MARIA
ALICE CRUZ
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A
professora Lara Rodrigues Machado: trajetória de resistência cultural |
Faltam
barras de apoio e assoalho naval na Associação Arteiros na Dança,
mas nunca faltou força de vontade e coragem por parte de alunos e voluntários
nem por parte da presidente Lara Rodrigues Machado, professora do Departamento
de Dança da Unicamp. A tese que inspirou a criação da associação,
Capoeira e dança na educação de adolescentes,
apresentada em 2001, rendeu à professora Lara o Prêmio Moinho Santista
Juventude. O trabalho foi indicado pelo Instituto de Artes da Unicamp. Dia 25
de setembro, a pesquisadora irá ao Palácio dos Bandeirantes receber
o prêmio, que consiste em uma medalha de prata, um diploma e R$ 30 mil.
O prêmio é destinado a jovens de até 35 anos que tenham defendido
dissertação de mestrado ou tese de doutorado ou que tenham se destacado
em sua área de conhecimento. Este ano, foram julgados projetos da área
de artes.
A história de Lara com a dança
teve início na capoeira. O projeto de mestrado, escolhido pela pesquisadora
para registrar toda sua trajetória e a convivência com seus alunos,
traduz fielmente seu relacionamento com a capoeira. Sempre iniciei meus
trabalhos com a capoeira, por ser uma manifestação popular. A dança
popular propõe a relação entre os indivíduos.
A dissertação propunha o desenvolvimento
do processo criativo na prática, o que culminou na montagem do espetáculo
Terra do Sacode, produzido com o grupo de alunos, formado por crianças
e adolescentes atendidos pelo Externato São João, em Campinas, onde
Lara, durante o mestrado, atuou como educadora. Os movimentos da capoeira
predominam até hoje nos personagens que eles construíram, baseados
na realidade de seu cotidiano, informa. O espetáculo continua sendo
apresentado em vários eventos artísticos.
O
texto da tese compõe uma história real de resistência cultural,
que começou na infância de Lara com a capoeira, até a luta
da pesquisadora, como educadora social, e a dos alunos, que hoje atuam como atores
e professores em entidades como a Casa Maria de Nazaré, o Externato São
João e a Fundação Orsa. O texto fala um pouco sobre
o que a capoeira e cultura popular representam em minha vida, revela. Lara
aproveita o tema para promover em sua dissertação um debate sobre
a dança brasileira e a importância da pesquisa de campo na montagem
de um espetáculo. Além disso, baseada em pesquisa de campo feita
pelos adolescentes, o grupo construi personagens que vieram do universo hip-hop.
Para Lara, apesar de a Associação Arteiros
na Dança ter surgido depois da defesa de tese, os dois trabalhos estão
muito relacionados, justamente pelo fato de um ser conseqüência do
outro. Daí, não conseguir falar de cada um isoladamente. Lara já
não consegue desvencilhar seus projetos de vida das atividades da associação.
Por isso, a professora acredita que, apesar de ser atribuído à dissertação,
o prêmio pode mudar muita coisa na história de uma instituição
que sobrevive com a ajuda dos sócios e voluntários, mas que enfrenta
as dificuldades de qualquer outro projeto social. Se eu conseguir ter um
carro, uma secretária eletrônica para gravar os telefonemas e um
celular que funcione, já tenho meio caminho andado, comemora.
De
acordo com a professora, a Associação Arteiros na Dança foi
criada num momento em que os meninos, ao completar 18 anos, tinham de se desligar
do Externato São João de Campinas e, conseqüentemente do projeto.
Hoje, a Arteiros na Dança reúne 30 jovens, oriundos de diferentes
bairros da periferia de Campinas, responsáveis pela difusão da arte
entre 2 mil crianças e adolescentes de Campinas. Esse é o
total de pessoas que esses meninos atendem nas instituições para
as quais trabalham, explica.
Todos os trabalhos
de pesquisa realizados por Lara, inclusive a tese, baseiam-se na pesquisa de campo
que é transformada em espetáculo artístico de dança,
no decorrer do processo. Formada em dança pela Unicamp em 1994, ela afirma
que em 1996 intensificou seu trabalho com adolescentes de rua e da periferia de
Campinas. Nesse período, realizei três pesquisas de campo e
consegui montar três espetáculos.
