Desde 1996, a professora Dagmar Ruth Stach-Machado coordena pesquisas visando produzir anticorpos policlonais e monoclonais, e estabelecer testes para diagnósticos de doenças em plantas como citros, batata e soja, no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. A docente e seus orientados trabalham na expectativa de ajudar a suprir a demanda de anticorpos no Brasil, que é totalmente dependente da importação destes insumos.
“Muitas doenças podem induzir sintomas comuns ou muito semelhantes como folhas amareladas ou distorcidas. Podemos fazer uma comparação com a febre nos humanos, que é um sintoma geral mas não permite identificar a doença de imediato. Temos que fazer exames mais precisos para diagnosticá-la”, exemplifica Dagmar Stach-Machado, que responde pelo Laboratório de Imunologia Aplicada do IB.
A purificação de um antígeno (o agente infeccioso, que pode ser vírus, bactéria ou fungo) é o primeiro e mais trabalhoso passo nesta linha de pesquisa. Segundo a professora, normalmente, o grau de pureza exigido implica trabalho em nível de mestrado ou doutorado. “Este antígeno é inoculado em um animal de laboratório (coelhos, ratos, camundongos), que vai reagir ao corpo estranho produzindo uma proteína de defesa, o anticorpo”.
Na fase seguinte, acrescenta a pesquisadora, após a obtenção do antisoro e sua purificação, o mesmo é testado para estabelecimento do diagnóstico. “Testado inicialmente em ensaios imunoenzimáticos como o Elisa, podemos verificar a sua especificidade e a sensibilidade de detecção – isto é, se o soro obtido é específico para aquele determinado antígeno ou não, se apresenta reação cruzada a outros patógenos, por exemplo”.
Dagmar Stach-Machado explica que a obtenção de anticorpos específicos para o reconhecimento de determinados patógenos exige a purificação ou isolamento deste patógeno. E, como regra geral, ele deve ser o mais puro possível, isto é, livre de outros contaminantes, como proteínas da própria planta. “Se o patógeno estiver contaminado com outras partículas ou moléculas, o soro obtido poderá ser de baixa qualidade. Não raro, trabalhamos muito sem chegar ao que desejamos. É preciso paciência oriental”.
O que se persegue para o estabelecimento de imunodiagnóstico em plantas, portanto, são anticorpos policlonais e monoclonais, com elevada especificidade e sensibilidade para determinado patógeno; quanto mais específico for o anticorpo, mais preciso o resultado. A professora do IB informa ainda que o grupo, agora, procura associar os ensaios imunológicos com ensaios moleculares, como a Imuno-PCR, que potencializam a capacidade de detecção.
Doenças
No primeiro projeto financiado pela Finep, em 1996, a professora Dagmar Stach-Machado estabeleceu anticorpos policlonais e monoclonais para uma doença denominada vírus da tristeza dos citros (CTV), que praticamente dizimou os pomares paulistas na década de 1940. Tendo como maior vetor o pulgão preto dos citros (Toxoptera citricida), o vírus da tristeza infecta praticamente todas as espécies de citros. “Nossos anticorpos não estão à venda, mas são amplamente utilizados na comunidade científica. “
A mencionada associação com os ensaios moleculares envolveu o “amarelinho”, ou clorose variegada dos citros (CVC), doença causada pela bactéria Xylella fastidiosa e que atinge todas as variedades de citros comerciais. A bactéria provoca o entupimento dos vasos responsáveis por levar água e nutrientes da raiz para a copa da planta e a perda de peso do fruto chega a 75%.
No último projeto financiado pela Finep, iniciado em 2005 e cujo relatório final será entregue em dezembro próximo, o grupo do IB promete estabelecer um imunodiagnóstico para a morte súbita dos citros (MSC), que também representa uma ameaça potencial para a citricultura paulista e nacional. Ela afeta todas as variedades comerciais de laranja doce, tangerinas e ponkans.
Dagmar Stach-Machado coordenou neste mesmo projeto as pesquisas para obtenção de anticorpos monoclonais que permitem a diferenciação das principais estirpes do vírus Y da batata (PVY). “É um problema sério, uma vez que a nossa bataticultura é totalmente dependente da importação da batata-semente, que representa uma parcela considerável do custo de produção. No Brasil, as doenças causadas por vírus constituem-se numa das principais limitações ao incremento da produção e, nesta última década, sofremos perdas significativas devido ao aumento da incidência de viroses, provocadas principalmente pelo vírus Y”.
