A
terra e a história
terra
é uma das questões centrais da sociedade
brasileira, uma vez que ela deixa de ser utilizada para
a produção de alimentos e se transforma
em reserva de valor e patrimonial, servindo inclusive
como garantia ao sistema financeiro em ocasiões
de empréstimo ou financiamento buscado pelo proprietário.
A realidade assustadora do campo é apontada pelos
indicadores do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra).
Os
27 maiores proprietários do país ocupam,
hoje, área igual à do Estado de São
Paulo; se ampliarmos o leque para os 300 maiores, devemos
juntar ao território paulista o Estado do Paraná.
Mesmo com o intenso êxodo urbano ocorrido décadas
atrás, vivem atualmente em áreas rurais
32 milhões de pessoas, na maioria camponeses retirantes
e assalariados. Apesar da dificuldade de acesso ao crédito,
os médios e pequenos agricultores têm sido
os principais produtores de alimentos no país.
O
professor da USP Ariovaldo Umbelino, ao falar no I ENU
sobre A Terra e a História, avaliou
que a realidade do campo brasileiro tem impulsionado o
MST a se consolidar como movimento capaz de ameaçar
a propriedade privada e, por isso, o governo Fernando
Henrique se empenha em destroçá-lo.
Já é momento, salienta, de a terra perder
seu caráter de mercadoria e de inverter as regalias
dos grandes proprietários, cuja única obrigação
é pagar o Imposto Territorial Rural (ITR) que,
ainda assim, não é quitado em boa parte.
Círculo
de poder No Brasil, a luta pela posse da terra
relaciona-se com o processo secular de concentração
fundiária, que vem desde a concessão das
sesmarias durante a colonização. Nem
sempre a terra era utilizada, mas era apropriada até
onde o sesmeiro pudesse fincar seus marcos de poder,
lembra a professora Leonilde de Medeiros, da Universidade
Rural do Rio de Janeiro. O círculo de poder em
relação à terra impedia também
que mestiços e bastardos tivessem direito à
propriedade. Mais tarde, para tornar os colonos ainda
mais subservientes, os latifundiários criaram o
sistema de hierarquia pelo qual o bom colono tinha acesso
à terra.
Presente
nos 500 anos de história do país, a concentração
de terras foi ao longo do tempo objeto de inúmeras
mobilizações contestatórias. Os quilombos,
Canudos e as Ligas Camponesas de Francisco Julião
foram exemplos de luta das forças políticas
nesse sentido. Bandeira da qual o regime militar se apropriou
ao criar o Estatuto da Terra. Se esse estatuto, por um
lado gerou condições de desapropriação,
por outro levou não ao desenvolvimento, mas o desenvolvimento
tecnológico ao campo e, com isso, intensificou
a urbanização, aumentando os conflitos no
meio rural e na cidade. Esta foi a combinação
fundamental para que a luta pela terra fosse retomada
pelos camponeses.
Braços
da repressão A construção
jurídica brasileira em torno da terra gera uma
cerca abstrata, pela qual os juízes podem ser vistos
como braços do Estado na repressão, assim
como a polícia e os jagunços. É a
avaliação do jurista Miguel Baldez, para
quem, em tempos de neoliberalismo, a luta no campo não
é contra o latifúndio e sim contra o capital.
Baldez concedeu a palestra A Terra e o Direito.
Crítico das regras da questão fundiária
presentes na Constituição, ele adverte que,
enquanto o MST estiver ocupando terras improdutivas, o
movimento estará cumprindo o que determinam as
leis.
Numa
outra linha de raciocínio, a institucionalidade
não pode ser ignorada, na opinião do professor
José Carlos Garcia, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Sendo assim, cabe ao MST aproveitar-se
das brechas e construir o movimento. O momento da
globalização é também o da
criminalização dos movimentos sociais. A
burguesia também globaliza a repressão,
observa.
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A
terra e a mídia
A
construção de uma imprensa verdadeiramente
popular é uma das tarefas dos que querem um novo
projeto para o Brasil. Em defesa desta idéia, o
jornalista Raimundo Pereira, da revista Reportagem, discutiu
na palestra A Terra e a Mídia o processo
de satanização ao qual o MST vem sendo submetido
pela mídia dominada pelos grandes grupos. Para
defender seus interesses, a burguesia consegue mentir,
ainda que contando verdades, argumenta.
Pereira
reforça que, a serviço do neoliberalismo,
a mídia trai o que um dia ela representou. Desde
a aprovação da primeira grande lei de liberdade
de imprensa e do aparecimento dos jornais populares, a
partir de 1919, quando as massas passaram a se movimentar,
a imprensa dilui a perspectiva histórica dos fatos
e consegue gerar a desinformação,
acusa.
