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As
vozes famosas da Era do Rádio produziram muitos fãs quando
transmitidas apenas por ondas médias. Mas ao surgirem as empresas
de cinema, artistas como Carmen Miranda, Francisco Alves,
Emilinha Borba puderam, finalmente, ser vistos atuando em
produções cinematográficas. A Companhia Atlântida Cinematográfica
foi umas das responsáveis por tornar conhecidos os donos das
vozes que dominavam o mercado fonográfico brasileiro e que
até então só eram vistos em imagens estáticas nas revistas
da época. Em dissertação de mestrado apresentada no programa
de pós-graduação em música do Instituto de Artes da Unicamp,
a musicista Sandra Cristina Novais Ciocci fez um levantamento
no acervo da companhia para analisar a maneira como a música
foi utilizada desde os primeiros filmes e também as mudanças
ocorridas durante as duas décadas que a empresa levou para
produzir 66 filmes de longa-metragem.
Num modelo típico de musicais
“hollywoodianos”, os músicos entravam para divulgar as peças
que compunham ou interpretavam. De acordo com a pesquisadora,
as pessoas passaram a ir ao cinema para ver os ídolos da música.
Em contrapartida, as imagens dos artistas eram usadas para
divulgar os filmes.
O modelo não foi criado pela
Atlântida, ele já era executado pela Cinédia, anterior à empresa,
mas enquanto nesta companhia eram colocadas, em média, 22
canções, nos filmes da Atlântida o número era reduzido para
13, nos musicais carnavalescos, e a narrativa recebia assim
um espaço maior, de acordo com a pesquisadora. Os roteiros
brasileiros, então, passam a dar lugar ao romance entre a
mocinha e o mocinho e as armações do vilão. “A Atlântida optou
por um modelo que agradaria ao público. Na Cinédia, são cenas
muito curtas entre um número e outro. É uma sucessão de números”,
informa o orientador da dissertação, Claudiney Rodrigues Carrasco.
Embora inspirados nas produções
norte-americanas, os musicais da Atlântida saíram à brasileira,
recebendo influência do teatro de revista, do circo e do carnaval.
São essas características brasileiras que os diferem do cinema
norte-americano. A pesquisadora explica que, devido à diferença
do espaço de gravações, as formações musicais dos grupos que
se apresentavam também eram menores que as norte-americanas,
formada por grandes orquestras. “Em alguns momentos, eles
saíam da formação orquestral e iam para os regionais, acordeão,
violão, que eram instrumentos não muito utilizados no cinema
americano”, acrescenta Sandra.
O gênero inspirador, teatro
de revista, acontecia em grandes cidades, que já tinham suas
salas adequadas, mas em municípios menores, os shows aconteciam
no espaço do circo-teatro. “A maioria das pessoas que entrevistei
fazia show em circo na época. Então, metade era arte circense
e a outra, show de artistas do rádio”, acentua Sandra. Um
bom exemplo, segundo a musicista, é Oscarito, oriundo de família
circense, espanhola, que levou todo seu humor para o cinema,
e anos depois, o modelo foi levado para a televisão. Outra
menção é feita a Alvarenga e Ranchinho, presentes em outros
números da Atlântida, com piadas e música com humor. “Eles
tinham o mesmo modelo ou até o mesmo quadro no circo”, informa
Sandra.
Além
de Emilinha Borba, Adelaide Chiozzo, Ivon Curi, Francisco
Carlos, entre outros nomes da música, a Atlântida mantinha
um cast de galãs, como Anselmo Duarte, por exemplo. Mas outra
característica brasileira era que quem protagonizava o filme
não era o galã, mas sim um ator com tendências para o humor,
como Oscarito e Grande Otelo. Sandra explica que a presença
da comédia, herdada do teatro de revista e do circo, é predominante
nos filmes assistidos por ela. “Então, o mocinho está ali
como coadjuvante. No Brasil, o Oscarito toma o lugar de protagonista”,
acrescenta.
