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Quitosana é usada para despoluir água
Fibra retirada de crustáceos
mostra-se capaz
de extrair metais pesados de cursos poluídos
A
quitosana – uma fibra retirada do exoesqueleto de crustáceos
– pode ser uma nova aliada da ciência na despoluição dos rios
e efluentes despejados pela indústria. Ela se mostrou capaz
de extrair metais da água, como o cobre, o zinco, o chumbo,
o cobalto e o cádmio, em um estudo de doutorado conduzido
no Instituto de Química (IQ) pela pesquisadora Elaine Cristina
Nogueira Lopes de Lima, orientada pelo docente do IQ professor
Claudio Airoldi. Esta estratégia poderá contribuir para eliminar
um dos maiores gargalos enfrentados pelas fábricas hoje que
é o da destinação do lixo industrial, já que os metais pesados,
em altas concentrações, se apresentam danosos ao meio ambiente
e à saúde, não se degradando nem pela ação do tempo. Os experimentos
foram obtidos por meio da técnica de adsorção.
Com essa descoberta, a autora já planeja testar outras reações
em misturas com quitosana, desta vez em fármacos, com a finalidade
de que os tratamentos sejam muito mais adequados. Elaine Lima
e Claudio Airoldi acreditam que outras novas pesquisas que
vierem nesta linha serão promissoras.
A técnica de adsorção, explica
Claudio Airoldi, é relativamente simples e barateia o processo
como um todo, por isso ela foi a escolhida neste trabalho.
Nos testes, realizados no Laboratório de Termoquímica de Materiais
(Latemat), foi selecionado um metal para simulação das mesmas
condições que possivelmente ocorrem em um efluente, retirando-o
completamente da água para não contaminar o meio ambiente.
“A experiência foi bem-sucedida e de grande aplicabilidade,
pois levou à determinação não somente qualitativa, mas também
quantitativa dos efeitos que acontecem perante o metal.”
O foco dessa investigação,
refere Elaine Lima, consistiu em utilizar um recurso que modificasse
algumas propriedades químicas desse material a fim de submetê-lo
a uma série de reações, com vistas a aumentar a adsorção dos
metais e, com isso, favorecer a despoluição de rios. A ideia
era melhorar a qualidade da água, principalmente nos tratamentos
que devem ser feitos nas indústrias antes desses efluentes
(produtos líquidos ou gasosos) serem lançados ao meio ambiente.
Existem relatos recentes que
dão conta de descrever os metais como componentes deletérios
à saúde que, em excesso, podem ocasionar câncer, em decorrência
da exposição a eles e do seu efeito cumulativo no organismo
humano, além de sua atuação no sistema nervoso central, em
particular no caso do chumbo.
Modificação
A
pesquisadora conta que adotou a quitosana por ser um material
muito abundante na natureza. “A proposta era aprimorar propriedades
como a sua capacidade de adsorver e de complexar metais e,
deste modo, adotá-la no futuro para tratamento de efluentes
reais de indústrias de modo geral”, afirma Elaine. “Portanto,
estes materiais poderão ser empregados com êxito na remoção
de cátions metálicos desses efluentes, atuando como agentes
na diminuição dos efeitos tóxicos causados por metais pesados
e também na renovação do ecossistema.”
Na pesquisa, após a modificação
química da quitosana com cloretos orgânicos e posterior imobilização
de aminas (base orgânica nitrogenada, derivada do amoníaco,
que entra na composição dos aminoácidos), Elaine percebeu
uma estreita, mas clara, relação com o favorecimento da adsorção
de metais, comparada à quitosana pura, não-modificada. “Vimos
que a modificação neste caso garantiu uma maior adsorção e
que a calorimetria auxiliou a perceber a energética, ou seja,
como ocorre a interação entre a quitosana modificada e os
metais estudados, um dado valioso na literatura e que seguramente
terá condições de dar sustentação a novos trabalhos”, relata
Claudio Airoldi.
Segundo o orientador do trabalho
ainda, a modificação química deve ser ressaltada nesse processo,
isso porque parte de um material que é transformado para se
tornar cada vez mais com potencial de uso. “Isso é fundamental
porque nos dias de hoje o que se buscam são primeiramente
materiais não-tóxicos, isto é, biocompatíveis. No caso da
quitosana, ela é até comestível, não representando problema
algum ao organismo.”
Ele relata que esses materiais
garantem grande aplicabilidade, dentro da qual o que se procura
no momento é obter a quitosana para interagir com fármacos
que sejam aplicados com propriedade ao ser humano, para que
haja uma liberação paulatina de seus princípios durante um
dado tratamento médico. Os pesquisadores, diz, têm se debruçado
em estudar novas fronteiras para o uso da quitosana, cujo
alvo é a liberação controlada.
