclusiva. Desta forma, ele tem alguns requisitos
de flexibilidade.
O Vila na Rede tem
uma preocupação particular com as habilidades de interação,
salienta Neris. Isso porque a taxa de analfabetismo funcional
no país é algo em torno de 25%, segundo o Indicador Nacional
de Analfabetismo Funcional do Instituto Paulo Montenegro,
uma organização vinculada ao Ibope. Se considerada a população
mais idosa, na faixa de 64 anos, este índice sobe para mais
de 40%.
A Unesco define “analfabeto
funcional” como toda pessoa que sabe escrever seu próprio
nome, assim como lê e escreve frases simples, efetua cálculos
básicos, porém é incapaz de interpretar o que lê e de usar
a leitura e a escrita em atividades cotidianas. “A questão
reside em medir o quanto a pessoa consegue compreender o
que ela escreve ou lê. Não se trata simplesmente de conseguir
escrever letras e frases. É preciso construir conhecimento
a partir disso”, acredita Neris.
No entender da pesquisadora,
o projeto que funciona na Vila União reflete bem essa realidade
brasileira. Contudo, opina que não dá para esperar soluções
de pesquisadores de fora para este tipo de problema específico.
“Temos que avaliar como fazer o acesso participativo universal”,
acentua Neris. “No nosso caso, fomos ao contexto em questão,
ouvimos as pessoas e com elas procuramos soluções.”
Conforme a pesquisadora,
um ponto ainda obscuro é se os sistemas computacionais estão
disponíveis a todos. “Muitas pessoas marcam uma consulta
médica com agendamento feito pelo computador. Então não
se pode deixar que boa parte delas fique alheia a esse tipo
de acesso. É fundamental saber como é a sua relação com
a tecnologia.”
Resultado
Como produto da sua tese, Neris criou um
framework para que designers possam pensar em interfaces
flexíveis com vistas à inclusão. Os idosos, avalia ela,
em geral precisam de elementos interativos maiores. Muitos
deles enfrentam dificuldades motoras, mesmo para o manuseio
do mouse. “Então inserimos algumas setas para auxiliar o
uso da barra de rolagem. Estas setas poderiam ser empregadas
para descer ou subir o conteúdo da tela.”
Como se tratou de um design participativo,
por sua abordagem, não se reuniam ali somente idosos ou
pessoas com deficiência. Tinha inclusive quem já era experiente
com o computador. “Logo a intenção era trabalhar com o grupo
ali emergente, pelo foco do sistema, e desenvolver este
trabalho a partir da necessidade deles.”
Neris expõe que na Vila União havia uma
comunidade de artesanato que queria disponibilizar o seu
acesso às pessoas. Anteriormente, estes artesãos se reuniam
e escreviam num pedaço de papel: “vendo pão-de-queijo” ou
“faço boneca de pano”, colando-os num mural. Com o novo
sistema, eles puderam disponibilizar aqueles conteúdos na
Internet e hoje outras pessoas têm acesso e sabem desses
oferecimentos através do Vila na Rede. O aspecto de flexibilidade
deve existir, defende Neris: “não oferecer este recurso
para alguns, mas oferecê-lo a todos”. Este é o tipo de coisa
que o design pode propiciar.
O projeto foi muito produtivo para a comunidade,
avalia a pesquisadora, já que o sistema prossegue disponível
on line, e também do ponto de vista acadêmico, pontua Neris,
que fez a graduação e o mestrado na UFSCar. “Terminei o
doutorado em junho na Unicamp e passei no concurso para
professora na UFSCar na semana seguinte à defesa”, comemora.
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Artigos
[best paper] NERIS, V.P.A.; BARANAUSKAS,
M.C.C. Making Interactive Systems More Flexible: An Approach
Based on Users Participation and Norms. In: Simpósio Brasileiro
de Fatores Humanos em Sistemas Computacionais (IHC 2010),
2010, Belo Horizonte. Proc. IHC 2010, 2010.
NERIS, V.P.A.; BARANAUSKAS, M.C.C. Interfaces for All –
A Tailoring-based Approach. In: 11th International Conference
on Enterprise Information Systems (ICEIS 2009), 2009, Milan.
In Proc. ICEIS 2009 - LNBIP 24. p. 928-939.
