Vivemos uma época em
que a notícia cultural é sobretudo urbana
e predominantemente internacionalista. O campo aparece
quase tão somente como o cenário do
conflito agrário. Nesse quadro, tão
inevitável quanto o avanço da história,
as vastas reservas culturais do interior do país
estão sob risco contínuo de soterramento
e sufocação.
A música é um dos poucos produtos culturais
em que, no jogo assimétrico do mercado, o nacional
sobrepuja o internacional. Contribui fortemente para
isso a chamada música rural, que nas últimas
décadas se transformou técnica e tematicamente
na esteira do êxodo rural e das exigências
do mercado fonográfico, mas sem perder sua
força e vitalidade tal como acontecera,
antes, com o country americano.
O interesse da universidade
pela música sertaneja não é novo.
O professor José Roberto Zan, um estudioso
do assunto, lembra que já em 1910 o Mackenzie
promovia espetáculos de catireiros e cururueiros.
O preconceito contra a viola veio depois, no bojo
da inserção do país numa
conjuntura internacional em que se verifica o aprofundamento
da internacionalização do capitalismo,
como observa Zan, mas que surpreendentemente não
triunfou sobre a força do fenômeno cultural,
que demonstrou ser resistente o bastante para sobreviver
e até impor-se em mais de uma circunstância.
Mesmo a aproximação
da música nativa do pop internacional, que
parecia ser a rendição definitiva
da cultura rural, teve seu contraponto natural e espontâneo
no surgimento de uma plêiade de cantores, compositores,
instrumentistas e estudiosos alguns deles dentro
das universidades que fizeram o percurso contrário
e voltaram às velhas raízes com um refinamento
que foi além da cultura do resgate e ganhou
status de recriação e reelaboração.
E eis a música sertaneja como um dos elementos
da identidade nacional que não se deixou abater,
e que, em vez de enfraquecer, ganhou força.
Acerca deste assunto e de
suas ramificações no campo da cultura,
da sociologia e até da política, a entrevista
do professor Zan nesta edição é
tão interessante quanto instrutiva.