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Mercado e ideologia repaginam postais
Estudo do IG revela estratégias da Embratur em campanhas publicitárias

A sensualidade deixou de ser o cartão-postal do Brasil para países estrangeiros, porém, apesar do avanço em conseguir romper com essa imagem consolidada, quebrando o estereótipo, os novos cartões-postais ainda apresentam uma realidade distorcida dos destinos turísticos divulgados. Dentro da teoria da ideologia espacial, o doutor em geografia Marcelo Sotratti constatou que o Plano Aquarela, coordenado pela Embratur, investe em imagens que atendem mais a uma necessidade do mercado que a própria divulgação da diversidade brasileira. A escolha pelas paisagens, na opinião de Sotratti, atende a interesses econômicos e políticos. “É uma forma de produzir ideologias por trás das imagens divulgadas”, afirma.

Por meio da análise crítica dos conteúdos simbólicos textuais e imagéticos das peças publicitárias desenvolvidas pela Embratur, na gestão Lula, durante os anos de 2005 a 2010, Sotratti identificou os processos ideológicos que permeiam a produção e a promoção turística de cidades dotadas de patrimônio cultural. Ao todo, foram analisadas 1.450 imagens presentes nas ações promocionais da entidade voltadas aos turistas, parte das campanhas publicitárias e parte do banco de dados disponível para consulta no Portal Brasileiro de Turismo, alimentado pela própria autarquia.

Para ele, as paisagens, por serem dotadas de representações e conteúdos simbólicos diversos, assumem importância vital na promoção turística do patrimônio cultural, já que suas imagens alimentam o imaginário turístico e as posicionam de forma seletiva no espaço da cidade. A seletividade imaginária, permeada por processos ideológicos de natureza econômica e política, segundo o pesquisador, incentivam a produção turística dos espaços patrimonializados, criando espacialidades fragmentadas e desconectadas do contexto urbano.

Sotratti pautou-se na análise de três campanhas promocionais do Plano Aquarela voltadas diretamente ao público final por demonstrarem claramente a ideologia espacial que envolve as práticas sociais e sua importância na formação de um imaginário coletivo do turismo na valorização dos lugares e paisagens. De acordo com as diretrizes do Plano Aquarela, as campanhas deveriam ser veiculadas exclusivamente no exterior, em particular nos países emissivos prioritários designados pelas estratégias do plano. Também deveriam se concentrar nos públicos de renda média e alta, de forma a possibilitar um maior impacto da atividade turística na geração de receitas para o Brasil.

De acordo com o pesquisador, em todas as campanhas analisadas, foi observada uma orientação simbólica clara em relação à formação de uma imagem brasileira apoiada na diversidade cultural e ambiental. “Foi uma forma de substituir os estereótipos do Brasil como terra do samba, do carnaval e do futebol”, pontua.

A primeira campanha analisada por ele foi a “Brasil. Vire Fã”, realizada em três importantes mercados emissores de turistas para o Brasil: a América do Sul, a América do Norte e a Europa. As propagandas veiculadas buscaram uma forma de colocar o turista como peça publicitária. Segundo Sotratti, a estratégia comunicacional utilizada nesses países teve como objetivo apresentar a diversidade ambiental e cultural da oferta turística brasileira de forma a estimular o Brasil como destino turístico internacional e fixar a marca Brasil no imaginário do turista estrangeiro, além de possibilitar a criação de novos produtos brasileiros por parte dos canais de distribuição localizados em tais países.

A mensagem publicitária implícita nesta campanha buscava a fidelização dos turistas que já estiveram no Brasil outras vezes, projetando ainda uma imagem de país desejável, familiar, seguro e diversificado. Em uma de suas fases, a “Brasil. Vire Fã” teve como protagonistas turistas estrangeiros que estiveram no Brasil, inserindo-os nas peças publicitárias com seus rostos pintados como observamos comumente nos grandes eventos esportivos mundiais. Na fase da campanha turística brasileira, as cores que compõem os rostos dos turistas estrangeiros estão presentes na Marca Brasil e representam simbolicamente elementos brasileiros correlacionados pelos turistas estrangeiros, como o azul (céu e água), vermelho (festas populares), amarelo (sol e luminosidade), verde (florestas) e branco (religiosidade).

Diante das imagens publicadas no site da Embratur, principal objeto de estudo da tese, Sotratti percebeu que existem contradições entre a prática e o discurso que a Embratur utiliza. Eles promovem um Brasil diferente da diversidade cultural e ambiental. Dentro do plano de marketing baseado na diversidade, os destinos mais escolhidos pela empresa são os mesmos divulgados há mais de 30 anos: Salvador e Rio de Janeiro. Segundo Sotratti, porque é mais seguro trabalhar com um cartão-postal já conhecido. Apesar de ser uma campanha para mudar a imagem do Brasil lá fora, principalmente a imagem divulgada pela mídia internacional, a Embratur continua a focar o carnaval e o réveillon carioca e baiano, principalmente. “Eles até demonstram querer divulgar o Brasil da diversidade, mas o mercado acaba tendo um discurso maior” enfatiza.