Este trabalho vem sendo concebido
no IQ também por Elaine Lima, que ora dá prosseguimento à
descoberta de novos achados agora no pós-doutorado, já com
apoio da Fapesp, igualmente orientado por Claudio Airoldi.
Entre o desenvolvimento das
suas pesquisas e a sua aceitação para ingresso nesse curso,
a pesquisadora chegou a uma outra conquista: foi aprovada
recentemente num concurso da Universidade Federal de Sergipe
(UFS), sua terra. Mas de modo algum isso deverá inviabilizar
a sua pesquisa na Unicamp, comenta Claudio Airoldi. “Ela ainda
trabalhará com esse tipo de enfoque em que eu e outros pesquisadores
temos grande interesse.” Um aspecto que se deve dar ênfase,
expõe ele, inclusive é que esta instituição, como centro de
pesquisa, também é formadora de recursos humanos qualificados.
“Isso é muito importante para que Elaine Lima volte à sua
universidade de origem e que esteja muito mais apta ainda
a desenvolver ali as suas pesquisas.”
Calorímetro
Um
dos instrumentos utilizados na pesquisa de Elaine Lima, e
que é muito restrito no meio acadêmico brasileiro, foi o calorímetro,
que há anos está sob a guarda do IQ. A calorimetria estuda
as trocas de energia entre corpos ou sistemas quando essas
trocas se dão na forma de calor. Através da calorimetria,
é possível fazer a determinação quantitativa dos efeitos que
acontecem por exemplo na matéria, a quitosana, com uma outra
espécie, no caso o metal. Com sua ajuda é possível orientar
de que maneira este material pode melhor extrair determinados
metais em relação a outros.
No Laboratório de Termoquímica
de Materiais, Claudio Airoldi atua mais com materiais que
têm como característica serem adsorventes, ou seja, que podem
retirar espécies indesejadas do meio estudado. Porém, com
o passar do tempo, o seu interesse foi se direcionando para
os biomateriais, que derivam de plantas, sendo os mais destacados
a celulose e a quitosana.
Com a celulose, é mais difícil
de ser trabalhar, do ponto de vista químico, esclarece o professor.
Logo, o direcionamento maior foi para a quitosana, visto que
ela é extraída de vários pequenos animais e pode trazer o
mesmo direcionamento na pesquisa. Em termos de reatividade,
ela é bem mais ativa do que a celulose, o que facilita a sua
modificação química e, consequentemente, dá-lhe uma utilidade
mais aprimorada.
Biopolímero é abundante
na natureza
A quitosana é um biopolímero.
Ela é obtida a partir da quitina, um outro biopolímero,
hoje o segundo material mais abundante da natureza, após
a celulose, e que tem como principais fontes naturais
as carapaças de crustáceos como caranguejo, camarão e
lagosta, sendo também encontrada em insetos, moluscos
e na parede celular de fungos. Devido à sua abundância
na costa marinha brasileira, existe uma grande quantidade
de crustáceos que são rejeitos. A reutilização desses
rejeitos, para retirada da quitina e posterior emprego
como quitosana, tem chamado a atenção da comunidade científica
há muito tempo.
Ela é aplicada em uma
diversidade de áreas, principalmente nas áreas farmacêutica
e alimentícia. Em si, já possui propriedades que garantem
um bom material, um bom adsorvente, que foi, no presente
caso, a retirada de metais, corantes, poluentes orgânicos
e inorgânicos em geral. “O que de fato queríamos era utilizar
este material para usufruir de suas propriedades, amplamente
difundidas na literatura, para então modificá-lo, aumentando
essa capacidade e, com isso, também obter dados calorimétricos
que são ainda inéditos, a priori com este material modificado
e com os metais utilizados”, constata Claudio Airoldi,
que orienta nesta linha atualmente dois alunos de mestrado,
dez de doutorado, dois de pós-doutorado e um de iniciação
científica.
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Artigos
Lopes, E.C.N.; Sousa, K.S.; Airoldi, C. Chitosan–cyanuric
chloride intermediary as a source to incorporate molecules
– Thermodynamic data of copper/biopolymer interactions. Thermochimica
Acta, 483: 21-8, 2009.
Machado, M.O.; Lopes, E.C.N.; Sousa, K.S.; Airoldi, C. The
effectiveness of the protected amino group on crosslinked
chitosans for copper removal and thermodynamic of interaction
at the solid/liquid interface. Carbohydrate Polymers, 77:
760-6, 2009.
Publicação
Tese de Doutorado “Quitosana modificada
quimicamente através de cloretos orgânicos e o uso como fonte
em remoção catiônica”
Autora: Elaine Cristina Nogueira Lopes de
Lima
Orientador: Claudio Airoldi
Unidade: Instituto de Química (IQ)
Financiamento: CNPq
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