Para
tocar corações
CARLOS
TIDEI
panorama
é aterrador: dos estimados 6 bilhões de
habitantes do mundo, cerca de 1 bilhão passam fome;
1,2 bilhão vivem com menos de um dólar por
dia; 2 bilhões não têm acesso a água
potável; e 1 bilhão sofrem de anemia. As
estatísticas sobre pessoas que morrem de fome por
ano são conflitantes: variam de 9 milhões
(The Hungry Site) a 30 milhões (Geopolítica
da Fome), dependendo do organismo que fez o levantamento.
Segundo a ONU, 8 milhões de crianças falecem
por ano porque não têm o que comer.
A
média de mortalidade por falta de alimentação
equivale a nove World Trade Center por dia, ou 36 mil
pessoas, para fazer uma comparação com a
maior tragédia da atualidade as estimativas
vão de 24 mil a 82 mil óbitos diários.
Os números são frios. Não revelam
o sofrimento desta parte da humanidade condenada a perecer
sem a mais básica das necessidades.
No
Brasil estima-se que morram por ano 123 mil crianças
com até um ano de idade, pela fome ou em decorrência
da falta de amparo, segundo dados da Fundação
Abrinq. Temos 50 milhões de indigentes, de acordo
com pesquisa da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) a estimativa mais modesta conta 14
milhões de miseráveis. Os números
divergem em decorrência dos critérios para
classificação da pobreza, tais como renda
e consumo diário de caloria, que varia de 2.000
a 2.300k/cal. Em Campinas, dos 970 mil habitantes, 47
mil são indigentes.
Os
dados acima foram apresentados na abertura da II Semana
da Alimentação, promovida pela Faculdade
de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, como alerta
aos participantes sobre o quanto ainda precisa ser feito
para equacionar o problema da fome no mundo. A contribuição
dos engenheiros de alimentos é justamente a aplicação
da tecnologia e conhecimentos acadêmicos em processos
de processamento e reaproveitamento de alimentos, além
do balanceamento da dieta e orientação de
hábitos alimentares saudáveis.
Muito
do problema da fome no Brasil de hoje não está
na falta de alimento, mas na falta de o alimento chegar
em boas condições para a população,
além da questão econômica, resume
Gláucia Maria Pastore, diretora da FEA. Segundo
ela, o país apresenta características peculiares
em relação a outros onde inexistem alimentos
por escassez de terra ou devido a condições
climáticas adversas. Mas, de qualquer forma, o
Brasil ainda tem fome. Os debates da Semana de Alimentação
foram direcionados para propostas sociais contra a fome,
com informações que, se não contribuem
para o aprimoramento científico dos estudantes,
serão essenciais para nortear suas vidas profissionais.
Atitude
prática Maria Izabel Rodrigues, pesquisadora
de alimentos em áreas acadêmicas específicas
(como a biotecnologia) e que pouco têm a ver com
ações comunitárias, foi quem organizou
o evento, inspirada em seu trabalho voluntário
na Associação Amigos das Crianças
(Amic). Bel, como é chamada pelos colegas professores
e pelos alunos, é conhecida também como
verdureira por moradores de condomínios
de luxo, onde vende cestas de verduras para angariar fundos
que são revertidos em cestas básicas, distribuídas
a milhares de famílias de bairros pobres de Campinas.
Disse aos alunos que estava trazendo o S.O.S Fome
para a Universidade a fim de mobilizá-los em torno
de uma atitude mais prática em relação
à alimentação da população.
Os estudantes estavam muito alheios a esta realidade cruel,
como se vivessem num mundo à parte, justifica.
A
experiência de Maria Isabel, em seis anos de campanhas
de arrecadação de alimentos, revela que
há uma forte resistência do empresariado
e dos políticos em colaborar. Se os pedidos são
para construção de prédios ou outras
obras que apareçam, a receptividade é maior.
