Sob as asas da inovação (e do Estado)
Estudo sobre indústria aeronáutica revela também
que aviação comercial é dependente da militar
JEVERSON
BARBIERI
Uma
análise aprofundada da dinâmica da indústria aeronáutica
em nível mundial e nacional aponta que a introdução de inovações
tecnológicas e a forte presença do Estado são fundamentais
para o desenvolvimento do setor. O estudo, realizado pelo
pesquisador Marcos José Barbieri Ferreira, do Instituto
de Economia (IE) da Unicamp, mostra ainda que, apesar das
diferenças, existe uma interrelação muito forte entre a
indústria aeronáutica militar e a comercial. De acordo com
Ferreira, grande parte das inovações introduzidas nas aeronaves
militares é transferida para a área comercial.
Comparativamente a outros
trabalhos já publicados, a tese de doutorado, que foi orientada
pelo professor Fernando Sarti, diferencia-se por ter como
objetivo primeiro fazer uma análise global da indústria
aeronáutica – desde o seu surgimento – e da sua dinâmica
de funcionamento, enfocando sempre os segmentos militar
e comercial. A partir dessa análise, foi feita uma verificação
de como o Brasil está inserido nesse cenário. E a principal
indagação inicial, segundo o autor, era verificar como o
Brasil conseguiu ser tão competitivo e conquistar destaque
internacional em um setor de alta tecnologia como este.
Ainda que a tese não seja
essencialmente de caráter histórico, o autor observa que
é preciso voltar à década de 1930, quando ocorre a primeira
grande mudança na aviação, desde o seu surgimento no início
do século XX. A introdução do modelo DC-3 no mercado consolida
a indústria aeronáutica. É o chamado projeto dominante,
que passa a ser padrão para as outras fabricantes. Sintetiza
as inovações tecnológicas da época e adquire a fidelidade
do mercado. Durante as duas décadas seguintes ocorreram
apenas inovações incrementais, como a mudança de dois para
quatro motores e o aumento do tamanho das aeronaves.
Já
na década de 1950, a Boeing, inspirada na aviação militar
que, a partir da Segunda Guerra Mundial introduziu os modelos
de propulsão a jato, promove outra ruptura equipando os
aviões comerciais com este tipo de tecnologia. Uma inovação
que, diferentemente da aviação militar, precisa da aprovação
do mercado e necessita ser economicamente viável. Encontra-se
aí a grande diferença entre os setores. Enquanto a aviação
militar busca a superioridade e os custos se expandem em
ritmo acelerado, a indústria aeronáutica comercial precisa
que seus projetos sejam sancionados pelo mercado e, assim,
a elevação dos custos é menor.
Prova
disso é que em 1960 os aviões militares de caça já voavam
a velocidade supersônica. No segmento comercial, o projeto
entre as companhias British Aircraft Corporation (britânica)
e a Aérospatiale (francesa) criou o Concorde, que fez seu
primeiro vôo em 1969. Viável tecnicamente, o projeto não
se consolidou e apenas 16 unidades foram construídas. A
inovação do jato supersônico, capaz de fazer o trajeto Paris-Nova
Iorque em apenas quatro horas, não foi aceita pelo mercado
porque, além dos altos custos, tinha restrições ambientais
como ruído e poluição. No caso da aviação comercial, comentou
Ferreira, é necessário ter a aprovação do mercado, enquanto
que no segmento militar o que um país deseja é ser superior
ao outro, mesmo que tenha que alocar um crescente volume
de recursos.
O
ponto central abordado pelo pesquisador em sua tese é com
relação à dinâmica da inovação. Enquanto na indústria
aeronáutica comercial observa-se a existência de um projeto
dominante copiado pelos concorrentes, na aviação militar
a proteção ao projeto é questão estratégica. Não há,
portanto, projeto dominante único na área militar. O que
existem, de fato, são projetos tecnicamente equivalentes,
que são agrupados em uma determinada geração de aeronave.
Ferreira observou que os investimentos feitos no desenvolvimento
de pesquisas militares são sempre muito questionados por
economistas. No entanto, é preciso observar que para a
indústria aeronáutica esse tipo de pesquisa é fundamental.
Principalmente pelas inovações tecnológicas que são
introduzidas primeiramente nas aeronaves militares e, posteriormente,
são levadas para o segmento comercial. “Além disso,
a participação militar nas vendas da indústria aeronáutica
ainda é bastante significativa”, disse.
Incertezas
As inovações radicais, responsáveis por promover a descontinuidade
da trajetória tecnológica, geram muitas incertezas. Algumas
inovações têm um custo tão elevado que nem sequer são transferidas
da área militar para a comercial. Atualmente, de acordo
com Ferreira, a indústria aeronáutica está passando por
um momento de ruptura muito grande. Na área militar, o projeto
de um caça de quinta geração, o F22 Raptor, consumiu US$
29 bilhões só de custo de desenvolvimento.
Fabricado pela norte-americana
Lockheed Martin, este novo avião de caça incorpora tecnologias
inovadoras, como a stealth (invisivibilidade) e a supercruiser
(velocidades supersônicas sem pós-combustão) e tem preço
estimado em US$ 400 milhões cada unidade. O governo norte-americano
pretendia adquirir 750 aeronaves, no entanto, comprou apenas
184. “A linha de produção está praticamente desativada.
O nível de inovação incorporado por esta aeronave é altíssimo.
Em contrapartida, o elevado custo inviabilizou a continuidade
do programa”, comentou.
Na
área comercial a grande inovação não é visível, mas
certamente provocará uma mudança na maneira de fazer um
avião. Trata-se da utilização de materiais compostos,
entre os quais a fibra de carbono. Utilizado em pequena
escala desde a década de 1980 (cerca de 4%), a presença
desse material vem crescendo aos poucos. No mais recente
projeto da aviação, o A380 tem em sua estrutura pouco
mais de 20% de material composto.
Previsto para voar em 2010,
o Boeing 787 terá mais de 50% das suas estruturas feitas
em material composto, entre as quais as asas e as seções
de fuselagem. Ferreira explica que desde a década de 1930
a estrutura de um avião é feita de placa de alumínio e rebites.
Alterar para materiais compostos significa mudar significativamente
o peso do avião, deixando-o mais leve. Além disso, o material
composto permite que haja um aprimoramento no design, aumentando
o desempenho da aeronave. Outro ponto positivo é que, não
sendo mais de alumínio, o tipo de pressurização pode ser
alterado, o nível de umidade poderá ser maior e, consequentemente,
essas mudanças darão ao passageiro uma viagem mais confortável.
“Seguramente outras empresas irão aprimorar essa inovação,
mas o projeto dominante já está dado pela Boeing”, assegurou.
Por sua vez, esse elevado
dinamismo inovador está resultando em uma maior concentração
da indústria aeronáutica. Segundo Ferreira, somente as grandes
empresas podem fazer frente aos crescentes custos e incertezas
inerentes ao processo de inovação. A construção de vantagens
competitivas no setor aeronáutico passa, necessariamente,
pelo tamanho da empresa. Em decorrência disso, um número
cada vez menor de empresas, que são cada vez maiores e que
abrangem todo mercado mundial, chamadas global players,
passou a comandar esta indústria.