Fala-se
comumente em “sangue-grosso” para fazer referência a um
sintoma que afeta pessoas que apresentam, no sangue, quantidade
de glóbulos vermelhos acima do normal. A bióloga Bárbara
da Costa Reis Monte-Mór, do Centro de Hematologia e Hemoterapia
(Hemocentro) da Unicamp, investiga fatores responsáveis
por essa doença, chamada policitemia vera. O objetivo mais
amplo do seu estudo é descobrir mecanismos moleculares e
genéticos envolvidos em um grupo de doenças chamadas mieloproliferativas,
em que se inclui a policitemia vera, nas quais os pacientes
apresentam na medula óssea, onde se forma o sangue, proliferação
celular acima do observado em organismos sadios. Durante
as pesquisas que levaram à sua tese de doutorado, orientada
pelo professor Fernando Ferreira Costa, da Faculdade de
Ciências Medicas (FCM) da Unicamp, ela identificou um gene
relacionado à proliferação de glóbulos vermelhos.
No sangue são várias as linhagens de células
que podem sofrer desenvolvimento anormal: as vermelhas,
que transportam oxigênio; as brancas, que constituem o sistema
imunológico; e as plaquetas, que participam do processo
de coagulação. O desenvolvimento anormal de cada uma destas
linhagens origina males diversos. Entre as doenças mieloproliferativas
clássicas estão a policitemia vera, objeto do estudo, a
trombocitemia essencial, a mielofibrose primária e a leucemia
mieloide crônica.
Cada uma delas apresenta sintomas diferentes.
Na policitemia vera, o aumento das células vermelhas leva
a uma maior incidência de hemorragias e tromboses. Até recentemente
se conhecia pouco dos mecanismos envolvidos nessa doença.
Em 2005, um grupo francês e outros internacionais descobriram
uma mutação genética associada às doenças mieloproliferativas.
A descoberta foi possível quando se observou que cerca de
95% dos doentes com policitemia vera apresentavam uma mutação
no gene JAK2 e esta alteração também estava presente em
pacientes com trombocitemia essencial e mielofibrose primária.
Contudo, a descoberta levou a outra questão:
como uma mesma mutação pode levar a várias doenças? Bárbara
lembra que a descoberta e esse novo questionamento vieram
quando ela estava no meio de suas pesquisas, que se propunham
a comparar a expressão dos genes de pacientes com o de pessoas
sadias.
Segundo a pesquisadora, o objetivo do seu
doutorado era primeiramente descobrir fatores genéticos
que poderiam estar envolvidos no estabelecimento ou no desenvolvimento
da policitemia vera. “Quando se descobriu a mutação no JAK2,
procurei, entre os genes que estava investigando, aqueles
que poderiam estar relacionados com ela. Aí me detive no
gene JUNB que, como já tinha observado, era mais ativo ou
mais expresso em portadores da doença. Procurei verificar
no laboratório se de fato a presença da mutação levava ao
aumento de JUNB. Além disso, pelo que estudei, o gene JUNB
está implicado em um dos sintomas da doença, que é a proliferação
de células vermelhas”.
Nesse estudo ela trabalhou durante seis
meses com o grupo francês que descobriu a mutação no JAK2.
O trabalho feito em colaboração com esse grupo será publicado
pela revista Leukemia.
Embora os estudos se situem no âmbito da
pesquisa básica, Bárbara entende que eles permitem conhecer
melhor os mecanismos que causam as doenças e, à medida que
esse conhecimento se amplia, podem ajudar no seu diagnóstico
e tratamento.A pesquisadora lembra que hoje as terapias
são muito genéricas, pois ou se faz a sangria terapêutica,
um recurso que remonta à Idade Média, ou se utilizam agentes
citotóxicos, que não são específicos. O conhecimento pode
conduzir a terapias que permitam o bloqueio no ponto em
que a doença se inicia. Por isso, afirma a pesquisadora,
“quanto mais se detalha o processo que leva à doença, maiores
as chances de intervenções sem efeitos colaterais”.
Técnica é usada pela primeira vez