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Tese mostra que genéricos reduzem gastos públicos e facilitam acesso a medicamentos
Mudanças nas regras que regulam mercado farmacêutico geraram mais investimentos em produção e tecnologia

TATIANA FÁVARO
Especial para o Jornal da Unicamp

A economista Joice Valentim: “Os gastos que mais caíram foram com programas estratégicos”

A discussão sobre acesso, preço e políticas para o uso e distribuição de medicamentos genéricos no Brasil foi o foco da dissertação de mestrado da economista Joice Valentim, orientada pelo professor Geraldo Di Giovanni e apresentada há duas semanas no Instituto de Economia da Unicamp. Joice mostrou em seu trabalho que, ao diminuir preço e aumentar a competição em um mercado que apresenta falhas, os genéricos reduzem gastos públicos e familiares e possibilitam maior acesso a remédios. Além disso, atraem mais investimentos em produção e tecnologia.

Como os genéricos são algo novo no mercado brasileiro – eles foram instituídos em 1999, por meio da Lei n.º 9787 –, a tese da economista precisou levar em consideração e detalhar todo o mercado farmacêutico. E, ao estudar esse mercado, Joice viu que ele apresenta falhas, do ponto de vista econômico. “O consumidor não tem poder sobre o que vai comprar. Primeiro porque não é ele que escolhe, mas o médico quem receita. Depois, porque há manipulação de informação, por parte da indústria”, diz Joice.

Segundo ela, muitos dos produtos lançados têm o mesmo efeito que outros, tradicionais, conhecidos no mercado. “Eles são relançados com outra embalagem e outro nome”, comenta.

Além disso, o comportamento de uma parcela dos médicos diante dos genéricos é questionado pela pesquisadora. “Há quem prescreva medicamentos por inércia ou porque está acostumado com um tipo de remédio”, diz Joice. Ou, ainda, por preconceito, mesmo tratando-se de medicamentos testados e aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Se quem está pegando a receita é um paciente de classe mais alta, talvez essa pessoa com maior poder aquisitivo não se importe, até porque muitas vezes ela se torna fiel à determinada marca. Mas tem médico que sonega informação para pessoas de classe mais baixa, enquanto teria a obrigação de dizer ao paciente que ele tem a opção de usar o remédio mais barato, já que nem todos os remédios não-genéricos são distribuídos nas redes públicas.”
Um dos problemas apontados pela pesquisadora é a indústria farmacêutica se aproveitar do fato de o medicamento ser um produto de necessidade básica. “Classificamos, do ponto de vista econômico, como inelasticidade da demanda, ou seja, o bem é tão necessário que a pessoa não vai deixar de comprá-lo mesmo se o preço estiver mais alto”, explica.

O trabalho aponta considerável aumento do preço médio de medicamentos nos últimos anos. Entre 1989 e 1998, o preço médio brasileiro subiu de US$ 1,31 para US$ 6,4. “Nesse período, houve aumento da população, diminuição do consumo e aumento do preço médio. A indústria lucrou. No fim da década de 90, por exemplo, esse faturamento superou a variação da inflação”, diz Joice.

A partir dessa constatação, a pesquisadora trabalhou duas possibilidades: ou a população deixou de consumir remédio ou o setor público aumentou a distribuição de medicamentos. “A dificuldade de abertura de dados não permitiu quantificar essas reduções de consumo.”

Desnacionalização – Os genéricos passaram a ser comercializados nos Estados Unidos a partir de 1984. “Esse mercado cresceu tanto que, dez anos depois, em 1994, consumidores economizaram entre US$ 8 e US$ 10 bilhões de dólares com o uso desses medicamentos”, afirma Joice. No Brasil, a desnacionalização da indústria é muito forte, assegura a pesquisadora. Em 1900, a participação das empresas estrangeiras no mercado nacional era de 2,1%. Em 1980, era de 87,7%. De 1936 a 1983, 43 laboratórios nacionais foram vendidos a grupos estrangeiros. “O mercado de genéricos dos Estados Unidos equivale ao mercado farmacêutico brasileiro em sua totalidade”, compara.

Os medicamentos genéricos representam 7% das vendas do mercado farmacêutico do Brasil, cujo faturamento anual bruto é de US$ 7,5 bilhões. O setor público (governos federal, estadual e municípios) compõe 21% do mercado farmacêutico total. Segundo ela, o Brasil ainda importa mais remédios e matéria-prima do que exporta. Um levantamento detalhado na tese mostra que em número de itens a exportação até cresce, mas o valor não acompanha esse aumento. “Por isso é que há o déficit”, diz a pesquisadora. Entre 1989 e 1996, por exemplo, a exportação de fármacos (matéria-prima para a produção de medicamentos) cresceu 65% em itens vendidos, mas em valor subiu apenas 15%. No que se refere a medicamentos propriamente ditos, a venda para países estrangeiros cresceu 38% em itens, mas 30% em valor.

