Acostumado a obter consenso nas assembléias que
dirige, o presidente da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho, passou na última
segunda-feira (dia 14) pela experiência insólita
de ser vaiado por cerca de 500 servidores públicos
presentes na audiência pública realizada
na Assembléia Legislativa de São Paulo
para discutir a reforma da previdência.
Mais que um constrangimento
para Marinho, a manifestação serviu
como um termômetro para medir o descontentamento
dos servidores públicos com a proposta do
governo federal, e com a posição adotada
pela Central, que propõe mudanças
no texto original mas apóia o corte de alguns
direitos, como por exemplo a queda da integralidade
para os futuros servidores.
Preocupado com as perdas que
pode sofrer, caso prevaleça o conteúdo
original da proposta do governo, o funcionalismo
cobra uma posição mais combativa da
CUT em defesa dos direitos dos servidores. Isso
ficou mais do que claro quando, no mesmo evento,
a senadora Heloísa Helena (PT-AL), declaradamente
contra a reforma, foi ovacionada em sua exposição,
na qual reafirmou que votará contra o projeto.
Estamos sendo tratados
como bandidos, reclamou a professora universitária
Soraia Smali, refletindo o estado de espírito
da comunidade acadêmica. Marinho enfrentou
as vaias defendendo mudanças na Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) de número
40, encaminhada pelo governo ao Congresso. O
conteúdo original é altamente prejudicial
aos interesses dos servidores, reconheceu.
A frase, que em outros tempos arrancaria aplausos,
desta vez não foi suficiente para convencer
a platéia. Uma semana antes, Marinho afirmara
que o governo estaria cometendo um erro
ao manter a aposentadoria integral dos servidores.
Aos jornalistas, Marinho desabafou:
Quem quer discutir é vaiado e quem
quer a retirada da reforma é aplaudido.
Na tarde de segunda-feira, pouco antes de embarcar
para Brasília, onde participaria, na terça,
de um encontro com o presidente da Câmara,
João Paulo Cunha (PT-SP), e a Comissão
Especial formada para discutir a reforma, o presidente
da CUTl concedeu por telefone a seguinte entrevista
ao Jornal da Unicamp.
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Jornal da UnicampCom
as indas e vindas na reforma da Previdência,
qual a sua expectativa em relação
àmatéria que será votada pelo
Congresso?
Luiz MarinhoTenho a expectativa de
que o projeto original do governo sofra algumas
alterações. Estamos batalhando para
introduzir várias delas. Mas acho que, pelo
andar da carruagem até aqui, considerando
as posições das lideranças
no Congresso e a sinalização do governo,
a tendência é haver uma mudança
que inclua a transição na questão
da integralidade das aposentadorias, mantendo essa
integralidade para os atuais servidores, com uma
transição para os futuros servidores
implementando o teto de R$ 4.800,00.
JUO senhor fala
numa transição em dez anos. Como seria
isso?
MarinhoNa
verdade o que eu disse é que nós precisamos
estabelecer um teto, porque se não fizermos
isso daqui a dez anos vamos ter de voltar a discutir
o mesmo problema. Se mantivermos a integralidade
para os servidores atuais e para os futuros, o sistema
de previdência não se sustentará
e daqui a dez anos teremos de fazer outra reforma.
Por isso, acho que precisamos resolver agora esta
questão do teto para os futuros servidores.
JUNo último
dia 9 de julho, quando foi anunciado o acordo com
os líderes da base aliada do governo para
manter a integralidade das aposentadorias, o senhor
provocou reações no funcionalismo
público ao dizer que o governo estaria cometendo
um erro ao manter a aposentadoria integral
dos servidores. Alguns dias depois, o senhor passou
a defender a integralidade para os servidores. O
senhor mudou de opinião ou não foi
isso que o senhor quis dizer?
MarinhoNaquela
oportunidade (quando foi anunciado o acordo com
as lideranças), o governo acenou com a possibilidade
de integralidade para todos, ou seja, os servidores
atuais e também para os futuros. Foi contra
essa posição que eu me coloquei. Na
verdade, nós estamos discutindo a situação
dos futuros servidores. Os atuais, se fizermos uma
análise fria, já contribuíram
na base da integralidade. Mesmo que eventualmente
tenha alguma mudança, o judiciário
pode derrubar. Então é preciso ter
frieza nesse debate. Acho que é preciso discutir
mais os dados técnicos e a saúde do
sistema previdenciário. Tentar manter a integralidade
ad eternum, conforme o governo havia admitido fazer,
é desconsiderar as mudanças que o
Brasil precisa efetuar considerando os excluídos.