Atualmente as empresas estão mais atentas para
a questão da responsabilidade social, mas ainda
falta muito. É importante que a necessidade
da população toque os corações,
que as pessoas reservem um pouco de seu tempo para ajudar
o próximo, acredita.
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Comida
e inteligência
A
desnutrição tem pouca influência no
aprendizado e no desenvolvimento mental, segundo os médicos
Roberto Teixeira Mendes e Antonio Barros Filho, da Faculdade
de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O funcionamento
do cérebro ainda é um mistério para
os pesquisadores, mas sabe-se que em determinada época
da vida o ser humano elimina bilhões de neurônios
em função da seletividade de informações.
As pesquisas não revelam relação
entre a dificuldade de aprendizado e a falta de nutrientes.
O que se sabe é que a pessoa mal alimentada tem
pouca disposição para qualquer atividade,
destaca Teixeira, também pró-reitor de Extensão
e Assuntos Comunitários.
Teixeira Mendes explica que a capacidade de aprender e
o desenvolvimento intelectual estão mais relacionados
com outros fatores, como a educação, o exercício
do raciocínio, a experiência, o hábito
da leitura e o convívio social, do que com nutrientes.
Outro dado importante é que o indivíduo
mais culto, com maior conteúdo de conhecimento,
demora mais para ficar senil e perder seus neurônios.
É como se aquela pessoa com muito mais neurônios
e sinapses demorasse mais para perder a grande quantidade
de informações que assimilou, compara.
Mas
surgem informações animadoras: a desnutrição
no Brasil diminuiu significativamente nas últimas
três décadas. Há mais de 15
anos que não há registro de um caso de desnutrição
grave em Campinas, garante Antonio Barros Filho.
O acesso mais fácil aos alimentos não
significa que as pessoas sobrevivam de uma maneira digna,
ressalva Teixeira. Tais pessoas estariam incluídas
no contingente de 47 mil indigentes estimados em Campinas:
são aqueles que sobrevivem de forma humilhante
para um ser humano.
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Revolução
silenciosa
Para
o professor Plínio de Arruda Sampaio Júnior,
do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, a fome no Brasil
tem causa e efeitos estruturais. Estamos num processo
de reversão colonial de conseqüências
terríveis. O plano de estabilização
econômica segue a cartilha do FMI e atende aos interesses
da globalização e de multinacionais, o que
desmonta a indústria brasileira, quebra os mecanismos
de integração social e destrói a
identidade nacional. A sociedade brasileira é autoritária
e seu apodrecimento levará à barbárie.
Estamos próximos de uma revolução,
previne Sampaio. Ele acrescenta que o processo de mudança
sempre é traumático e, mesmo que demore
50 anos, inevitável.
Como exemplo da revolução silenciosa que
está ocorrendo, o professor cita a própria
universidade, onde as entradas possuem guaritas e todas
as salas têm grades. Parece um quartel e não
uma universidade, destaca. Outro sinalizador da
revolução é o Movimento Sem Terra,
que simboliza atualmente a organização das
massas contra o poder econômico. Eles descobriram
que não basta lutar por terra, querem é
mudar o modelo brasileiro, afirma.
Segundo Sampaio Jr., o que resolve o problema da fome
é a implantação de políticas
sociais. Mas adverte que o Estado não deve cumprir
o papel das entidades filantrópicas, e sim eliminar
os problemas estruturais para que essas entidades atuem
em campo mais fértil que o da simples distribuição
de comida. A fome é causada pela exclusão
social. Não vamos enfrentar o problema sem rupturas.
Assim como não é possível fazer omelete
sem quebrar o ovo, não existe parto sem dor. A
causa fundamental é a dependência do capital
internacional, reforça. Sobre o papel dos
intelectuais nesta mudança, que segundo ele será
feita pelo povo, cita Padre Vieira: Quem dá
direção ao barco é a vela. O povo
é o vento e o intelectual, a vela.
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A outra vida de artista
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