Como acontece até em produções atuais, o cinema brasileiro
já mostrava preferência pela canção em sua trilha sonora.
Mas instrumentistas como Radamés Gnattali, Alexandre Gnattali,
Lírio Paricali, Léo Perachi e Lindolfo Gaia também marcaram
presença nas produções da Atlântida. “Como se aproximavam
do musical americano, a música instrumental era importante
em cenas com diálogos, o que chamavam de música incidental”.
O olhar de musicista e pesquisadora
lançado para os 43 filmes assistidos, locados na Cinemateca
de São Paulo, permitiu identificar muitos artistas brasileiros.
Segundo a pesquisadora, havia uma grande confusão com relação
às fontes bibliográficas a respeito dos filmes da Atlântida.
Um filme chamado Tristezas não paga dívidas tinha como autor
da trilha Assis Valente, quando, na verdade, a autoria deveria
ser de Guerra-Peixe. Assis fez uma canção para o filme, segundo
Sandra. Tom Jobim também teria feito arranjo para um filme
no qual a ficha técnica nem cita seu nome. “Em entrevista,
o próprio diretor, Carlos Manga, declarou que um menino teria
feito arranjos de canções para seu filme, e seu nome era Antônio
e agora é Tom Jobim”, exemplifica.
Ao vasculhar o acervo da cinemateca
e assistir aos filmes, Sandra deparou com o desencontro de
informações entre a literatura já publicada e o conteúdo das
obras. Uma delas refere-se à formação da dupla entre Grande
Otelo e Oscarito no filme Tristezas não pagam dívidas da companhia.
“Eles não atuaram juntos. Grande Otelo era coadjuvante e fez
apenas uma ponta no filme, como dono de uma gafieira”, conta.
Além da imprecisão nas informações,
Sandra teve de ampliar o objetivo da pesquisa, pois, ao chegar
na Atlântida e pedir a ficha técnica de determinados filmes,
foi surpreendida com a pergunta: Se você fizer uma, dá uma
cópia para nós? Diante disso, constatou que seu mapeamento
só seria possível se ela mesma começasse a catalogação do
acervo e até mesmo o resgate dos títulos de um total de 66
produzidos pela Atlântida. “Não era meu objetivo principal,
mas acabou virando, pois esse material estava muito espalhado,
não estava concentrado no mesmo lugar. Achei necessário catalogar,
senão não poderia estudar o que era ou não regra”, explica
Sandra.
Dos 11 primeiros filmes, existem
apenas três, pois os oito restantes queimaram em incêndio
em 1952. Sandra acrescenta que não havia muitas cópias, pois
na época ficava muito caro reproduzir. “A memória brasileira
é muito malcuidada em todos os níveis, mas nessa área ainda
tem muito a ser feito. Muitos filmes perderam-se em incêndio,
enchentes e má conservação. Sobreviveram os que estavam fora
da Atlântida, em salas de exibição”, informa Carrasco.
Ao receber o acervo comprado
pelo Ministério da Cultura, a Cinemateca Brasileira convidou
a pesquisadora para fazer a identificação das fotografias.
Durante um semestre, Sandra dedicou-se à catalogação. Ao final
do mestrado, o número tinha ampliado de 13 para 43 títulos.
“E ainda estão chegando filmes, porque desde que o Ministério
da Cultura divulgou a compra, estão aparecendo colecionadores
querendo vender os filmes da Atlântida”, informa a pesquisadora.
Dos cinejornais a
campeões de bilheteria
Ano de 1941. Abrem-se
as portas para a produção em escala industrial de filmes
brasileiros. Os irmãos Paulo e José Carlos Burle juntam-se
ao empresário Moacyr Fenelon para fundar a Atlântida, que,
de 1941 a 1962, atuou nas áreas de criação, produção e distribuição
de filmes nacionais. Essas características garantiram ao
cinema brasileiro uma projeção anteriormente dada somente
aos filmes norte-americanos.