Temos aí as domésticas, que não
estão incluídas no sistema previdenciário,
os trabalhadores informais, os desempregados. São
quase 40 milhões de pessoas totalmente excluídas.
Então não dá para manter juízes
se aposentando com 17 mil reais, incluindo os futuros.
Até porque, quem já tem um alto salário
ao longo da carreira adquire patrimônio e
pode fazer um planejamento com o sistema complementar.
JUO senhor acha
que está faltando debate em torno do tema?
MarinhoAcho
que o debate está muito emocional. Os debates
e audiências públicas dos quais tenho
participado se resumem em discutir sobre quem é
contra ou a favor a reforma da previdência.
Isso é muito pobre. O que nós temos
de fazer é insistir na mudança do
conteúdo da proposta original do governo.
JUQuais seriam
as principais alterações segundo a
CUT?
MarinhoAlém da questão
da integralidade para os atuais servidores, tem
também a questão do cálculo
para a aposentadoria. A proposta original do governo
a esse respeito é prejudicial aos trabalhadores.
O governo fala em considerar a média de todo
o tempo de serviço, mas acho que temos de
considerar apenas de 94 para cá porque antes
disso não há nenhum sistema confiável
para o cálculo.
JUComo a CUT se
posiciona em relação à taxação
de inativos?
MarinhoÉ outro ponto no qual
estamos insistindo em mudanças. Nos posicionamos
contra a taxação, assim como propomos
elevar o teto de R$ 2,4 mil para R$ 4,8 mil.
JUEm relação
à paridade, o PT fechou questão se
posicionando contra. A CUT segue essa mesma posição?
MarinhoNão, a CUT não
segue a posição do PT. Defendemos
a paridade porque isso é importante para
o servidor não perder poder aquisitivo.
JUMesmo com as
indas e vindas em torno da questão, o senhor
acha que essa matéria será resolvida
ainda nesse ano?
MarinhoTudo indica que sim. Pelo que
as lideranças estão dizendo, até
setembro esse assunto deverá estar liquidado,
mesmo com as indas e vindas. Aparentemente não
haverá atraso.
JUCaso as propostas
da CUT não sejam incorporadas ao projeto,
como a entidade pretende conduzir o tema posteriormente?
MarinhoVamos continuar insistindo na
negociação porque a matéria
sairá da Comissão (Comissão
Especial) e vai para o plenário da Câmara
e, depois, vai para o Senado. Vamos insistir até
o final para incluir as mudanças que achamos
importantes para o conjunto do funcionalismo.
JUNo caso específico
das universidades públicas, o senhor não
acha que o fim da integralidade das aposentadorias
poderia prejudicar a pesquisa e a capacidade de
atrair novos talentos para o corpo docente?
MarinhoNão creio. Acho que ainda
será possível atrair novos talentos.
Isso dependerá mais da política do
governo para manter o poder aquisitivo. O que pode
acontecer, se o governo não levar em consideração
uma transição necessária, é
termos uma debandada dos veteranos, que ainda poderiam
ficar mais algum tempo colaborando com a pesquisa
em nossas universidades. Acho que é preciso
fazer um esforço para assegurar essa inteligência
acumulada nas universidades.
JUAlgumas alas
do PT estão se posicionando contra a reforma
da previdência. Como a CUT interpreta esse
movimento dentro do próprio partido do presidente?
MarinhoComo presidente da CUT, tenho
evitado comentar essa questão partidária.
JUMas o senhor
acha que o governo está conduzindo o assunto
de maneira correta?
MarinhoAcho que o conteúdo original
da proposta do governo é altamente prejudicial
para o funcionalismo. A proposta tem de passar por
várias mudanças e as mudanças
que a CUT sugere aperfeiçoam a proposta original
do governo. Acho que as mudanças propostas
correspondem com o estágio democrático
e as condições econômicas do
País.