Publicação
Tese de Doutorado “Estudo e proposta de um framework para
interfaces de usuário ajustáveis”
Autora: Vânia Neris
Orientadora: Maria Cecília Calani Baranauskas
Unidade: Instituto de Computação (IC)
Financiamento: Fapesp
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Investigando a consciência
em sistemas colaborativos
A
pesquisa do bacharel em informática Leonelo Dell Anhol Almeida
estuda a percepção que as pessoas têm da presença de outras
quando estão distantes, utilizando um sistema computacional.
A sua investigação fornece um plano de inclusão de uma rede
social e a construção de um conteúdo mais acessível à web.
Como subproduto, foi construída uma ferramenta de comunicação
síncrona (aquela que acontece ao mesmo tempo) em que as
pessoas podiam conversar dentro do Vila na Rede.
Dentro desse sistema, Almeida
trabalhou com o projeto Todos Nós: Unicamp Acessível, coordenado
pelas docentes Cecília Baranauskas e Maria Teresa Egler
Mantoan, da Faculdade de Educação (FE). A iniciativa é mais
voltada à inclusão. O trabalho teve ainda uma forte base
na questão técnica da acessibilidade, na qual foram desenvolvidas
as práticas participativas a partir das quais se entendeu
o conceito de construir o conhecimento sobre as organizações
– os sistemas de informação em que as pessoas estão inseridas
– e ainda o design universal. “É algo muito importante no
contexto do trabalho porque ele advoga que vamos produzir
soluções para serem adotadas pela maior extensão possível
de pessoas, com um desenho não segregatório”, descreve Almeida.
De acordo com ele, hoje
a web enfrenta sérias barreiras com relação a acesso ao
conteúdo. No entanto, as diretrizes de acessibilidade existentes
não são adotadas pela maioria dos provedores de conteúdo,
devido a obstáculos como a sua falta de contextualização
e a relação com os problemas que as motivam; e ao fato de
serem muito longas e, portanto, difíceis de acoplação aos
processos de desenvolvimento. “Não basta construir uma solução
assistencialista. A intenção é gerar sistemas factíveis,
agradáveis e úteis a todas as pessoas.”
No caso do pesquisador,
ele trabalhou com foco em awareness e em sistemas colaborativos.
Awareness é o conceito da consciência que as pessoas constroem
de determinado assunto, fenômeno ou objeto, dentro de como
estão interagindo com um sistema colaborativo e do que as
outras estão fazendo. Isso é muito comum numa rede social,
quando uma pessoa nela ingressa e deseja saber quais são
as comunidades do seu amigo e o que elas falam e fazem.
“É preciso conhecer mais como essas pessoas entendem a tecnologia
e como as usa para criar respostas próximas de seu entendimento”,
diz Baranauskas.
Cada oficina, lembra Almeida,
teve em média 30 pessoas. Hoje são mais de 200 usuários
inseridos no Vila na Rede. “É curioso que aquele conteúdo
que lá está não é mais o mesmo daquela comunidade com a
qual foram feitos os primeiros contatos. Ele já se estendeu
e acompanhamos esta trajetória mediante ferramentas estatísticas
e analisando o público e as visitas ao site.”
O seu projeto de doutorado,
posto em prática num sistema colaborativo – a rede social
inclusiva da Vila União –, teve como subproduto uma ferramenta
de comunicação em que as pessoas podiam conversar instantaneamente
no Vila na Rede. “Tivemos também um grafo, uma representação
em que as pessoas podiam enxergar o que estava acontecendo
no sistema naquele momento, quem estava conversando com
quem, quem estava on line, para dar uma representação alternativa
ao que foi criado”, pontua o bacharel em informática.
Foram alguns meses e, conforme
foi crescendo o conteúdo, as pessoas já começavam a ter
dificuldade de se atualizar a respeito do que estava acontecendo.
Foi também criado um instrumento chamado Central do Vila,
que informa conteúdos disponíveis no sistema. Com ele, os
participantes sabem quem são os novos usuários, anúncios
e informações.
Segundo o pesquisador, não
é uma aplicação local e nem controlada. Está aberta na web
para qualquer pessoa. Mas as suas atividades são bastante
restritas ao Vila, isso porque os participantes buscaram
maior compartilhamento das suas informações. “Não tenho
dúvidas de que conseguimos fazer a inclusão naquele local.