Para
exemplificar, o jornalista cita os fatos ligados ao ataque
contra o World Trade Center, em setembro passado, e a
conseqüente resposta em forma de toneladas de bombas
sobre ao Afeganistão. Apresentando esses
fatos como guerra ao terror, a mídia
deixa de informar que o inimigo atual dos norte-americanos,
o Taleban, foi financiado com dinheiro dos EUA, país
que jogou duas bombas atômicas sobre o Japão
e o agente laranja sobre o Vietnã.
Dentro
da lógica do capitalismo reproduzida pelas emissoras
de tevê, algumas das grandes questões são
pasteurizadas e transformadas em ficção.
Um exemplo lembrado pelo jornalista José Arbex,
da revista Caros Amigos, deu-se logo após o massacre
de Eldorado dos Carajás, com a apresentação,
pela Rede Globo, da novela O Rei do Gado.
E, coincidentemente, logo depois do ataque ao WTC,
a emissora leva ao ar O Clone, que se propõe
a mostrar o Islã, levando muitas pessoas a acreditar
que conhecem esses assuntos pelo que viram na tevê,
comenta Arbex. Para ele, ao mostrar a luta dos trabalhadores
rurais pela terra como desordem, a mídia produz
o apagamento histórico desta batalha,
que não é nova. O MST nasceu 500 anos
atrás, destaca.
Entrelaçamento
Se no campo da mídia o neoliberalismo se
empenha em satanizar a luta dos trabalhadores, a cultura
ditada pelas regras dos grandes interesses passa a estar
ligada ao consumo. Para reverter esta situação,
o novo projeto para o Brasil deve propor o entrelaçamento
da cultura de massas, da cultura erudita ligada às
universidades e do autodidatismo cultural. A tese foi
defendida pela professora Dilma Melo, da USP, durante
a palestra A Terra e a Cultura.
A
utilização da cultura como resistência
ao poder dominante é também uma das formas
de enfrentá-lo. Por compactuar com esta idéia,
o dramaturgo Augusto Boal está repassando aos camponeses
do MST as técnicas do Teatro do Oprimido, que revolucionou
as artes na década de 60 e, a partir da visão
política dos fatos, se propôs a levar cultura
para o povo. Boal entende que a concretização
de um Brasil socialmente mais justo passará pela
solidariedade entre as pessoas na construção
de um grande projeto popular. O ato de transformar
é transformador. Belos pensamentos têm de
ser transformados em atos, ensina.
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A
terra e a economia
Ostentando
o posto de país com uma das piores distribuições
de renda do mundo e um índice de subemprego em
torno de 25% da sua força de trabalho, o Brasil
caminha para consolidar-se como sub-nação.
A extrema dependência internacional e a forma com
que a propriedade foi instituída desde o início
de sua história são algumas das causas para
este quadro. Metade da riqueza passa pelo Estado
e, por isso, as ações políticas são
centrais na discussão de um Brasil menos dependente
e socialmente justo, afirmou o professor Francisco
de Oliveira (foto abaixo), da USP, na palestra A
Terra e a Economia.
Para
o professor, a reforma agrária é necessidade
urgente em um país onde 80% das exportações
que sustentam os supérfluos e o pagamento
da dívida externa provêem da agricultura
e da pecuária e são dominadas pelo agribusiness.
A terra, defende Oliveira, é o elemento central
que estrutura uma sociedade. Impedir a transformação
do Brasil em sub-nação, a seu ver, dependerá
de uma nova estrutura de distribuição da
terra. Somente a reforma agrária pode levar
a produção para as grandes massas brasileiras,
acredita.
Plínio
de Arruda Sampaio Júnior, professor da Unicamp,
afirma que a pobreza e a exclusão a que são
submetidos milhões de brasileiros foi opção
feita pela elite e não pelo povo. A desigualdade,
considera o economista, impede o Brasil de ser verdadeiramente
uma nação. Vivemos em um país
onde os salários estão entre os menores
do mundo. Isso impede o consumo e torna sua economia de
segunda categoria, denuncia. Sampaio Jr. avalia
que, para que um Brasil novo possa ser construído,
é necessário vencer os interesses dos que
bloqueiam o acesso à terra. Os inimigos dessa conquista
seriam todos os que vivem da superexploração
do trabalho e estão comprometidos com a modernização
do consumo, que exige exclusão. O país
passa esses tempos sob o jugo do neoliberalismo, por um
processo de redenção colonial, ou seja,
estamos voltando a ser colônia, afirma. Por
isso, finaliza o professor, o grande desafio de quem luta
por mudanças é construir uma correlação
capaz de derrotar as oligarquias.
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Brasil,
o que fazer por ele?
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