Em
1998, abri mão de tudo. Negociei minha demissão do Externato, vendi
meu carro, justamente para que os garotos que saíssem do externato pudessem
dar continuidade ao projetos de dança. É como se eles fossem meus
filhos. Muitos já retomaram seus estudos, deixaram as ruas e constituíram
família, graças a sua persistência. Às vezes,
a gente desanima. Mas este prêmio me encheu de coragem de novo. É
o reconhecimento de quem está longe, não viu o projeto de perto.
Ela enfatiza que nunca fizeram grande divulgação do projeto porque
o primeiro interesse da equipe era fazer com que o grupo tivesse comida. Hoje,
muitos deles foram transformados em professores de dança e recebem uma
ajuda de custo para multiplicar o trabalho em entidades às quais pertencem
ou já pertenceram. Uma parte dos multiplicadores ajuda a família
com a ajuda que recebem.
Fizemos muita coisa
sem apoio. Desde faxina; até perder alguns alunos; ver menino indo preso
e ajudar na recuperação de outros. Quando recebo este reconhecimento,
sinto que vale a pena, explica a professora. Lara enfatiza que o resgate
da dança brasileira, assim como o resgate da história de cada indivíduo,
tem contribuído muito para a recuperação dos participantes
do projeto e para a reestruturação familiar. Mas tem que ter
algo mais. A dança por si só não resgata ninguém,
questiona.
Educação no sangue
Uma
outra arte foi apresentada a Lara Rodrigues Machado na infância: a de ser
educadora social. Estimulada pelo pai, engenheiro agrônomo, e pela mãe,
assistente social, que participaram da fundação da Escola Comunitária
de Campinas, ela sempre quis desenvolver seus projetos com pessoas que precisassem
deles. Foi assim que casou a educação com a capoeira e, conseqüentemente,
com a dança, ao graduar-se na Unicamp.
As alunas do Departamento de
Dança também são incentivadas a ser transformadoras sociais.
Algumas delas freqüentam a associação. Não como
professoras. O que acontece é uma troca de conhecimentos. Elas fazem as
aulas de capoeira com os meninos e em troca levam informações sobre
a universidade, explica. Segundo a professora, o relacionamento com as universitárias
incentivou alguns alunos a prestar vestibular para o curso de dança da
Unicamp.
Ao entrar na universidade, Lara conta que
ficou focada na pesquisa de campo. Os primeiros projetos foram orientados pela
professora Graziela Rodrigues. Foi ela quem orientou meu primeiro projeto, na
graduação, sobre Maracatu Rural de Pernambuco. Ela me formou, me
ensinou como realizar uma pesquisa e como respeitar o indivíduo que está
lá, sem invadir seu espaço, afirma.
Em
Campinas, mais precisamente no Externato São João, a pesquisadora
teve o apoio do amigo padre Antônio Francisco Lelo para iniciar
o trabalho com capoeira. Formamos o grupo, iniciando com a capoeira, num
espaço católico, comenta. Foi neste momento que convidou os
garotos a ilustrar sua tese com a apresentação do espetáculo.
Ao deixar o Externato, ela foi procurada pelos jovens e acabou deslocando seus
projetos de vida para a Associação Arteiros na Dança.
Eu
vejo o palco como um espaço sagrado. No momento em que estão lá,
os meninos têm a palavra, e as pessoas param para ouvi-los. Para ela,
não interessa se atualmente essa é a realidade deles, mas é
a realidade na qual eles vivem, que envolve suas famílias e suas relações
sociais. A concretização do espetáculo é um
meio de estar resgatando alguns indivíduos. Além de Terra
do Sacode, que ilustrou a tese, o grupo já montou os espetáculos
Maré Cheia, síntese de vários pontos de cultura popular;
e Azeviche, história de personagens da cultura popular.
O
PRÊMIO
O Prêmio Moinho Santista é promovido
pela Fundação Bunge, entidade de utilidade pública mantida
pela Bunge Alimentos e Bunge Fertilizantes. Os trabalhos são selecionados
por uma comissão técnica e premiados por um grande júri,
formado por cerca de 50 membros, de entidades científicas e culturais,
reitores e universidades, ministros ligados à área de premiação,
e o presidente do Supremo Tribunal Federal, que preside o grande júri.
A cada ano a fundação premia uma área de conhecimento diferente,
e Lara Rodrigues Machado participou da modalidade Artes.