Voar
é possível
Portadores de necessidades especiais dão
show de dança sobre cadeiras de rodas
MARIA
ALICE DA CRUZ
strelas
brincando com sua própria luz, um brilho autêntico,
que emerge de dentro para fora. A coreografia Feliz,
inspirada na música Balada dos loucos e interpretada
pelo coreógrafo Carlos Faustini e a aluna Camila
Bôer, enche de cor o Teatro do Sesc-Campinas. Muito
bom, comenta o espectador. O que seria mostra de
dança em cadeira de rodas vira um show.
Maravilha,
define a estudante de educação física
Maraísa Cruz. No palco, as cadeiras e os movimentos
tornam-se leves. Na maioria das coreo-grafias, as cadeiras
são instrumentos manipulados com a habilidade de
quem nasceu para interpretar. Helena Pimenta, 67 anos,
integrante do grupo Arte e Vida sobre Rodas, de São
José do Rio Preto, tem razão: Minha
cadeira é minha sapatilha e me dá asas.
A
Balada de Choppin parece executada pelo próprio
corpo do dançarino baiano Luis Antonio Cruz, que,
sem muito esforço, arranca gritos de louvor do
público, formado por profissionais e estudiosos
envolvidos no ensino da dança para portadores de
deficiência ou não. Com um trabalho solo,
Cruz representa o grupo Rodança, de Salvador. Conta
que a equipe criou 13 coreografias e sete atos musicais
e que os demais integrantes só não vieram
apresentá-los porque faltou patrocínio para
a viagem.
Ao
dançar a música Bijork, de Arnaldo Antunes,
Chico Science e Nação Zumbi, Maristela Neri
de Godoy também brilha ao lado dos companheiros
da Companhia Artes sem Barreiras, de São Paulo.
Dançar para um Novo Olhar é a coreografia
de Ana Battosso, defendida com muita responsabilidade
e riqueza de expressão pelos integrantes do grupo.
A minha vida inteira, sempre dancei. Sofri um acidente
e quebrei a cervical. Esta relação com a
dança é tudo para mim, alegra-se Maristela.
O
grupo Três Mulheres e uma Dança, da Apae
de Santa Bárbara dOeste, interpreta Beatriz,
de Milton Nascimento e Chico Buarque. A equipe é
formada pela fonoaudióloga e professora de dança
Viviane Gonçalves Oliveira, a voluntária
Mary Nishiyna e Dayane de Oliveira, a primeira aluna de
Viviane. Dayane tem paralisia múltipla e iniciou
o trabalho há dez anos. Segundo Viviane, a dança
mudou muita coisa na vida da aluna, a começar pela
melhora na comunicação, no relacionamento
com a família e a sociedade. Paralisados ficam
os olhos dos espectadores ao ver Dayane no tablado. Para
dançar é só querer.
Há
pessoas que não têm deficiência e não
conseguem dançar, lembra a estudante de educação
física Maria do Carmo Freitas, uma das autoras
da coreografia Metamorfose, apresentada pelo grupo Ciad,
da PUC-Campinas. Na opinião dela, a deficiência
que o ser humano tem para olhar as qualidades do outro,
faz com que a sociedade não atente para o que os
portadores de deficiência são capazes de
realizar. A gente trabalha dentro das possibilidades
do portador, da mesma que se faz com uma pessoa que não
sabe dançar, explica.
A mostra, organizada pela professora Graciele Massoli
Rodrigues, fez parte do I Simpósio Internacional
de Dança em Cadeira de Rodas, viabilizado por professores
da Unicamp em parceria com outras entidades envolvidas
no ensino de dança. A estrutura de apoio foi garantida
por alunos da Escola Superior de Educação
Física de Jundiaí e pela equipe do Sesc-Campinas.
Bravo!, respondeu o público em pé.
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Carlinhos
de Jesus
quer absorver a técnica
Ao
terminar sua intervenção na mesa-redonda
Proposta de métodos de dança em cadeira
de rodas, o renomado dançarino e coreógrafo
Carlinhos de Jesus afirmou que levaria os números
de telefone de todos os participantes do I Simpósio
Internacional de Dança em Cadeira de Rodas, realizado
na Unicamp nos dias 5, 6 e 7 de novembro. Um encontro
como esse só vem me enriquecer profissionalmente.
É uma técnica que vou absorver dentro do
que faço. Na opinião dele, a iniciativa
das professoras Maria Beatriz Rocha Ferreira, Vera Aparecida
Madruga Forti e Eliana Lúcia Ferreira traz benefícios
afins para os portadores de necessidades especiais e para
os profissionais de educação física
e dança.
Carlinhos de Jesus coordena há dois anos o grupo
de dança da Associação Niteroiense
de Deficientes Físicos (Andef), no Rio de Janeiro.
Ele foi procurado pelo grupo, que queria participar de
paraolimpíadas. A idéia partiu deles
e eles me convenceram dançando. Nem chegamos a
conversar nada: quando cheguei, já começaram
a dançar e eu aceitei imediatamente. Eu vi a possibilidade,
o talento, a expressão, relembra. O dançarino
percebeu o que o grupo podia lhe acrescentar como ser
humano e como profissional. Hoje eles estão
prontos para uma olimpíada, reforça.
O samba é o ritmo predominante nas coreografias
criadas pelo coreógrafo. É preciso
fazer coisas alegres para eles dançarem.
Para
Carlinhos, o professor deve respeitar os limites e as
necessidades do aluno, independentemente da forma como
este se apresenta. Que diferença faz alguém
entrar andando em minha academia e eles em cadeiras de
rodas, se eu busco na dança uma expressão?,
questiona.
A
mostra realizada na Unicamp pode levar à criação
da Confederação Nacional de Dança
em Cadeira de Rodas, segundo anunciou a professora Eliana
Lucia Ferreira, idealizadora do simpósio, durante
sua intervenção na mesa-redonda da qual
participavam profissionais importantes tanto da área
de dança-esporte, como de dança-arte. Convidado,
Carlinhos de Jesus aceitou tornar-se membro da confederação.
Eliana revela que em 1990 o Brasil tinha apenas três
pessoas interessadas no ensino de dança em cadeira
de rodas; em 1998, existiam oito grupos formados e, neste
ano, foram registrados 35 grupos. Fora os que não
conhecemos, comemora.
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