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Do
convívio com uma pessoa muito especial
Ele
chegava sempre antes da 8:30 horas no Centro de Memória - UNICAMP. Esse
ativo usuário do ônibus coletivo, mesmo aos 95 anos de idade, não
deixava de cumprir sua agenda diária que por vezes podia ser comparada
a de uma autoridade constituída, como costumávamos comentar.
Entrevistas,
participação em comissões, atendimento a jovens pesquisadores,
vernissages, lançamento de livros, homenagens, encontros, seminários,
palestras, até aulas de redação chegou a ministrar, faziam
parte de sua rotina.
Fora
isso a sua dinâmica consistia em alimentar o seu próprio arquivo
pessoal com cartas enviadas e recebidas, crônicas que publicava, material
de pesquisa que levantava e imediatamente fotocopiava sobre o assunto que estivesse
lhe interessando naquele momento, além de fotografias e livros, muitos
livros, jornais diários devidamente recortados e até o Globo, de
circulação restrita na cidade, ele encomendava, buscava e comentava.
Tudo isso regado a bolachinhas, bombons, barras de chocolate com os quais ele
dizia estar agradecendo nossa atenção e gentileza para com ele.
É,
não deve ter sido fácil para ele acompanhar nosso ritmo de trabalho,
quase sempre atropelado por uma rotina exigente no cumprimento de horários
e prazos. Descompasso que, percebíamos, a um tempo o deprimia e o impulsionava.
Aí então, pacientemente, nos aguardava, até conseguir discutir
conosco os temas cotidianos que mais despertavam seu interesse.
Quantos cafés,
almoços solicitados, até carinhosamente - ele detestava comer sozinho
quase sempre não atendidos por causa dos horários desencontrados.
Na
nossa lembrança ficou muito da sua figura nada paternal ou avoenga mas
de pesquisador contumaz sempre pronto a prestar esclarecimentos, a buscar informações,
a tirar dúvidas sobre este ou aquele personagem ou sobre o aqui ou ali
de Campinas. Pergunte ao Sr. Pupo, ele sabe!
Sempre
preocupado com o verdadeiro sentido das palavras e com a escrita correta presenteou-nos
com vários dicionários e trabalhos que respondam aos constantes
desafios que a língua, sempre viva, nos impõe.
Também
em oito minutos, observávamos, ele escrevia, até bem pouco tempo
atrás, sua crônica diária. Sem precisar de retoques, com precisão
na argumentação e na construção das frases, como convinha
ao jornalista experiente e ao pesquisador cuidadoso e persistente.
Nutria
especial interesse pelo comportamento humano, especialmente das mulheres. Estimulava
a amizade entre elas e se esforçava por ser delas profundo conhecedor.
O
sempre polêmico jornalista foi um historiador por convicção
e prática. Apaixonado pela cidade, definiu sua data de fundação,
revelou a importância da figura do Morgado de Mateus que nomeou Barreto
Leme fundador de Campinas. Foi também defensor ferrenho da música
de Carlos Gomes e de sua difusão, principalmente junto aos jovens, na integra,
sem adaptações ou versões. Sonhava com um novo teatro para
a cidade mas propugnava que este obedecesse aos mais altos padrões de segurança,
visibilidade, audibilidade e conforto. Nas suas últimas semanas de vida,
ele se viu às voltas com um tema nada alheio ao povo, cujo cotidiano tão
bem retratou no seu Oito bananas por um tostão: as origens
e conseqüências da presença dos cortiços na cidade, tema
sugerido pelas discussões com um mestrando e pesquisador do CMU.
A
memória histórica desta cidade perdeu, certamente, um de seus baluartes,
o Centro de Memória UNICAMP um grande colaborador, incentivador
e divulgador de seus serviços e nós um grande amigo.
Ah,
seu Pupo que pena que o senhor nos deixou!
Ema
Elisabete Rodrigues Camillo
Socióloga, documentalista dos
Arquivos Históricos do CMU e mestranda em História Econômica
do IE - UNICAMP.