Processos e mecanismos do
sistema imunológico natural estão sendo
utilizados na Unicamp para o desenvolvimento de novas
ferramentas computacionais. Pesquisas com sistemas
imunológicos artificiais se inserem na fronteira
do conhecimento e permitem propor soluções
para problemas complexos ainda não atendidos
de forma satisfatória pelas tecnologias convencionais,
como a locomoção autônoma de robôs.
Mas os princípios imunológicos também
podem ser aplicados para melhorar a eficiência
de outras atividades, como logística e segurança
computacional, para auxiliar no planejamento e na
operação de linhas de produção
industrial, ou mesmo para acelerar o desempenho dos
computadores.
A Unicamp está entre
os cinco grupos mundiais a se debruçar sobre
essa área da engenharia de computação
que procura formalizar matematicamente o funcionamento
do sistema imunológico para reproduzir, em
computador, algumas de suas principais características
e habilidades biológicas, como capacidade de
reconhecimento de padrões e de processamento
de informação, adaptação,
aprendizado, memória, auto-organização
e cognição, entre outros.
Constituído por componentes
e mecanismos distintos, porém que atuam de
forma conjunta e notavelmente eficaz, o sistema imunológico
proporciona ao corpo humano resistência às
enfermidades. Os anticorpos, por exemplo, são
gerados por células denominadas linfócitos
em resposta aos antígenos (agentes infecciosos),
e sua presença em um indivíduo reflete
as infecções às quais o mesmo
já foi exposto.
Os linfócitos são capazes de desenvolver
uma memória imunológica, ou seja, reconhecer
o mesmo estímulo antigênico caso ele
entre novamente em contato com o organismo, evitando
assim o restabelecimento da doença. Portanto,
mecanismos de aprendizagem e memória dão
ao sistema imunológico a capacidade de extrair
informações dos agentes infecciosos
e disponibilizá-las para uso futuro em casos
de novas infecções pelos mesmos agentes
ou agentes similares.
Essas e outras peculiaridades
operacionais do sistema despertaram a atenção
de engenheiros e cientistas da computação,
que tentam simular mecanismos imunológicos
particulares com o objetivo de criar sistemas artificiais
similares para a solução de problemas
de engenharia. As pesquisas nesse campo começaram
há aproximadamente 15 anos e originaram um
novo ramo da teoria de sistemas inteligentes, os sistemas
imunológicos artificiais.
A partir do momento
em que se adquire um certo conhecimento sobre o funcionamento
de alguns mecanismos biológicos, como a produção
de anticorpos a um determinado agente infeccioso,
tornam-se possíveis os processos de formulação
matemática e implementação computacional
desses procedimentos naturais, explica Fernando
José von Zuben, professor do Departamento de
Engenharia de Computação e Automação
Industrial da Faculdade de Engenharia Elétrica
e de Computação (FEEC).
Fernando coordena na Unicamp
dois grupos de projetos integrados de pesquisa em
imunologia artificial: o Rebel (Robotics with Evolutionary
Behavior and Extended Learning) e o InfoBioSys (Informatics
and Biological System Group). Formados por 18 pesquisadores,
entre docentes e alunos, os grupos contam com recursos
do CNPq da ordem de R$ 200 mil para o desenvolvimento
de projetos nessa área tanto desafiadora quanto
promissora para a ciência.
Serão ainda necessários
muitos anos de pesquisa para se compreender grande
parte dos fenômenos orgânicos e celulares
envolvidos nos processos biológicos, principalmente
quando se procura agregá-los. No entanto, alguns
aspectos dos sistemas naturais já podem ser
implementados e utilizados para auxiliar ou substituir
o homem na realização de tarefas,
argumenta Leandro Nunes de Castro Silva, doutorado
pela Unicamp em engenharia imunológica e co-autor
de Artificial Immune Systems: a New Computational
Intelligence Approach, uma das duas únicas
obras sobre o assunto disponível na literatura
científica internacional.
Habilidades
Uma das qualidades mais interessantes do mecanismo
imunológico exploradas nos sistemas artificiais
é sua capacidade praticamente ilimitada de
encontrar soluções adaptativas para
mudanças imprevisíveis no ambiente,
revelam os pesquisadores. Basta observar que, independentemente
do corpo humano possuir uma quantidade limitada de
material genético e existir uma variedade quase
infinita de possíveis patógenos, o sistema
imunológico é capaz de reagir de forma
rápida e eficiente aos antígenos previamente
encontrados e a novos antígenos também.
Uma ferramenta computacional
análoga dessa habilidade poderia auxiliar o
processo de planejamento de uma indústria,
já que durante a operação podem
ocorrer variações em seu ambiente, resultando
na necessidade de se alterar os planejamentos previamente
definidos. A natureza dessas variações
ou eventos é ampla e cobre uma vasta gama de
possibilidades: algumas ocorrem freqüentemente
e são previsíveis (a falta de alguma
matéria-prima, por exemplo) enquanto outras
são imprevisíveis (um acidente que paralise
algumas linhas de produção).
A diversificação,
que permite ao sistema enviar simultaneamente vários
anticorpos contra uma grande variedade de agentes
infecciosos em diferentes partes do corpo humano,
é outra habilidade biológica adaptada
para a solução de problemas práticos.