Criamos com a rede a cultura de usar o computador, não somente
como consumidores. Eles também se sentiram autores das ferramentas”,
expõe o doutorando. Esta inclusão foi digital sim, refere
Almeida, porém especificamente no caso das artesãs, de poderem
usufruir do sistema, onde o seu produto fica disponível,
isso ampliou inclusive sua rede social de contatos.
Houve um professor de educação
física, recorda o bacharel em informática, que empregou
o Vila na Rede para dar dicas aos idosos de exercícios pela
Internet, apesar de não integrar o grupo que participou
da concepção do sistema. Ele enviava fotografias para mostrar
como estes exercícios deviam ser feitos.
Este projeto portanto, constata
o pesquisador, já não está mais restrito à Vila União. Ele
foi agora levado a Pedreira, interior de São Paulo, e olhando
pelo Google Analytics, uma ferramenta empregada para medir
os acessos, Almeida verificou que estes são feitos de diferentes
partes do Brasil.
Outra relação advinda do
projeto foi que algumas pessoas, da área empresarial, também
chegaram às oportunidades. Os responsáveis pela Chácara
de Orgânicos, uma empresa que comercializa este tipo de
produtos, acharam que este era o espaço ideal para inserirem
seus conteúdos. Eles ainda enviam informações ao site com
grande frequência.
Os pesquisadores do projeto
fazem as atualizações e pelo menos 20, de diferentes unidades,
deram algum tipo de contribuição, conta Almeida, que bacharelou-se
pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, especializou-se
em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV) e obteve o mestrado em Informática pela Universidade
Federal do Paraná. Seu artigo, denominado Universal design
principles combined with web accessibility guidelines: a
case study, alcançou o segundo prêmio da sessão de melhores
artigos de IHC no último simpósio da SBC.
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Artigos
Almeida, L.D.A; Baranauskas, MC.C. Um prospecto de sistemas
colaborativos: modelos e frameworks. In: Anais do VIII Simpósio
sobre Fatores Humanos em Sistemas Computacionais. Sociedade
Brasileira de Computação, p. 204-13, 2008.
Almeida, LD.A.; Baranauskas, M.C.C. Universal design principles
combined with web accessibility guidelines: a case study.
In: Anais do IX Simpósio de Fatores Humanos em Sistemas
Computacionais. Sociedade Brasileira de Computação, p. 169-78,
2010.
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O
professor licenciado em eletrônica Leonardo Cunha de Miranda
criou em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de
Computação (IC), um novo dispositivo que tem potencial para
substituir o controle remoto da televisão digital interativa.
Isso será possibilitado pelo uso de um conjunto de três
anéis que foi por ele concebido sob orientação da professora
Maria Cecília Calani Baranauskas. Entre suas características,
uma permite realizar ajustes que poderão ser aplicados a
diferentes usuários – com e sem deficiência. Trata-se de
um trabalho inovador, já que em outros países o que existe
é a interatividade ainda proporcionada pelo controle remoto.
A novidade acaba de gerar um pedido de depósito de patente
e deve despertar interesse do setor industrial.
Miranda abordou em sua tese o design
de artefatos para interação com a televisão digital interativa,
que já é uma TV a qual propõe o chamado canal de retorno,
a fim de que o usuário possa enviar dados para o seu sistema.
“Ele fará isso usando justamente os anéis interativos ajustáveis”,
afirma. Seu objetivo incluiu uma avaliação dos dispositivos
presentes no mercado.
Ao longo do processo, como sua linha
de pesquisa envolvia a criação de um produto para uso de
todos, observou que os equipamentos existentes no mercado
não seguem os preceitos do design universal. Utilizando
técnicas do design participativo, ele criou o anel, após
suas especificações. O invento foi testado pela comunidade
da Vila União, dentro do projeto e-Cidadania, com mais de
17 usuários com os quais o autor dos anéis especificou sua
criação.
Conforme Miranda, cada anel possui
uma função e tem o seu movimento reconhecido por gestos,
entretanto a solução é dada pelo conjunto dos três. Cada
qual, explica Miranda, tem uma cor diferente. O verde se
presta à sua ativação, o azul às opções e o amarelo às movimentações:
para cima e para baixo, para a direita e para a esquerda.