Segundo Joice, os genéricos são uma oportunidade de avançar na desconcentração desse mercado. No ano passado, o País contava com 642 tipos de genéricos registrados, ante os 13 de 2000. Eram 235 princípios ativos, ante os 13 em 2000. Das 29 apresentações dos genéricos (bisnagas, gotas, comprimidos etc.) existentes há três anos, o mercado cresceu para 2117, no ano passado. Dos 4 laboratórios existentes em 2000, o salto foi para 36, em 2002. Três dos quatro maiores fabricantes mundiais de genéricos estão no Brasil. Em 2002, o mercado brasileiro desse tipo de medicamento movimentou entre US$ 230 milhões e US$ 250 milhões, segundo a Abifarma. “E há potencial para crescer mais.”

Patentes – A questão das patentes também é uma preocupação de Joice no estudo da evolução da indústria farmacêutica brasileira e das políticas de assistência ao setor. “Na década de 60, cerca de 60% dos medicamentos não seriam lançados se não houvesse patentes. Só que, por outro lado, havendo patente não há competição: as empresas ficam acomodadas a não investir”, diz a pesquisadora. Para ela, os genéricos se tornaram um dos mais importantes mecanismos de competição. “O Brasil ficou sem patente desde a década de 60 até 1996. Se compararmos os anos 70 e 80, veremos que nos anos 80 houve mais desenvolvimento, porque havia política pública voltada para isso. Ou seja, não basta apenas não haver patente: tem que existir investimento ou incentivo do setor público para promover o desenvolvimento de matéria-prima”, ressalta.

“Durante as décadas de 80 e 90 investiu-se muito em produção em escala industrial”, lembra a pesquisadora. Mas a maior parte dos medicamentos ainda é produzida fora do País. “Hoje, há muita importação de fármacos e isso deixa a indústria brasileira vulnerabilizada”, diz Joice. Segundo o trabalho, o giro de recursos com aquisição de fármacos cresceu de US$ 230 milhões/ano na década de 80 para US$ 500 milhões/ano no início dos anos 90. “Muitas empresas vendem a matéria-prima por um preço muito mais alto para a filial aqui no Brasil, porque, se venderem pelo preço justo e então repassarem os lucros, terão de pagar impostos. Então, a produção de fármacos e de novas drogas é importante para acabar com essa dependência.”

Assistência – Joice dedica parte do trabalho ao detalhamento de algumas políticas públicas testadas para dar assistência farmacêutica, tais como o Grupo Executivo da Indústria Farmacêutica (Geifar, criado em 1963), a Central de Medicamentos (Ceme, instituída em 1971), o Grupo Interministerial para a Indústria Farmacêutica (Gifar, criado em 1981) e a Companhia Tecnológica de Campinas (Codetec, fundada em 1976). “Algumas delas tentaram incentivar a indústria, mas tiveram problemas porque se destinaram só à distribuição ou só à produção, eram unilaterais”, afirma.

Dentro do estudo de incentivo e participação política no setor farmacêutico, a pesquisadora faz um comparativo de recursos para aquisição de medicamentos distribuídos por quatro frentes de atuação do Ministério da Saúde: Farmácia Básica (distribuição de remédios em postos de saúde, sustentada pelos municípios e estados); Tratamentos Prolongados em Caráter Excepcional (programa sustentado pelo Estado, voltado para pacientes que precisam fazer tratamentos mais caros, como quimioterapia); Medicamentos Essenciais à Saúde Mental (gerido pelo Estado); e Programas Estratégicos (para tratamento de hanseníase, tuberculose, diabetes, aids e endemias). “Os gastos do governo que mais caíram foram os com programas estratégicos (queda de 17,91%, de 2000 para 2001). Isso se deu, principalmente, por causa de negociações e aumento da produção nacional, que fizeramos preços desses medicamentos caírem”, diz Joice.

Consumo – A pesquisadora dividiu a população em três grupos: com renda familiar de até R$ 150/mês; com renda familiar entre R$ 150 e R$ 800/mês; e um terceiro, com mais de R$ 800/mês, partindo de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Com base em cálculos de elasticidade de renda para consumo de remédios, a economista estima que, se a renda for aumentada em 10%, o consumo do primeiro grupo aumenta 1,8%, o do segundo aumenta 5,2% e o do terceiro grupo, 1,6%. “O consumo de remédios das classes de renda mais alta é menos sensível a variações de renda. O grupo de renda mais baixa recebe medicamentos da rede pública, por isso sua elasticidade é também baixa. Além disso, ganha tão pouco que, em muitos casos, mesmo sendo um bem necessário, o remédio deixa de ser prioridade”, explica Joice.

“O grupo intermediário é o que mais responde a alterações de renda e também preço”, diz. “Os genéricos afetam o grupo intermediário por reduzir seus preços. O grupo de renda mais baixa, por sua vez, pode ser beneficiado pela possível expansão da distribuição gratuita de medicamentos advinda da economia de recursos públicos, com compras de medicamentos mais baratos ou com a redução de gastos hospitalar e ambulatorial decorrentes da diminuição de interrupções de tratamentos medicamentosos”.

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