WANDA
JORGE
Especial para o Jornal da Unicamp
O melhoramento genético
de variedades mais resistentes de café
e com maior teor de sacarose na cana-de-açúcar
motivou a parceria em andamento do Centro
de Biologia Molecular e Engenharia Genética
(CBMEG) da Unicamp com o Instituto Agronômico
de Campinas (IAC) e com a Cooperativa dos
Produtores de Cana, Açúcar e
Álcool do Estado de São Paulo
(Copersucar). A colaboração
entre os três centros de pesquisa envolvem
investimentos da ordem de R$ 600 mil para
3 anos de trabalho, com apoio da Fapesp, Funcafé,
Copersucar, Capes e CNPq.
Com o IAC, o objetivo
é identificar os genes de resistência
ao bicho-mineiro que ataca as folhas do café
e é considerado a maior praga em lavouras
localizadas, principalmente, nas regiões
do Cerrado Mineiro, no oeste da Bahia e na
Alta Paulista (Garça e Marília).
No trabalho com a Copersucar, a intenção
é detectar os genes envolvidos na acumulação
de açúcar para viabilizar a
criação de uma variedade transgênica
de cana, com maior teor de sacarose.
Os dois desenvolvimentos
estão situados no campo da genética
molecular de plantas, área de especialidade
do pesquisador Marcelo Menossi, professor
do Departamento de Genética e Evolução
do Instituto de Biologia e que desde 1999
lidera o Laboratório de Genoma Funcional,
no Centro de Biologia Molecular e Engenharia
Genética, também da Unicamp.
Os estudos desses genes são de interesse
agronômico e a meta é identificar
na planta o pedaço de DNA que controla
a característica desejada, seja para
a resistência a pragas ou para o aumento
de produtividade, esclarece o pesquisador.
Identificar esses
genes utilizando o método de marcador
celular é um avanço para o trabalho
de melhoramento genético, já
realizado há muitos anos por esses
grupos de pesquisa.O fator tempo é
o diferencial: pelo processo tradicional de
melhoramento genético, que inclui uma
infinidade de cruzamentos e descartes de plantas
produzidas em seus ciclos naturais, levaria
pelo menos dez anos; com a abordagem da biologia
molecular, esse prazo é reduzido pela
metade.
Quando se imagina
o impacto econômico desses melhoramentos,
a biologia molecular da plantas fica ainda
mais atraente. Menossi contabiliza alguns
números. O Brasil conta com um enorme
cafezal em seu território, de 5,5 bilhões
de pés em produção e
de 28 milhões a 40 milhões de
sacas (60kg) de café a cada safra (a
sensível variação de
produção é uma característica
de culturas anuais). O bicho-mineiro é
uma praga que afeta as duas principais variedades
plantadas no país: Coffea arabica,
conhecido como arábica, destinado ao
mercado de café moído e torrado
e que representa cerca de 70% da lavoura;
e Coffea canephora, ou robusta, usado pela
indústria do solúvel em 30%
da área plantada. Segundo o pesquisador,
o desembolso com defensivos e todo controle
fitossanitário para combater a praga
absorve R$ 12 do custo por saca. O desenvolvimento
de uma variedade resistente significaria uma
economia de grande impacto para a atividade
cafeeira, diz Menossi.
No caso do complexo
sucro-alcooleiro, na safra 2000/2001 o Brasil
produziu 257,6 milhões de toneladas
de cana, transformadas em 10,6 bilhões
de litros de álcool e 16,2 milhões
de toneladas de açúcar, gerando
um faturamento ao redor de R$ 13,7 bilhões
para o setor. A colaboração
entre a Unicamp e a Copersucar busca obter
uma variedade geneticamente modificada, que
contenha maior teor de açúcar
na planta. Um aumento da ordem de apenas
5% já representaria um acréscimo
de R$ 685 milhões por safra,
acrescenta.
Bicho-mineiro
O trabalho do CBMEG começou
há dois anos com o grupo de pesquisadores
do IAC, cujo programa de melhoramento genético
de café atua há 20 anos. A missão
do laboratório de genética molecular
é acelerar a identificação
do gene que confere maior resistência
da planta ao bicho-mineiro. Menossi assinala
que se trata da primeira pesquisa de resistência
a inseto no Brasil, usando técnicas
de biologia molecular.
A infestação
na planta começa com a mariposa, que
põe ovos sobre as folhas do café.
Num ciclo completo - que varia de 16 a 36
dias -, o ovo eclode dando vida à lagarta
que vai se alimentar da folha podendo reduzir
a colheita em até 50%. Estima-se que
uma planta de café tem cerca de 25
mil genes diferentes. O laboratório
da Unicamp analisou perto de dois mil genes
para identificar quais eram ativados somente
pelas plantas mais resistentes à praga.