Intitulada “Brasil. Sensacional!”, a segunda campanha da autarquia teve como objetivo promover a diversidade cultural e ambiental brasileira a partir da conjugação de imagens de dois destinos diferentes associados aos segmentos prioritários do Plano Aquarela, a saber, sol & praia. Segundo informações presentes no site do Ministério do Turismo, o conceito “Sensacional”, evidente na campanha, faz referência direta à mensagem global presente na Marca Brasil e ainda reforça as constatações do Plano Aquarela que apontam que 85,4% dos turistas estrangeiros tiveram suas expectativas superadas e 94% recomendariam o Brasil como destino turístico. Por poucos pontos, a Embratur conseguiria atingir a meta estabelecida ao criar o Plano Aquarela, não fosse a crise internacional de 2009, que atingiu também a área de turismo.

A terceira aposta foi o aprimoramento do site, voltado para atrair turistas pela internet. De acordo com o pesquisador, um estudo feito pela Embratur com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe – apontou que 27,6% dos turistas estrangeiros que vieram para o Brasil em 2008 utilizaram a internet como principal fonte de informação para a viagem. Nesse sentido, a autarquia investe 30% de sua verba em publicidade em estratégias on-line, segundo informações do site do Ministério do Turismo, e ainda está presente em redes de relacionamento como Facebook, Twitter e Hi5.

Uma nova forma de promoção de um Brasil moderno e atraente pode também ser observada na frequente utilização de imagens do patrimônio cultural refuncionalizado no portal da Embratur, segundo o pesquisador. Restauram e transformam shopping centers. Os caminhos coloridos como os de Barcelona também estão entre os investimentos que viraram moda, na opinião de Sotratti. “Usam deste artifício para se comparar a grandes destinos”, esclarece.

Apesar da maquiagem, a proibição da venda do Brasil do sexo acabou tendo um efeito benéfico para melhorar a imagem no exterior, atingindo até mesmo as agências internacionais, que podem ser multadas se insistirem na circulação desse tipo de imagem. A aposta por uma ação comercial favoreceu a vinda de turistas internacionais ao Brasil.

Incoerência

De acordo com Sotratti, os cartões-postais servem para analisar a forma como o governo interpreta as diversidades. E a primeira incoerência, na sua opinião, está na escolha das imagens, a partir do momento que a Embratur restringe-se a grandes monumentos – casarões, igrejas – por uma necessidade de se comparar ao patrimônio cultural europeu, quando na verdade o Brasil que o turista procura está no patrimônio imaterial, formado por festas, gastronomia e manifestações culturais.

Além disso, o pesquisador observou uma preocupação maior em mostrar a estética da fotografia do que divulgar o destino. As imagens são velhas conhecidas, entre elas o Pelourinho, na Bahia. Na foto, tudo fica mais bonito. Já que o imaterial não é protagonista, ganha então a monumentalidade, em que as edificações são representadas sem a presença das pessoas que passam o dia todo diante delas. Nas fotos de monumentos, as pessoas são tiradas da rua para que a imagem possa ilustrar o site.

Sotratti chama para debate a questão mais séria deste tipo de marketing, que é a idealização social nos espaços de patrimônio. Imagens de pessoas vendendo fitinhas do Bonfim, que, na verdade, são moradores de rua e viciados em drogas. “Esta é uma interpretação equivocada de processo de exclusão social dessas áreas”, questiona. Outro equívoco são os pintores que colocam suas obras nas calçadas, pois, no dia a dia, eles são expulsos e há conflito entre eles e as galerias de arte. A baiana do acarajé, na opinião de Sotratti, parece onipresente, mas, na verdade, são dezenas de mulheres de negócio.

O plano, segundo Sotratti, teve como objetivo profissionalizar o turismo no Brasil e equiparar os grandes destinos internacionais a vários destinos. “Isso traz dinheiro para agências e grandes operadoras”, afirma. Mas esse processo de profissionalização pode não gerar desenvolvimento pessoal e territorial quando a população local não é inserida, na opinião de Sotratti. “Em termos de distribuição de renda, não foi a melhor forma de agir, pois a população não se insere”, contesta o pesquisador. De acordo com ele, não houve preocupação em capacitar a população para atuar na área.

A tese contribui para a expansão do universo da geografia, pois o turismo é um processo que permeia a distribuição do espaço. O estudo propicia condições de analisar de forma complexa e ampla questões associadas à geografia, à semiótica e à antropologia. “Analisar a importância e o significado das paisagens dotadas de patrimônio cultural por meio de imagens empregadas na promoção turística internacional amplia a discussão sobre o papel do turismo no processo de proteção e refuncionalização de áreas patrimonializadas”, conclui.

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Artigo
SOTRATTI, M. A. . A Requalificação Urbana e a Mercantilização do Patrimônio Cultural: o caso do Centro Histórico de Salvador - Pelourinho. In: PAES, M.T.D.; OLIVEIRA, M.R.S.. (Org.). Geografia, Turismo e Patrimônio Cultural. 1a. ed. São Paulo: AnnaBlume, 2009, v. , p. 139-154.

Tese “Imagem e patrimônio cultural: as ideologias espaciais da promoção turística internacional do Brasil – Embratur 2003-2010”
Autor: Marcelo Sotratti
Orientadora: Maria Tereza Duarte Paes
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
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