Pesquisadores do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp analisaram
durante oito anos os resultados de colesterol e de triglicérides
no sangue de aproximadamente 2 mil crianças e adolescentes
entre 2 e 19 anos atendidos no Ambulatório de Dislipidemias
e em ambulatórios especializados do HC, principalmente na
área de Pediatria. Este estudo retrospectivo de análise
clínico-laboratorial foi conduzido pela professora Eliana
Cotta de Faria, do Departamento de Patologia Clínica da
Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, com a colaboração
do patologista clínico Fábio Bernardi Dalpino e da pediatra
Raquel Takata.
O estudo encontrou altos índices de colesterol e triglicérides
nas crianças e adolescentes. Os dados surpreenderam até
mesmo os pesquisadores. Inéditos nessa faixa etária da população
brasileira, eles compõem o trabalho “Lípides e lipoproteínas
séricos em crianças e adolescentes ambulatoriais de um hospital
universitário público”, publicado recentemente na Revista
Paulista de Pediatria.
De acordo com a literatura mundial e brasileira especializadas,
o colesterol em crianças e adolescentes deve ser inferior
à 170mg/dL e os triglicérides menores que 100 mg/dL. Para
as análises estatísticas do perfil lipídico dessa faixa
etária, os pesquisadores da Unicamp adotaram valores de
corte internacionais, nacionais e os recomendados pelo médico
e pesquisador norte-americano Kwiterovich, estudioso das
dislipidemias na infância. Os resultados encontrados pelos
pesquisadores do
Ambulatório de Dislipidemias do HC nas medidas analisadas
de lipoproteínas do LDL-colesterol (considerado “ruim”)
do HDL-colesterol (tido como “bom”) e dos triglicérides
foram muito alterados, tanto em meninas quanto em meninos.
Das crianças entre 2 e 9 anos, 44% apresentaram valores
alterados para o colesterol total, 36% para o LDL-colesterol
e 56% para os triglicérides. Entre os adolescentes de 10
e 19 anos, 44% apresentaram alterações para o colesterol
total, 36% para o LDL-colesterol e 50% para os triglicérides.
A pesquisa também indicou que houve uma redução de HDL-colesterol
em 44% das crianças e em 49% dos adolescentes.
Outros dados analisados neste estudo indicaram que aproximadamente
34% das crianças e adolescentes tinham hipercolesterolemia
combinada com hipertrigliceridemia; 15% das crianças e 20%
dos adolescentes tinham hipercolesterolemia combinada com
hipoalfalipoproteinemia (diminuição do HDL-colesterol);
e, na média, 30% tinham hipertrigliceridemia combinada com
hipoalfalipoproteinemia.
Segundo a pesquisadora, no Brasil, até o momento, não há
estudos com uma grande amostra de crianças e adolescentes
ambulatoriais. Houve interesse em explorar os indivíduos
atendidos no Hospital de Clínicas da Unicamp por ele abranger
uma região com cerca de cinco milhões de pessoas. “Os dados
encontrados, portanto, refletem a situação da população
desta região do país”, explicou a médica e pesquisadora
Eliana Cotta de Faria.
“Os resultados obtidos direcionam a ação para uma abordagem
também preventiva. Na medida em que retratamos a realidade
das crianças e adolescentes atendidos do HC, nós devemos
programar medidas de intervenção nessas faixas etárias para
o diagnóstico precoce e correto das suas causas e seu respectivo
tratamento. Assim, podemos retardar a progressão da aterosclerose
e de suas complicações, principalmente cardiovasculares,
além de evitarmos, também, a pancreatite aguda, causada
pelo aumento de triglicérides”, explicou Eliana.
De acordo com a docente, algumas dislipidemias têm causas
genéticas. Entretanto, a maioria delas são causadas por
concentrações alteradas de lipídios e lipoproteínas, partículas
que carregam as gorduras circulantes no sangue. As dislipidemias
se caracterizam pelo aumento do colesterol e dos triglicérides
em algumas dessas lipoproteínas. As lipoproteínas mais conhecidas
são a VLDL, LDL e HDL. A VLDL é uma lipoproteína responsável
por transportar os triglicérides. A LDL é a principal lipoproteína
responsável por transportador o colesterol para os tecidos.
Ela é importante para o organismo por ser precursora de
hormônios, vitaminas e sais biliares. O colesterol da LDL,
na forma natural de sua molécula, não é prejudicial à saúde.
Porém, se ele for oxidado pelo organismo ou agentes externos,
como as frituras, pode se depositar na parede das artérias,
favorecendo o aparecimento de doenças cardiovasculares.
Essa oxidação, ou mudança química da molécula, pode ser
induzida também pelo tabagismo, estresse, infecções e pelo
consumo de alimentos.
A HDL é a lipoproteína “lixeira”, que retira todo o excesso
de colesterol das membranas das células, levando-o ao fígado
para excreção. O colesterol é excretado pela bile. Quando
a LDL está em excesso, oxida-se e é captada de maneira não
controlada por outros receptores não regulados pelo colesterol,
acumulando-se progressivamente nas células. O desequilíbrio
nesse mecanismo é um dos principais fatores de risco para
a aterosclerose.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define aterosclerose
como o espessamento das artérias pelo acúmulo de gorduras,
carboidratos complexos, componentes do sangue, células e
material intercelular.
De acordo com a pesquisadora, a aterosclerose começa na
vida intra-uterina e se manifesta, clinicamente, por meio
de angina, infarto agudo do miocárdio, derrames cerebrais
e aneurismas na vida adulta, por volta dos 45 anos nos homens
e 55 anos nas mulheres.
“Os fatores de risco para a aterosclerose são inúmeros.
As dislipidemias são fatores de importância primordial e,
quanto mais cedo se corrigir esta alteração, menor é a progressão
da doença”, explicou Eliana.
Nas crianças, existem várias causas de dislipidemias. Do
ponto de vista das doenças causadoras, as doenças renais,
as doenças de fígado, as endócrinas como a obesidade, o
diabete mellitus e o hipotireoidismo, além de várias de
origem genética, são as principais.
Do ponto de vista do estilo de vida contemporâneo, o estresse
emocional, o sedentarismo e a alimentação inadequada são
fatores que contribuem para o aumento da prevalência da
obesidade e sobrepeso, que ocasionam doenças relacionadas
às dislipidemias.
Na opinião de Eliana, o medo da violência, o excesso de
jogos de computador, as dietas de fast-food e as dietas
ricas em gordura saturada, açúcar e frituras são altamente
perniciosas para os lípides sanguíneos e parecerem contribuir
com essa realidade. “Se a família tem um padrão pouco saudável
de alimentação, as crianças irão seguir este modelo”, explica
Eliana.
No caso dos adolescentes, o tabagismo, o uso de anticoncepcionais
e a gravidez são outros fatores que, associados aos anteriores,
contribuem para o desenvolvimento de dislipidemias.
Um caso raro no mundo