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Corpos celestes, impactos terrestres
Pesquisador do IG descobre cratera de 12 km de diâmetro em Santa Catarina e aponta evidências de colisão de asteróide

LUIZ SUGIMOTO

Imagem do satélite Landsat/ETM+ mostrando a depressão circular de 12 quilômetros de diâmetro, delimitada pela linha pontilhada branca. A cidade de Vargeão localiza-se na borda sul da cratera

O impacto junto ao público seria menor se Elijah Wood (o garoto de O Senhor dos Anéis), Morgan Freeman, Vanessa Redgrave, Tea Leoni, Robert Duvall, Maximilian Schell e a diretora Mimi Leder não tivessem a assessoria de especialistas em cometas e asteróides, inclusive da Nasa, para a filmagem de Impacto Profundo. Em cena com bons efeitos especiais, o cometa invade a órbita terrestre trazendo à frente uma onda de choque que rasga o mar antes da colisão; depois, uma coluna de água de 100 metros de altura varre a costa leste dos Estados Unidos.

“Afora as fantasias hollywoodianas, o filme está bem fundamentado cientificamente. A onda de choque equivalente à de milhares de bombas nucleares, fragmentos de todos os tamanhos resultantes da colisão, e por último a onda de calor, destruiriam tudo em um raio de centenas de quilômetros”, afirma professor Alvaro Penteado Crósta, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. No filme, também é factível o suspense em torno da demora até que as autoridades fossem convencidas quanto ao choque de um cometa com a Terra. “Esses corpos celestes viajam a uma velocidade de dezenas de quilômetros por segundo e são pequenos do ponto de vista astronômico. Apesar de toda a tecnologia, são de difícil detecção, a não ser quando estão muito próximos”, acrescenta o pesquisador.

Doutor em geologia pela Universidade de Londres, Alvaro Crósta passou a última semana de julho no oeste de Santa Catarina, buscando evidências científicas de que uma cratera de 12 km de diâmetro, no município de Vargeão, é resultante do impacto de um asteróide ocorrido entre 70 milhões e 110 milhões de anos atrás. Ele foi a campo acompanhado pelo estudante César Kazzuo Vieira, que abordará o fenômeno em sua monografia de conclusão de curso, contando também com a orientação do professor Asit Choudhuri na análise microscópica das amostras de rochas trazidas do vale de Vargeão.

Cratera do Meteoro, no Arizona (EUA), que tem 1 quilômetro de diâmetro e é uma das mais recentes existentes na Terra, tendo sido formada há cerca de 50 mil anos. Ela serve como modelo para o estudo das crateras mais antigas, como a de Vargeão

Astroblema – Astroblema é o nome técnico de uma cratera antiga e já parcialmente desgastada pela erosão, produzida pelo impacto de corpo celeste de grande dimensão (asteróide ou cometa). O termo vem do latim, significando uma cicatriz (blema) causada pela queda de um corpo celeste (astro). “Usando imagens de satélites e fotografias aéreas, identificamos primeiramente a feição morfológica na superfície, formada por uma depressão circular, com a borda e o centro soerguidos. Podem ser causadas por um vulcão, pela dissolução de rochas calcáreas no subsolo ou então por fenômeno de impacto no passado geológico”, explica Crósta.

No território brasileiro, até o momento são conhecidas três grandes estruturas circulares provocadas por impacto, havendo outras seis em que as suspeitas ainda carecem de comprovação científica (veja quadro). No mundo foram detectadas perto de 160, muitas ainda não investigadas. “O número real tende a ser maior no Brasil, pois ainda não se fez uma busca sistemática. Países como Canadá e Austrália, que possuem terrenos geológicos com idades e características similares às nossas e onde tais buscas são comuns, descobriram dezenas de crateras. Aqui, muitas podem estar escondidas, por exemplo, pela densa cobertura da floresta amazônica”, prevê o geólogo. Ele acredita que as últimas ferramentas de sensoriamento remoto, como as imagens topográficas geradas recentemente pela Nasa por meio de radar interferométrico, vão facilitar a identificação de novas estruturas (veja imagem altimétrica da cratera de Vargeão).

Vargeão – Na década de 1970, estudos geólogicos constataram na superfície do vale de Vargeão a presença de areia da formação geológica Botucatu. Trata-se de uma camada extensa e contínua de arenitos no Sul do país, mas com o detalhe de que no oeste catarinense ela se encontra a mais de 700 metros de profundidade. Saber como a areia veio parar na superfície não pareceu grande enigma para Alvaro Crósta, que na mesma época tinha estudado o astroblema de Araguainha (MT), o maior da América do Sul com 40 km de diâmetro, como objeto de seu mestrado, tendo-se tornado um dos poucos estudiosos brasileiros de crateras de impacto.