Chegou-se a 35 genes mais ativos só
na planta resistente. Para produzir uma variedade
de café resistente é preciso
detectar, agora, quais dos 35 conferem resistência
ao inseto.
Para se chegar a esse
marcador molecular, o teste de laboratório
começa na retirada de uma porção
da folha onde está ocorrendo o ataque.
Ela é amassada para chegar a um extrato
contendo moléculas de RNA, intermediárias
entre o DNA e as proteínas, que desempenham
as funções da célula,
como defesa contra insetos, fungos, etc.
Cada célula
vegetal pode conter aproximadamente 10 mil
moléculas diferentes, representando
uma ampla gama de proteínas que mantém
as atividades celulares. A partir das moléculas
de RNA são feitos ensaios que permitem
identificar quais dessas moléculas
estão presentes somente em células
de plantas resistentes que foram infestadas
pelo inseto, mas que estão ausentes
nas células de plantas suscetíveis.
Na fase atual do trabalho com o café
serão utilizadas também outras
técnicas para identificar o gene de
resistência, o que Menossi avalia que
demorará cerca de um ano.
Oliveiro Guerreiro
Filho, coordenador do projeto de bicho-mineiro
no centro de Café Alcides Carvalho,
do IAC, explica que a seleção
de variedades resistentes ao bicho-mineiro
recebe várias abordagens, mas considera
que os métodos tradicionais de melhoramento
são os fundamentais. A expectativa
é que em seis a sete anos se chegue
a essa variedade resistente, pela abordagem
tradicional. Mas a técnica de
marcadores moleculares é um aliado
importante para acelerar o processo. Já
temos uma população com características
agronômicas promissoras, próximas
à variedade resistente. Já se
sabe que a resistência é devido
a apenas dois genes. Na abordagem molecular,
buscam-se outros genes envolvidos, também,
em resistência. Guerreiro acrescenta
que esses marcadores podem acelerar o trabalho
de melhoramento genético, como antecipar
diagnóstico nas plantinhas em estufas,
pois daí não é preciso
esperar que cresçam; com essa reprodução
assistida se descartam as suscetíveis.
Considero que o mais importante é
a integração de equipes de biologia
molecular com equipes de melhoramento genético
bem estruturadas: reprodução
assistida com marcadores é um aliado,
acrescenta o pesquisador do IAC.
A equipe de melhoramento
genético do IAC tem 10 pesquisadores
e os trabalhos para obter uma variedade resistente
ao bicho-mineiro começaram com o cruzamento
da espécie Coffea racemosa, nativa
no leste africano, em Moçambique, com
a Coffea arábica. Guerreiro destaca
que, além dos ganhos econômicos
proporcionados por uma variedade resistente,
existe também o impacto altamente positivo
no aspecto social, ao reduzir o uso de agrotóxicos
e conseqüente risco dos que trabalham
com eles na lavoura, assim como no ambiental,
diminuindo a contaminação do
lençol freático com defensivos,
em áreas onde a lavoura de café
é irrigada, como no oeste da Bahia.
Em busca da cana
transgênica Na cana-de-açúcar,
o trabalho da Unicamp aproveitou os resultados
do Projeto Genoma, realizado com dezenas de
laboratórios do Estado de São
Paulo durante quase três anos que, ao
final, identificou 43 mil genes. A partir
desse banco de genes, os pesquisadores buscaram
cruzar informações entre aqueles
que pareciam ou estavam envolvidos de alguma
forma com o metabolismo de sacarose. Identificaram-se,
então, sete genes que transportam açúcares
e que são mais ativos nos gomos mais
próximos à raiz, nos quais se
acumula mais açúcar.
O próximo passo
é criar plantas transgênicas
com algum desses genes. Menossi avalia que
deve demorar cerca de um ano para se chegar
a esse gene que mais acumula açúcar
e que poderá ser transferido para se
criar uma variedade com essa característica.
Ela deverá, ainda, ter uma avaliação
cuidadosa sobre composição nutricional,
possíveis toxinas, compostos que causam
alergia, etc. antes de se tornar comercial.
A variedade transgênica será
produzida nos campos de experimentos da Copersucar,
enquanto as análises da composição
poderão ser feitas por empresa especializada
na área, acrescenta.
No CBMEG estão
em andamento outras duas pesquisas de doutorado,
complementares a esse conhecimento, para analisar
os cruzamentos de duas variedades - com muito
açúcar e com pouco açúcar,
para encontrar genes mais ativos no transporte
de açúcar na planta.
A previsão, nesse caso, é analisar
perto de cinco mil genes.