“Nisso tudo, o usuário fica com a mão direcionada para a
televisão e outro dispositivo capta os movimentos dos gestos.
Apertando-se o botão, mais a somatória dos gestos, cria-se
uma função de interação”, revela.
O trabalho de Miranda é um dos subprojetos
do e-Cidadania. “Pelo menos ele foi utilizado no mesmo contexto,
com os mesmos princípios e a mesma orientação teórico-metodológica,
como propor mecanismos lógicos e também físicos que facilitem
o acesso das pessoas à tecnologia digital. Isso porque o
conhecimento está sendo veiculado daqui para frente via
esta tecnologia”, adianta a orientadora do trabalho, que
é professora do IC e atualmente coordena o Núcleo de Informática
Aplicada à Educação (Nied) da Unicamp.
Para gerar um depósito de patente, que protege a originalidade
do projeto, Miranda teve que construir um protótipo para
mostrar que a inovação é viável e funcional. Baranauskas
realça que a comercialização dependerá do interesse do setor
industrial.
A orientadora do trabalho comenta que a definição da TV
digital no Brasil é recente: vem desde 2006. Assim sendo,
trata-se de um mercado novo e novas formas de interação
podem ser mais interessantes do que usar o controle remoto,
por exemplo. Também é fato que a televisão é uma unanimidade
nas casas das pessoas. “Isso é um ponto a ser pensado porque,
se a gente fala de inclusão digital para os menos favorecidos
e que têm menos acesso ao computador, ela poderá acontecer
via TV”, conclui a professora.
Um dado recente do trabalho indica que a televisão digital
é assistida em mais de 50 municípios brasileiros. Portanto,
começam a surgir aplicações interativas e cada vez mais
os usuários poderão utilizar esta via de mão dupla – em
que o usuário pode interagir com a TV digital pelo controle
ou por outro artefato alternativo ao controle – no caso
desta pesquisa, o anel.
Em relação à TV digital, há no momento dois nós: um ligado
aos desenhos de aplicação (a parte de software) e outro
à interação do usuário com esta aplicação via um dispositivo
físico de interação. “Meu trabalho tratou mais do hardware
de interação com as aplicações”, conta Miranda.
A interação na Vila União, resgata Miranda, fluiu com constância,
mas houve uma certa barreira inicial, pelo fato deste equipamento
ser diferente de um controle remoto. Nada que a sua experimentação
em poucos minutos não resolvesse a barreira inicial, para
uso com proficiência dos anéis, que se mostrou fácil de
interagir. Toda a população brasileira, a propósito, é potencial
usuária da solução.
A televisão analógica, que predomina nos lares brasileiros,
ainda não dispõe do canal de retorno, recurso de interação.
O usuário é um instrumento passivo do conteúdo. Contudo
já existe uma maneira de adaptar a televisão antiga a esta
nova interatividade possível na TV – pelo conversor setup
box.
O gargalo do controle remoto é que ele tem vários problemas
de interação já descritos na literatura. As principais limitações
atribuídas ao controle são o fato de gerar confusão com
diferentes interfaces, de haverem vários controles remotos
no mesmo ambiente e problemas de nomenclatura, símbolos
e terminologias dos botões.
Outros produtos foram licenciados pela indústria, no entanto
não estão em uso efetivamente no mercado. Logo, a solução
de Miranda chegou até a implementação do protótipo. Para
Baranauskas, este trabalho é extremamente importante sobretudo
no contexto brasileiro, onde de fato a promessa da TV digital
interativa pode ser o recurso de escolha para que as pessoas
tenham acesso ao conhecimento via interação com o conteúdo
digital de forma geral.
Esse trabalho também mostrou-se inovador, salienta a professora,
pela sua tendência na área de interação e de interface que
é a ubiquidade, que busca diminuir as distâncias daquilo
que é natural nas ações das pessoas com os sistemas. “Parece
ser mais natural fazer gestos para as funções liga ou desliga
do que localizar e usar botões num controle remoto”, diz.
Foi o que propôs o trabalho de Miranda, que fez o mestrado
em Informática na UFRJ.