AGNALDO
BRITO
Especial para o Jornal da Unicamp
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Laboratório
de imagem do CPqD: em busca de um modelo para países em desenvolvimento |
O
Brasil começa a forjar um novo modelo de televisão. Tem o nome de
Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), designação que pretende
dar à diversão mais barata do Brasil a condição de
portal do mundo. É para esta tevê que a ciência nacional pretende
viabilizar um sistema capaz de oferecer, ao espectador de canais abertos, serviços
que o tire da mera condição de receptor. Reunidos nos últimos
dias 11 e 12, cerca de 100 pesquisadores brasileiros ligados à área
de radiodifusão iniciaram, na Faculdade de Engenharia Elétrica e
da Computação da Unicamp (FEEC), discussão para aprontar
em 12 meses uma proposta de TV digital para o país.
Alguns
requisitos sustentam o alicerce do que hoje é apenas uma idéia.
A rede de pesquisa que se formará para construir o modelo em um ano, reunião
que por si só já significa novidade na ciência nacional, terá
que desenvolver um projeto de custo baixo, que seja capaz de ser interativo, tenha
mobilidade, portabilidade e o mais importante: ofereça, do cidadão
de posse mais modesta àquele mais abastado, conexão à Internet
em banda larga, ou em alta velocidade. Os planos são ambiciosos: democratizar
o acesso à Internet em boa velocidade a todos os brasileiros que assistem
à televisão.
O Ministério das
Comunicações disponibilizará R$ 80 milhões neste período
(um ano) para que centros de pesquisa e universidades desenvolvam um sistema que
permita ao cidadão que mora num casebre ou numa mansão o acesso
à rede mundial a partir do sinal de tevê aberta. O Brasil pode ser
pioneiro já que nenhum dos modelos disponíveis hoje no mundo (japonês,
europeu ou norte-americano) reúne ambas as coisas numa só.
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O
professor João Marcos Travassos Romano: primeira meta é buscar o consenso |
Oitenta
e cinco por cento da população brasileira, ou cerca de 54 milhões
de televisores, recebem o sinal de televisão aberta, um dos maiores sistemas
do planeta. Na outra ponta, apenas 8% da população tem acesso à
internet, e um número ainda menor à conexão em banda larga.
A Unicamp, junto com outras instituições de pesquisa do Brasil,
fará parte desta rede que pretende mudar as características de décadas
dos sinais de radiodifusão.
Para João
Marcos Travassos Romano, presidente da Sociedade Brasileira de Telecomunicações
e professor da FEEC, 30% dos pesquisadores da Unicamp participarão diretamente
deste esforço para forjar um modelo brasileiro de TV Digital. A FEEC tem
hoje cerca de 100 professores doutores e forma anualmente 40% dos doutores em
engenharia elétrica do Brasil. Romano explica os objetivos da Unicamp neste
campo. Dentro do esforço de pesquisa, a instituição buscará
participação no desenvolvimento de áreas como a recepção
de sinal, antenas inteligentes, software e redes de transmissão.
O
workshop desta semana na FEEC ajudará a definir quais e o que cada instituição
deverá desenvolver neste consórcio. A meta é criar cerca
de cinco grupos de pesquisa. Deste grupo terá de surgir uma proposta para
o SBTVD, capaz de cobrir da transmissão do sinal na estação
radiodifusora à recepção na casa do espectador, além
da conexão à Internet. Para o ministro das Comunicações,
Miro Teixeira, não se trata da formação de subsistemas, embora
estes possam surgir. Mas de um sistema brasileiro que atenda às peculiaridades
de um país de dimensões continentais, culturalmente diverso e de
baixa renda.
A primeira meta, segundo Romano
responsável pela organização do workshop técnico ,
é encontrar consenso entre os pesquisadores. Um grupo formado por instituições
participantes deverá fazer o papel de comitê gestor dos recursos
e apreciar os projetos que serão cobertos pelo financiamento. O que se
pretende é organizar um sistema inteiramente novo no mundo, o que abre
a perspectiva de transformar o Brasil num fornecedor mundial desta tecnologia,
sobretudo àqueles países com características semelhantes
às nossas.
Um dos desafios da proposta, ainda
sem solução definitiva, é definir como serão registradas
as patentes que serão geradas na construção do modelo de
TV Digital. O ministério das Comunicações apresentou
uma proposta que não foi aceita. Depois de definidos os grupos de pesquisa,
as instituições envolvidas iniciarão uma discussão
para se encontrar uma forma adequada a todos. Este é um tema que correrá
em paralelo ao trabalho, afirma Bruno Vianna, diretor superintendente do
Genius Instituto de Tecnologia, localizado em Manaus e até o final do ano
com uma unidade de pesquisa em Campinas.
Não
são apenas os benefícios científicos que poderão ser
gerados com a idéia. A escolha de uma tecnologia importada resultaria numa
dependência tecnológica e econômica para o País. Neste
sentido, a decisão de arregimentar cérebros para construção
de um modelo resgata um princípio que vigorou no Brasil durante anos, o
de substituição de importações. Os pesquisadores admitem
que a proposta resgata o conceito, mas com uma diferença. Acho que
não precisamos reinventar a roda.