O professor Alvaro Crosta mostra rocha do Vargeão: comprovação científica de que um asteróide atingiu Santa Catarina virá com as análises em microscópio

Depois de coletar dados de campo em Vargeão pela primeira vez em 1981, o pesquisador relacionou aquela cratera com outras cinco sob suspeita de formarem astroblemas no Brasil (mais três seriam encontradas posteriormente), tendo divulgado as mesmas em um capítulo de livro publicado na Alemanha. “Aquela região é rodeada por rochas vulcânicas, chamadas basaltos. O interessante é que no centro aparecem os arenitos Botucatu que deveriam estar em grande profundidade. A explicação mais plausível é que um grande impacto removeu enorme quantidade de rocha e que, aos poucos, os arenitos ascenderam para compensar a remoção de massa, estabilizando assim o terreno. Trata-se de um mecanismo comum durante o processo de formação e posterior estabilização de crateras de impacto”, explica.

Brechas e Cones – A comprovação científica de que um asteróide atingiu Santa Catarina virá com as análises em microscópio das amostras que o professor e o aluno César Vieira conseguiram descobrir no local, uma tarefa bastante difícil, pois o impacto fundiu ou pulverizou as rochas da superfície. “Isto aqui é o que chamamos de brecha, formada por fragmentos incrustados em rocha derretida. Trata-se de uma das melhores evidências da ocorrência de impacto, junto com feições cônicas estriadas (shatter cones) que se formam nas rochas pela passagem da onda de choque”, mostra o pesquisador, apontando uma caixa com cerca de 50 amostras.

“São materiais deformados por pressão e temperatura altíssimas, que ocorrem somente a muitos quilômetros dentro da crosta, num processo geológico que jamais se reproduz na superfície”, esclarece. Contudo, a mera presença destas rochas na superfície não comprova o impacto de asteróide ou cometa. “Brechas também são formadas por vulcanismo. Como a brecha vulcânica tem características diferentes das provocadas por impacto, há a necessidade das análises em laboratório. É trabalho para mais dois ou três meses”.


Cratera nos EUA serve de modelo para estudos

O astroblema mais famoso é o de Chicxulub, na Península de Yucatan (México), que teria provocado a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. Por meio de imagens geofísicas, vê-se uma cratera de 200 km de diâmetro, hoje submersa, resultado do impacto de um asteróide com 20 km de diâmetro e energia suficiente para extinguir muitas das formas de vida da época. A Cratera do Meteoro, no Arizona (EUA), é a mais recente destas depressões, aberta por um meteoro – cuja força nem de longe se equipara à de um asteróide ou cometa – há somente 55 mil anos. Apesar de pequena, com 1 km de diâmetro, ela se encontra pouco afetada pela erosão por estar em área desértica, servindo de modelo para o estudo de outros astroblemas no planeta.

Segundo o professor Alvaro Crósta, o choque de asteróides representou um dos principais processos de agregação de massa à Terra nos períodos iniciais de sua história geológica, há aproximadamente 4 bilhões de anos. Remanescentes da formação do universo, os asteróides maiores foram atraindo os menores, colidindo com planetas e diminuindo em quantidade ao longo do tempo geológico. Persiste, porém, a preocupação com um novo evento catastrófico na Terra, mesmo que a probabilidade de choque de um grande corpo celeste seja de uma a cada 2 ou 3 milhões de anos.

Crósta tem em mente um projeto para estudar em detalhe todas as crateras brasileiras, como forma de contribuir para o conhecimento da evolução do planeta. Ele possui artigos publicados e trabalhos do astroblema de Araguainha expostos no museu da Cratera do Meteoro (EUA) e no museu do astroblema de Ries, na cidade de Nördlingen (Alemanha).

Uma das crateras ainda não investigadas em detalhe no Brasil é a de Colônia, na região de Parelheiros (Grande São Paulo), com 3 km de diâmetro e que acaba de ser tombada pelo patrimônio histórico estadual. “O trem para Santos, antes de descer a Serra do Mar, contornava a depressão antes de seguir viagem. Como a cratera se formou numa área em franco processo de erosão, com o tempo virou um lago, acumulando sedimentos no fundo. Precisaríamos de perfurações de mais de 300 metros para chegar às rochas deformadas e determinar com precisão a sua origem”, lamenta Alvaro Crósta.

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