Apostando em cinejornais
no início da trajetória, os empresários tiveram uma despesa
muito grande no começo. As modificações foram sendo viabilizadas
pela compra de equipamentos. Segundo Sandra, a empresa teve
quatro fases muito diferentes. Uma que quando tinha música,
não tinha diálogo e quando entrava a voz tinham de cortar
a música a seco. Depois, eles têm mais três compras de equipamento.
Na primeira, fazem adaptação de material encontrado no Brasil,
de médio porte. Depois, começam a investir em equipamentos
de primeira linha. Neste momento, perto da década de 1960,
a Atlântida faz seus últimos filmes com Carlos Manga, e
o número de canções cai para uma média de cinco por filme.
De acordo com Carrasco,
nesta última fase, Manga aproxima ainda mais a produção
brasileira da americana. “Tem muitas convenções que ele
traz do musical e vai tentar aproximar. Esta é a fase mais
parecida em termos de modelo norte-americano”, relata.
Durante todo esse
período, a Atlântida garantiu lotação em sessões de filmes
nacionais nos cinemas por oferecer, na opinião de Carrasco,
além de tudo, a distribuição, pois tinham suas próprias
salas, garantidas pela parceria com o empresário Severiano
Ribeiro. Segundo a pesquisadora, o produtor de família cearense
já tinha as salas de exibição no Nordeste e este foi um
dos atrativos pela parceria com os fundadores da empresa.
Até hoje a marca São Luís atua na área de exibição de filmes,
hoje cinemas Kinoplex. “Ele começou a exibir os filmes no
Nordeste”, informa Sandra.
Segundo Sandra, entre
as produções de grande bilheteria, tiveram Nem Sansão nem
Dalila, com 10 milhões de espectadores; Matar ou correr,
paródia do Matar ou Morrer americano; e Aviso aos navegantes.
“Eles tiveram bastante sucesso, mas por causa do aumento
do número de salas no Brasil, garantido por Severiano Ribeiro”,
informa Sandra.
Depois de 1962, mesmo
não produzindo, a Atlântida continua atuando como empresa
de finalização de filmes, inclusive de produções do Cinema
Novo. Questões tecnológicas e ideológicas influenciaram
a decadência da companhia. Uma delas foi a chegada da televisão,
que começa a tomar o lugar do cinema e que também leva a
chanchada, o teatro de revista e, com isso, os cantores
do rádio para sua tela. Por outro lado, o Cinema Novo surge
com outra proposta para a cinematografia, longe de interesses
comerciais, com componentes artísticos, mas também com perfil
ideológico forte – modelo cada vez mais distanciado do norte-americano,
com experiências mais próximas do neo-realismo italiano
de Vittorio De Sica e da nouvelle vague francesa.
O modelo anterior,
o da Atlântida, foi levado para a televisão, segundo declarações
de Manga. O diretor dizia que os primeiros programas do
Chico Anísio Show teriam sido inspirados na Atlântida. “Como
era um modelo comercial, ele tinha como pretensão divulgar
canção também. Eles passam para a televisão, que começa
a ser um ponto mais forte de venda que o cinema para a época,
mas eles resistem, eles vão até 1962, que já é bastante
tempo depois da televisão”, relata Sandra.
Mesmo em fase de resistência,
a Atlântida, de acordo com a pesquisadora, ainda consegue
segurar seu público. O Homem de Sputnik, estrelado por Norma
Bengell, em 1959, tem bilheteria de 15 milhões de espectadores
no Brasil, um quarto da população.
Hoje, a Rua México
ainda abriga a Atlântida Cinematográfica, dos herdeiros
de Severiano Ribeiro. Este é o endereço que substituiu o
edifício incendiado. Antes de migrar para a Cinemateca,
era este o endereço que abrigava todo o acervo restante
das 66 produções da Atlântida.
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Publicação
Dissertação “Assim era a música na Atlântida:
a trilha musical do cinema popular brasileiro no exemplo
da Companhia Atlântida Cinematográfica 1942/1962”
Autora: Sandra Cristina Novais Ciocci
Orientador: Claudiney Carrasco
Unidade: Instituto de Artes (IA)
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