Um software com características operacionais
similares poderia ajudar a tornar mais eficiente e
econômico o sistema de entregas de uma distribuidora
de bebidas. A partir da análise de todos os
dados envolvidos na operação, tais como
número de caminhões disponíveis,
distâncias a serem percorridas, custo das viagens
e tempo gasto nas entregas, o programa escolheria
as rotas com a melhor relação entre
custo e benefício.
A mesma ferramenta contribuiria
para a produção de chips de computadores
mais velozes que os atuais. O sistema otimizaria de
tal forma o posicionamento dos micro-componentes do
circuito que os bilhões de pulsos binários
percorreriam distâncias cada vez menores no
processamento de informações.
E há, é claro,
a aplicação da imunologia artificial
na detecção de intrusos (hackers) em
uma rede de computadores e na constatação
e eliminação de vírus e vermes
computacionais, áreas em que a analogia entre
proteção do organismo e segurança
computacional é mais evidente.
Embora não sejam objeto
dos estudos na FEEC, as pesquisas nesse segmento resultaram
em algumas propostas interessantes, porém sua
aplicação ainda esbarra no desconhecimento
de particularidades do funcionamento do sistema biológico
que são decisivas para o desenvolvimento e
o êxito de mecanismos artificiais de proteção,
observa Leandro.
Uma delas é a capacidade
do sistema imunológico de distinguir as células
e moléculas do próprio organismo, e
moléculas estranhas, que são, em princípio,
indistinguíveis. Se essa distinção
não ocorre, então uma resposta imunológica
é desencadeada contra as próprias células,
causando as doenças auto-imunes.
Os resultados do uso de um
sistema de detecção e neutralização
de vírus computacionais que não incorporasse
essa capacidade seriam, então, desastrosos:
poderia induzir o computador a erros grosseiros, como
a identificação errônea de softwares
legítimos como ilegítimos e a eliminação
equivocada desses arquivos.
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Natureza inspira a tecnologia
Idéias extraídas de
sistemas naturais já vêm sendo utilizadas
com muito sucesso para o desenvolvimento de ferramentas
tecnológicas capazes de resolver problemas
de complexidade elevada, cujas soluções
eram, até então, desconhecidas ou inatingíveis,
lembra Leandro, que a respeito do tema está
editando, em parceria com Fernando, Recent Developments
in Biologically Inspired Computing, coletânea
de textos de diversos autores sobre novas propostas
em computação inspiradas
na Biologia.
Devido ao seu grau de complexidade
e capacidade de processamento de informação,
aquele, dentre os sistemas naturais que tem recebido
maior atenção é o cérebro
humano. A inteligência artificial levou ao desenvolvimento
dos computadores como são conhecidos atualmente,
e vem sendo aplicada a problemas com representação
simbólica de dados, e problemas em diversas
áreas, como, por exemplo, busca e teoria
de jogos.
Na tentativa de criar sistemas de
processamento a partir de uma abordagem conexionista,
foram desenvolvidas as redes neurais artificiais,
que representam uma tecnologia fundamentada em várias
disciplinas como neurociência, matemática,
estatística, física, computação
e engenharia. Suas aplicações vão
desde o reconhecimento de padrões até
a otimização
de funções e aprendizagem
de máquina.
A computação evolutiva
e os algoritmos baseados em comportamentos coletivos
de animais são duas outras linhas de pesquisa
em computação inspiradas na natureza.
Ambas procuram reproduzir em computador as formas
de processamento e troca de informação
realizadas em ambientes naturais, com diversas aplicações
que vão desde problemas de engenharia até
produtos
de entretenimento.
Essas novas abordagens constam do
currículo regular da pós-graduação
da FEEC, que oferece aos interessados a chance de
aprofundar conhecimentos em disciplinas como redes
neurais, computação evolutiva e introdução
à computação natural.
Para saber mais sobre esses assuntos, particularmente
sobre sistemas imunológicos artificiais, acesse
os sites: www.dca.fee.unicamp.br/~vonzuben
e www.dca.fee.unicamp.br/~lnunes.
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Uma tarefa desafiadora
A capacidade do sistema imunológico
de encontrar soluções para mudanças
imprevisíveis no ambiente vem sendo utilizada
pelos pesquisadores da Unicamp em experiências
bem-sucedidas com a navegação
de robôs móveis autônomos,
considerada uma das tarefas mais desafiadoras
da engenharia de controle e automação
por requerer a adoção de técnicas
refinadas de coordenação do comportamento
dessas engenhocas.
Nos testes, simulou-se o funcionamento
do sistema biológico da seguinte forma:
os módulos computacionais responsáveis
pela movimentação do robô
foram considerados os anticorpos da rede imunológica
artificial e as informações captadas
pelos sensores de distância e de luminosidade,
os antígenos.
Cada vez que lhe eram apresentados
os antígenos (um obstáculo ou
um beco sem saída, por exemplo), a rede
iniciava uma resposta imunológica que
se traduzia em uma reação do robô
para escapar da situação em que
se encontrava, atestando a eficácia da
ferramenta de navegação.
O mini-robô Khepera utilizado na simulação
mede 70mm de diâmetro e 30mm de altura,
pesa cerca de 80 gramas e locomove-se sobre
duas rodas. As experiências resultaram
na dissertação de mestrado Evolução
de redes imunológicas para coordenação
automática de comportamentos elementares
em navegação autônoma de
robôs, que será defendida
na FEEC, na segunda quinzena de julho, pelo
aluno Roberto Michelan.
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