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Brasil, o que fazer por ele?
Dois mil universitários de vários estados reúnem-se na Unicamp
para discutir como construir um país novo

MARIA DO CARMO PAGANI

ighian Damar, estudante de pedagogia da Universidade Estadual da Bahia, é de origem camponesa, é mulher e negra. Rafael Paes Henriques, que se define como filho da burguesia, é aluno de comunicação social da Universidade Federal do Espírito Santo. Demétrios e Fermanda são de Lavras (Minas Gerais), militam no movimento estudantil e em um partido de esquerda. Apesar das diferenças de gênero, etnia, classe social e do modo de atuação na luta pela transformação política e social do país, eles têm em comum, além do fato de serem universitários, a consciência sobre a importância de se buscar um Brasil novo e livre da desigualdade e da exclusão, socialmente justo.

Essa consciência levou os quatro jovens a engrossar as fileiras de um contingente de dois mil universitários de vários estados brasileiros, que participaram, no Ginásio Multidisciplinar da Unicamp, do I Encontro Nacional dos Universitários (ENU), de 1 a 4 de novembro. O objetivo do encontro, organizado por entidades estudantis, sindicais, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Unicamp, foi o de discutir um novo projeto para o Brasil, sob a ótica da questão fundiária, num período em que a sociedade brasileira vive o jugo da política neoliberal, aceita e praticada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O I ENU reuniu em palestras os principais pensadores, estudiosos e militantes da luta pela reforma agrária no país.

Para a construção de um Brasil sem exclusão, discriminação e socialmente justo, aponta João Pedro Stédile, um dos líderes do MST, é indispensável a constituição de uma frente de todos os partidos e organizações populares, na qual devem ser deixadas de lado as diferenças em busca de um ideal: o de varrer o imperialismo do país. “Só a luta de massas, e não as assembléias e os discursos, mudam as pessoas. Temos de nos desapegar do sectarismo e nos unirmos, pois somos do mesmo povo”, bradou Stédile.

A grande questão - Parodiando Wladimir Lênin, o dirigente do MST arriscou as respostas para a pergunta “o que fazer?”. Stédile entende que o Brasil vive um momento onde não cabe o debate sobre como virão essas transformações, se por reformas ou revolução. “Não tenhamos a expectativa de que estamos plantando alfaces para colhê-las em seis semanas. Temos de plantar árvores que darão os frutos capazes de mudar nossa história. E isso não quer dizer que estamos adiando nossa utopia”, argumenta. Para construção de um novo Brasil, considera Stédile, é fundamental o fim da concentração da propriedade da terra. E, também, a suspensão do pagamento da dívida externa e o rompimento com o imperialismo.“Cálculos do economista Celso Furtado apontam que, no auge do período colonial, entre 1650 e 1850, os países dominantes retiraram do Brasil, em ouro e prata, o equivalente a US$ 1,5 bilhão. Para pagar a dívida externa, o governo FHC remete US$ 54 bilhões por ano para o FMI”, destaca.

Fora o rompimento com o FMI, Stédile defende a estatização dos bancos como uma das principais ações para a construção de um país mais justo. “É absurdo que 74% do Orçamento da União sirvam para o pagamento dos juros da dívida interna, ao invés de serem investidos em educação e a saúde para o povo brasileiro”. Outras tarefas a serem executadas nesta direção, e importantes para “mudar a ideologia do povo”, acredita Stédile, são o fim do monopólio dos meios de comunicação – “meros mecanismos de dominação ideológica” –, além de um movimento de revitalização da cultura brasileira. “Precisamos recuperar os valores históricos da sociedade, que são baseados no socialismo, no coletivo”, pontua.

Romper padrões - Ao virar a página da história na era Vargas e entregar o Brasil ao neoliberalismo, o governo Fernando Henrique interrompeu o processo de construção nacional, importantíssimo para a fixação de um Estado soberano, entende Plínio de Arruda Sampaio, diretor do jornal Correio da Cidadania e um dos maiores especialistas brasileiros em reforma agrária. “Chegar a um novo país vai depender de nossa capacidade de pensar fora dos padrões que nos são impostos pela classe dominante. Não é mais possível aceitar que a produção brasileira seja voltada apenas para 30% da população e que os outros 70% fiquem sem acesso a ela”, acentua.

A construção deste novo Brasil, acrescenta Sampaio, precisa se basear em um projeto alternativo de sociedade que inclua a reforma agrária e também a reforma urbana, a descentralização da política industrial, educação e saúde e melhor distribuição de renda para o povo. “Vamos usar, para mudar o país, o que temos em abundância: a terra ociosa, a força de trabalho. Em vez de fabricar telefones celulares para uma minoria, vamos optar pelos 70% dos brasileiros sem acesso ao mercado”, pondera, ressalvando que as mudanças propostas evidentemente causarão reação da classe dominante e que esta tarefa poderá não ser concretizada com a rapidez necessária. “Mas temos que acreditar no inesperado”, afirma, apontando ainda que o momento brasileiro exige uma geração capaz de concretizar o que a realidade aponta como fundamental.

Não à Alca – A não integração do Brasil à Alca é uma das bases para a construção de um país socialmente mais justo. A avaliação é do ex-embaixador brasileiro Samuel Guimarães, também presente ao ENU. “Se o país compuser a Alca, a oportunidade do projeto alternativo se reduzirá drasticamente”, assinala. Na avaliação de Guimarães, por conta das características específicas do nosso país no que se refere à sua dimensão e riqueza, podemos ser menos dependentes das nações dominantes, o que deve ser considerado no projeto alternativo. “O Brasil só é pequeno na cabeça das elites”, afirma. Neste sentido, ele considera que, além de crucial para políticas de emprego e de distribuição de renda, a reforma agrária tem outra “importância extraordinária”: a de alimentar a população.

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Universidade aberta

RComponente fundamental de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil, a discussão sobre a reforma agrária se torna ponto indispensável de debates nas universidades. A participação de dois mil universitários no primeiro encontro nacional com esta finalidade comprova a afirmação. “A universidade tem de romper a tendência de fechar-se em torno de si mesma e passar a discutir e ampliar as atividades relativas aos temas ligados aos excluídos”, opina o professor Luís Carlos Guedes Pinto, um dos organizadores do 1o ENU, lembrando que estas instituições são financiadas com dinheiro público e que, por conta disso, têm de voltar suas ações para as questões rela-cionadas ao povo.

A importância do 1o ENU, na opinião de João Pedro Stédile, foi a de contribuir para uma formação mais cidadã dos jovens das universidades e, com isso, formá-los para que possam “ajudar o Brasil”. Iniciativas desse tipo, afirma, evitam a transformação das universidades em “lojas de ensino voltado ao mercado”, como pretende o neoliberalismo. A presença de dois mil universitários na discussão de um novo projeto para o país, assinala Plínio de Arruda Sampaio, é um fato inédito e histórico. “O ginásio da Unicamp se transformou em uma grande sala de aula sobre o Brasil”.

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A terra e a história

 


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