O
professor Roberto Güenzatti-Luzzi não tem computador ou
outros equipamentos modernos em sua sala no Instituto de Física
Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. A sala lembra uma biblioteca
de avô no aconchego das fotos de filhos e netos forrando as
paredes. Entretanto, Luzzi foi quem criou o Grupo de Mecânica
Estatística de Sistemas Dissipativos, um conhecimento imprescindível
na pesquisa em física de semicondutores – material fundamental
para a indústria eletrônica e optoeletrônica, que por sua
vez trouxe muito do conforto que beneficia a sofisticada sociedade
atual.
Nas paredes, apenas dois detalhes lembram a atividade de
Roberto Luzzi: o convite para as comemorações dos 40 anos
do Instituto de Física e, abaixo, uma foto antiga da fachada
da unidade. “O Opala prateado na porta era meu. De certa
forma, acompanhei o desenvolvimento desta Universidade e
especialmente do Instituto. Minha conexão com a Unicamp
é de março de 1969, mas permaneci um tempo como professor
da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, até
vir efetivamente em janeiro de 1971”.
Luzzi afirma que o mergulho do seu grupo na mecânica estatística
se deu por necessidade, diante do interesse mundial naquele
momento por semicondutores. “Precisávamos criar o arcabouço
teórico para o Departamento de Física da Matéria Condensada
no estudo de semicondutores de utilidade em dispositivos
eletrônicos. O que requer o estudo das propriedades ópticas
e de transporte (correntes de elétrons) que influem no desempenho
de computadores, televisores, celulares e toda a gama de
produtos afins”.
A mecânica estatística, acrescenta o professor, trata de
determinar o comportamento termodinâmico de materiais macroscópicos,
como circuitos integrados, a partir de estudos e descrições
da física desses materiais em nível microscópico, com base
na teoria de probabilidades. “Ela faz a simbiose da mecânica
(microscópica) com a termodinâmica (macroscópica). Também
é fundamental para predições sobre o que esperar dos materiais
quando estiverem funcionando em um dispositivo”.
Roberto Luzzi reconhece que discorrer sobre minúcias de
suas pesquisas seria pouco palatável para o leigo. No entanto,
assegura que seu trabalho não deve ser confundido com o
outro extremo da física, aquele relacionado com Albert Einstein
e, agora, com o supercollider de partículas em que se procura
recriar as condições presentes logo após o Big Bang. “Lidamos
com algo prático e fundamental para a riqueza das nações
e para o bem-estar dos seus habitantes”.
Segundo o pesquisador, tudo começou com o desenvolvimento
do transistor, que rendeu o Nobel de Física de 1956 a John
Bardeen, William Shockley e Walter Brattain. “É interessante
que todos falem de Einstein, mas poucos façam idéia de quem
foi Bardeen, o único a ganhar dois prêmios Nobel em Física
– o segundo veio em 1972, ao desenvolver a teoria da supercondutividade
com Leon Cooper e Robert Schrieffer. Outros cientistas foram
premiados duas vezes, mas em áreas diferentes”.
Para ressaltar a extrema importância e a ampla aplicabilidade
dos dois estudos de Bardeen, demonstrada principalmente
nos dias de hoje, Luzzi recorre a outro ganhador do Nobel
de Física. “Como disse Phil Anderson, o pessoal de partículas
e de altas energias nos traz muitas informações, mas, para
nós que vivemos aqui na biosfera, elas são quase irrelevantes.
O que interessa é a física da matéria condensada, que proporciona
a ponte entre a ciência, a tecnologia e, agora, o mantra
da inovação”.
Modelo
americano
Uma ponte muito mais efetiva e abrangente entre ciência
e tecnologia, de acordo com o docente, começou a ser erguida
pelos norte-americanos logo após a Segunda Guerra, parecendo
seguir uma máxima de Antoine Saint-Exupery: “No que se
refere ao futuro, nossa tarefa não é predizê-lo, mas fazer
com que aconteça”. “De fato, é isto. Os Estados Unidos,
periodicamente, formam comissões para pesquisar a relação
entre ciência, tecnologia, sociedade e governo. Esta iniciativa
surgiu no governo Truman e acentuou-se no de Eisenhower,
em função da guerra fria, que em última instância é uma
guerra econômica”.
O professor destaca que o governo americano, ao perceber
a necessidade de desenvolver ciência e tecnologia, injetou
muito dinheiro nas grandes fundações para pesquisa e, por
conseguinte, nas universidades. “Digo isso por que aqui
existe este temor de que nossas universidades públicas sejam
privatizadas para seguir o exemplo deles. As grandes universidades
americanas são realmente privadas em sua maioria, e muito
ricas, mas recebem polpudos recursos do governo, especialmente
nas áreas de ciência e medicina”.
O pesquisador do IFGW lembra ainda que, nos EUA, persiste
a cultura das doações por parte de ex-alunos bem sucedidos
na carreira. “A Universidade do Sul da Califórnia tem uma
importante escola de cinema. Estava lá quando John Wayne
fez uma grande doação. Jerry Lewis era um dos professores
e o estudante George Lucas ganhou lá seu primeiro prêmio,
acho que de melhor documentário”.
O esforço brasileiro
Roberto Luzzi faz este pequeno histórico para contextualizar
o papel dos governos brasileiros a partir do final da década
de 1960 no desenvolvimento da Unicamp e, particularmente,
do Instituto de Física. “Desde a sua fundação, as áreas
de física, química, biologia e engenharia da Universidade
receberam centenas de milhões de dólares através de agências
de fomento como Finep, CNPq e Fapesp”.
Na opinião do professor, estes governos é que atentaram
para a necessidade de desenvolver ciência e tecnologia,
elegendo-as como fundamentais para competir no processo
de globalização que se iniciava. “Foram importantes para
este propósito Golbery do Couto e Silva, estrategista inteligente
e bem informado, e os ministros do
Planejamento Roberto Campos, Hélio Beltrão e João dos Reis
Velloso”.
Luzzi recorda que o governo injetou muito dinheiro na Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep), visando à criação do Centro
de Excelência de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia.
“A Finep era presidida por José Pelúcio, que cumpriu papel
crucial para as universidades. Ele estava na comissão enviada
a Washington em 1968, que convenceu físicos brasileiros
da matéria condensada, como Rogério Cerqueira Leite e Sergio
Porto, a formarem grupos de pesquisadores dispostos a vir
ao Brasil”.
O professor já estava bem instalado nos Estados Unidos,
casado e com filho, mas aceitou o desafio proposto por Sergio
Porto e Carlos Argüello de criar algo novo. “Lá eu seria
apenas mais um no meio de uma massa de cientistas. Insisto
que o investimento dos governos nos centros de excelência
foi fundamental para a Unicamp. E é preciso destacar, claro,
a visão apurada de Zeferino Vaz, que percebeu de imediato
a oportunidade de fazer a universidade crescer e encarregou
Sergio Porto de recrutar pesquisadores, processo que se
repetiu em outras áreas da Universidade”.
Quando Roberto Luzzi chegou ao Instituto de Física em 1971,
para incorporar-se ao nascente Departamento de Física do
Estado Sólido, Cesar Lattes já havia criado o Departamento
de Raios Cósmicos e Altas Energias. Sergio Porto viria em
1973, com dois milhões de dólares assegurados por José Pelúcio
para instalar o Departamento de Eletrônica Quântica. Mais
tarde, o Departamento de Física do Estado Sólido se desdobrou
no Departamento de Física Aplicada e no Departamento de
Física da Matéria Condensada – onde o grupo de Luzzi está
abrigado há mais de 30 anos.
A produção do grupo