Podemos muito
bem utilizar dispositivos ou componentes que já foram desenvolvidos e avançar
a tecnologia para que nós possamos ter um sistema próprio,
diz Vianna. Isso indica a idéia conceitual de dar ênfase ao desenvolvimento
de softwares ao invés de centrar esforços no desenvolvimento de
hardware. O negócio está no software. Haverá um grande
esforço para se desenvolver aplicativos, prevê Vianna.
O
Ministério quer envolver o setor industrial, mas num segundo momento. Espera
a conclusão da primeira etapa: a apresentação do que possa
ser o sistema. A indústria deverá ter um papel importante no desenvolvimento
dos televisores digitais e principalmente, na primeira fase, dos chamados set
top box, o dispositivo que receberá o sinal digital e o transformará
em analógico. Quem tem acesso à TV paga (por satélite ou
por cabo) já manuseou equipamento semelhante. A idéia de ter um
modelo de custo baixo para acesso maciço da população, principalmente
a de baixa renda, é uma das premissas do projeto e de saída o sistema
não teria futuro se fosse requisito a aquisição de um televisor
com tecnologia digital. Primeiro que o Brasil ainda não tem e segundo teria
um custo proibitivo para as pretensões ainda conceituais de democratizar
o acesso à internet. A velha tevê da sala terá de servir para
tanto. Eis a grande novidade.
Um aliado
contra a exclusão digital
A necessidade de desenvolver
uma interface entre o sinal digital e o televisor analógico é o
problema que pode se tornar um aliado contra a exclusão digital. O caráter
social do projeto se assenta neste ponto. A possibilidade de ofertar junto com
o sinal aberto de tevê uma conexão com a web pode tirar o Brasil
do atraso da Era Digital. A multiplicidade de negócios que podem
surgir não envolve apenas venda de aparelhos. Quando se conecta Internet
por esse caminho, mais barato e em banda larga para um grande número de
pessoas, há desdobramentos de negócios. Isso é muito mais
que uma nova tecnologia, afirma o ministro Miro Teixeira. Não são
apenas negócios, mas a democratização de acesso à
rede mundial pode permitir ampliação de serviços fundamentais
para cidadania, como educação, cultura, saúde etc.
Para
o reitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz, um dos desdobramentos mais
importantes do projeto de TV Digital é garantir que a indústria
brasileira participe deste esforço da academia. O envolvimento do setor
industrial, avalia o reitor, pode garantir a geração dos empregos
qualificados que absorverão os cientistas formados a partir das pesquisas
desenvolvidas no ambiente acadêmico. A ligação entre o resultado
da pesquisa e a produção industrial não pode se dar como
se isso fosse uma linha de produção: o conhecimento para um paper,
o paper para a indústria produzi-lo. O conhecimento gerado por pesquisadores
dentro da academia deve avançar agora dentro de organizações
industriais.
O reitor lembrou durante a abertura do
workshop técnico que esta configuração é fundamental
para a geração de riquezas. Ao final de 12 meses, a rede de pesquisa
que ora se forma pode chegar a um esboço de um sistema brasileiro de TV
digital, mas sem o envolvimento industrial será apenas uma idéia.
E este envolvimento não é o de apenas manufaturar o conhecimento
expresso em relatório. É trazer para dentro da organização
industrial o cérebro que desenvolveu a idéia lá na universidade
ou no centro de pesquisa. O envolvimento, diz o reitor, de instituições
como o CPqD ou o Instituto Genius, já é uma garantia para que isso
transcenda este patamar.
Sem isso, a velha e empoeirada
tevê do barraco equilibrado no topo do morro continuará a ser apenas
a via de mão única e o espectador um cidadão, como sempre,
excluído do mundo digital.
Brasil
pode gerar sistema para países pobres | O
ministro das Comunicações, Miro Teixeira, e o reitor Brito Cruz: participação
do setor industrial é fundamental |
Três
modelos de TV digital disputam hoje a hegemonia no mundo. Um estudo do Centro
de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), uma das
instituições que estará envolvida na coordenação
e também no desenvolvimento de um modelo nacional, concluiu em um estudo
que nenhum deles se encaixa ao Brasil. O modelo brasileiro pode ser adequado para
países com mesmo perfil econômico, seria um sistema de TV digital
para países em desenvolvimento.
O sistema norte-americano
ATSC (Advanced Television Standard Committee) tem maior ênfase na tevê
de alta definição. O DVB-T (Digital Vídeo Broadcasting-Territorial),
sistema europeu, privilegia a multiprogramação e a interatividade.
O sistema japonês de TV digital (ISDB-T Integrated Services Digital
Broadcasting-Territorial) repete a característica dos Estados Unidos de
alta definição, mas agrega características como a recepção
móvel e portátil.
O Brasil quer agregar
a interatividade, boa recepção de imagem, a alta definição,
o acesso à Internet, o baixo custo e permitir a partir de um sistema flexível
inovações futuras como a mobilidade e a portabilidade. É
fundamental termos um modelo que nos permita partir para uma evolução
no futuro, diz Bruno Vianna, diretor superintendente do Genius Instituto
de Tecnologias.
Neste trabalho elaborado pelo CPqD,
além de assegurar a inviabilidade de adotar integralmente um sistema externo,
a instituição preparou um trabalho de Planejamento de Canalização
de TV Digital, que pretendeu reservar freqüência digital para o uso
de canais analógicos. Todas as emissoras terão dois canais para
a transmissão dos dois sinais. Foram reservados, segundo dados do CPqD,
1.850 canais digitais em 250 cidades do País com mais de 100 mil habitantes. |