Atualmente, a análise de fitossanidade e a indexação viral da batata-semente destinada à multiplicação comercial no país são efetuadas através da combinação da utilização de plantas indicadoras e por testes sorológicos – que representam custos adicionais à cadeia produtiva, já que dependemos da importação.
Dependência
Assim, considerando a relevância do estabelecimento de testes de diagnóstico nacionais, a pesquisadora assegura que os anticorpos produzidos no Laboratório de Imunologia Aplicada do IB são de ótima qualidade e muito superiores aos importados, além de mais baratos. “A idéia é disponibilizar insumos nacionais, pois os utilizados atualmente apresentam baixa concentração, necessitando-se de grandes quantidades para alcançar resultados positivos. E produtores e pesquisadores ainda ficam sujeitos à cotação do dólar e às dificuldades burocráticas para importação”.
Dagmar Stach-Machado afirma que a Finep tem a preocupação de colocar estes soros no mercado, já havendo empresas interessadas em adquiri-los, o que ainda dependeria de testes em campo para ver sua funcionalidade se produzidos em escala. “Seria muito interessante nos tornarmos independentes em relação a muitos patógenos, mas construir esta ponte até o mercado ultrapassa a minha competência, não sei como fazê-lo”.
De acordo com a professora do IB, os soros produzidos por seu grupo são emprestados a pesquisadores da Embrapa e do IAC, sendo muito usados na rotina dos laboratórios. Ela informa que a Embrapa também produz anticorpos para uso próprio, sem comercializá-los. “Temos cooperado bastante com outros grupos, tanto que no ano passado produzimos cerca de trinta soros diferentes. Eles chegam com a proteína, nós desenvolvemos o anticorpo e entramos como co-autores no paper, que é a moeda de troca dos pesquisadores. Quanto mais conhecidos ficarmos, melhor”.
A ameaça do dragão amarelo
A professora Dagmar Ruth Stach-Machado ainda prepara o relatório final do projeto financiado pela Finep, mas já está colaborando com um projeto temático da Fapesp e com o quadro universal de pesquisadores do CNPq para enfrentamento do mais novo fantasma que assombra citricultores do mundo todo e particularmente do Brasil: é a doença do dragão amarelo – huanglongbing em chinês ou, para simplificar, greening. É de aflição o tom da propaganda no rádio, na televisão e em outdoors alertando os produtores sobre a ameaça.
Segundo a docente do IB, a doença surgiu na China (como a própria laranja), propagou-se pelo planeta e já causa estragos no Brasil. Pesquisadores mais temerosos vêem no greening um potencial para dizimar a citricultura brasileira. “Sou mais otimista, embora seja esperado um grande dano, já que o Brasil é o maior exportador mundial de suco de laranja. Sabe-se que é uma bactéria, que ninguém ainda conseguiu isolar. Estamos tentando produzir um anticorpo e concentrar sua quantidade, a fim de permitir todos os demais estudos de bactéria, uma vez que até o momento ela não é cultivável in vitro”.
Dagmar Stach-Machado ressalta que a pesquisa aplicada, como o desenvolvimento de anticorpos, é um trabalho muito menor diante do esforço mundial para conter a doença do dragão. A bactéria é a Candidatus liberibacter, transmitida por um inseto pequeno chamado Diaphorina citri, mas cuja parceria provoca a mudança na coloração das folhas da planta, o desfolhamento dos ramos e a redução do tamanho, deformação e queda dos frutos. A moléstia afeta praticamente todas as variedades de citros, como laranja, limão e tangerina.
De acordo com os dados da Fundecitrus, o greening chegou em 2003 ao Estado de São Paulo, que responde por 90% do fornecimento nacional de laranjas e por 55% da produção mundial de suco concentrado, empregando mais de 400 mil pessoas e contribuindo para a entrada anual de divisas da ordem de US$ 2 bilhões. Calcula-se que a doença já esteja em 120 municípios paulistas.
Contudo, a mesma Fundecitrus informa sobre estudos que, se de um lado indicam que a doença do dragão é capaz de tornar um pomar economicamente morto em apenas seis anos, por outro, mostra que a vigilância e o controle levam ao comprometimento de menos de 1% do pomar.