Dentro de poucos anos, os brasileiros terão à sua disposição uma vacina de segunda geração contra a coqueluche, desenvolvida pelo Instituto Butantan. O produto, tão eficaz quanto o utilizado atualmente, apresenta a vantagem de causar menos efeitos colaterais em comparação com seu futuro antecessor, principalmente febres. Os testes clínicos de imunogenicidade e segurança da nova vacina acabam de ser concluídos por uma equipe de pesquisadores do Centro de Investigação em Pediatria (Ciped), vinculado à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. De acordo com a coordenadora do trabalho, a pediatra e imunologista Maria Marluce dos Santos Vilela, os ensaios realizados com a participação de crianças atendidas nas unidades básicas de saúde de Campinas comprovaram a qualidade do imunizante.
A parceria entre o Ciped e o Butantan foi firmada em 2002, finalizando a procura do instituto por um parceiro capaz e disposto a realizar os testes clínicos em crianças. A vacina de segunda geração, explica a pediatra, apresenta uma diferença fundamental em relação à original. Os pesquisadores do Butantan aproveitaram a mesma bactéria inativada (Bordetella pertussis), mas retiraram dela o lipopolissacarídeo da membrana (LPS), parte que, segundo acreditavam, causaria os efeitos deletérios mais graves. Coube aos cientistas da Universidade constatar se a premissa estava correta.
Para conseguir realizar os testes em um grupo de 250 crianças, o Ciped contou com a colaboração da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, que colocou à disposição dos pesquisadores tanto as unidades básicas de saúde, quanto os profissionais que nelas atuam. “Eu diria que essa estratégia foi fundamental para o sucesso do trabalho. Graças ao auxílio dos profissionais da rede, nós não apenas conseguimos fazer o convite às mães para que seus filhos participassem da pesquisa, como tivemos condições de aplicar as três doses da vacina [aos dois, quatro e seis meses de idade] e fazer todo o acompanhamento dos bebês praticamente sem contratempos. E tudo isso sem alterar a rotina das famílias ou dos centros de saúde”, destaca a enfermeira Emilia Carniel, que coordenou os trabalhos de campo.
Um mês após a aplicação da última dose da nova vacina, os pesquisadores do Ciped coletaram sangue das crianças para análise. De acordo com a professora Marluce, as amostras revelaram tanto a presença de anticorpos contra a coqueluche quanto de células de memória para o imunizante. “Isso significa que o produto é de fato eficaz”, atesta. “Além disso, durante o monitoramento que fizemos dos bebês, registramos a segurança da vacina”, acrescenta a enfermeira Emília. A mestranda Tatiane Queiroz Zorzetto e o pesquisador Marcos Nolasco da Silva foram os responsáveis pelos experimentos laboratoriais. Já o pediatra André Moreno Morcillo promoveu a análise estatística dos resultados
Normalmente, esclarece a professora Marluce, a aplicação da vacina da coqueluche é feita em conjunto com outras quatro [tétano, difteria, hepatite B e Haemophilus influenzae do tipo B], configurando o que os especialistas classificam de imunização pentavalente. Tal procedimento é adotado não somente para reduzir os custos operacionais, dado que dispensa a realização de inúmeras campanhas, mas também para evitar que a população se esqueça de tomar uma ou outra dose. “Dessa forma, antes de ser disponibilizada para a população, a nova vacina contra a coqueluche terá que ser testada em associação com as outras quatro, para ver se não interfere no comportamento das demais. Provavelmente ainda este ano nós vamos iniciar testes nesse sentido. Mas como a nova vacina é uma versão melhorada da que usamos atualmente, é muito provável que ela não traga qualquer problema”, prevê a pesquisadora do Ciped.
Autonomia amplia cardápio de opções
O desenvolvimento de vacinas por parte de instituições públicas brasileiras, como o Instituto Butantan, é fundamental ao país, pois reduz a sua dependência da tecnologia estrangeira e possibilita a sustentabilidade do programa de imunização. De acordo com a pesquisadora do Centro de Investigação em Pediatria (Ciped), a pediatra e imunologista Maria Marluce dos Santos Vilela, essa autonomia também contribui para proporcionar à população novas opções em imunizantes. A cientista lembra que a vacina de primeira geração contra a coqueluche surgiu em 1940. Dependendo do laboratório onde é produzida, a vacina celular de pertussis (que usa a bactéria inteira atenuada) pode ocasionar maior ou menor freqüência de efeitos deletérios.
Conforme a docente, existem aproximadamente 300 variantes de bactérias causadoras da coqueluche. As vacinas são normalmente produzidas a partir da seleção de um desses microorganismos. Nesse caso, a bactéria é atenuada e usada integralmente ou em parte. O produto fabricado no Brasil emprega a bactéria inteira inativada. Alguns países, no entanto, produzem a vacina acelular, que é constituída apenas por três ou cinco proteínas da Bordetella. “Esta, além de ser muito cara, ainda não é considerada totalmente eficaz”, assinala a professora Marluce.
No Brasil, a vacina celular total produzida pelo Instituto Butantan é adotada desde a década de 70 com excelentes resultados. A grande redução na incidência da doença é a principal medida do impacto do sistema de imunização. Entretanto, o imunizante de segunda geração desenvolvido pelo Butantan promete ser ainda melhor que o atual. A professora Marluce destaca que os pesquisadores do instituto foram muito felizes tanto na escolha da variante da Bordetella pertussis quanto na detoxificação pela extração do LPS da bactéria, que é responsável pela provocação dos efeitos adversos.
“Como se não bastasse, o tratamento para extração do LPS da bactéria gera um subproduto com forte propriedade adjuvante”, acrescenta. Essa substância, que tem custo muito elevado, é normalmente usada para reforçar a ação das vacinas. “Ou seja, graças a esse trabalho, o Brasil também poderá economizar com a importação de adjuvantes”, comemora a professora Marluce. As pesquisas em parceria com o Instituto Butantan contribuíram para o desenvolvimento de trabalhos de mestrado e doutorado, além da publicação de artigos científicos em periódico especializado.
Infecciosa, doença ataca o aparelho respiratório
Popularmente conhecida como tosse comprida, a coqueluche é uma doença infecciosa aguda, causada pela bactéria Bordetella pertussis, sendo mais perigosa nas crianças antes dos 2 anos de idade. Estimativas do ano 2000 apontam para a ocorrência de 39 milhões de casos e 297 mil óbitos no mundo devido à coqueluche. Ela ataca o aparelho respiratório (traquéia, brônquios e bronquíolos) e se manifesta por acessos violentos de tosse, respiração ruidosa, expectoração e vômitos. Ocasionalmente, podem ocorrer algumas complicações, como hemorragias nasais e das conjuntivas. Os quadros mais graves, embora não sejam comuns, podem levar à morte. A transmissão é direta, através de gotículas expelidas durante a tosse. A eliminação dos microorganismos é mais comum no período catarral, compreendido pelas duas primeiras semanas. A melhor prevenção contra a coqueluche é a vacina, que deve ser aplicada a partir do segundo mês de vida da criança. Em geral, são feitas três aplicações, com intervalos de dois meses (aos 2, 4 e 6 meses de idade), além de doses de reforço aos 15 meses e aos quatro anos.