Para
que não se esqueça
Unicamp,
então com década e meia de existência,
ainda vivia sua fase adolescente de descobertas, de efervescência
precoce no ensino e na pesquisa científica, e um
levantamento divulgado pela revista Veja já a colocava
em primeiro lugar entre as universidades brasileiras.
Seus pesquisadores ganhavam renome e a instituição
se consolidava como um dos núcleos científicos
de maior importância do Brasil. No Centro de Computação,
por meio do poderoso computador DEC-10, crianças
aprendiam a raciocinar em termos de educação
do futuro era o Projeto Logo, baseado nos
conceitos de Jean Piaget. Pequenos aprendizes, que a exemplo
da instituição viviam momentos importantes
e transitórios.
Mas
o que realmente marcou as gerações na época
foi a mão pesada do governador do Estado de São
Paulo, nomeado pelo regime militar. Paulo Salim Maluf,
ao determinar a intervenção na Unicamp,
produziu a mais grave crise já experimentada pela
instituição e abortou a primeira tentativa
de eleição direta na história de
uma universidade pública brasileira.
Naquele período a sociedade já respirava
os ares da abertura política. A anistia trouxe
de volta intelectuais e políticos do exílio
a longa palestra proferida pelo educador Paulo
Freire na Unicamp foi memorável. A abertura também
permitiu o desmonte da estrutura partidária, então
polarizada entre os que eram contra e os a favor da ditadura.
Pe-diam-se eleições diretas. A palavra de
ordem reverberava em variados setores de atividade e não
seria diferente na comunidade acadêmica.
Mesmo
que as manobras do governador tivessem conteúdo
aparentemente institucional, era notório o embate
ideológico provocado pela arbitrariedade imposta
à Unicamp. O objetivo era afastar os setores progressistas
do centro de poder na Universidade.
A
crise
A morte de seu fundador, em fevereiro de 1981, teria marcado
o início da crise na Unicamp, segundo algumas análises
da época. Zeferino Vaz funcionava como uma força
moral ainda capaz de apaziguar os ânimos e compensar
as lacunas institucionais a Universidade possuía
um estatuto emprestado da USP, que não mais correspondia
à realidade de sua evolução interna.
O
professor Eduardo Chaves, em As crises da Unicamp
na gestão do atual reitor, localizou a origem
da crise no momento em que o reitor Plínio Alves
de Moraes estabelece o quadro de atribuições
igualitárias para os coordenadores gerais (a-tuais
pró-reitores) em detrimento da margem de atuação
do coordenador geral da Universidade, Paulo Gomes Romeo.
O coordenador era identificado como homem de confiança
de Maluf na Reitoria e possível candidato à
sucessão do reitor.
A
intervenção
Portaria publicada no Diário Oficial do Estado,
que circulou no sábado de 17 de outubro, confirmava
as evidências veiculadas na imprensa da cidade ao
longo da semana. O ato assinado pelo reitor Plínio
Alves de Moraes, dois dias antes das eleições
diretas que indicariam o próximo reitor, exonerou
oito dos principais diretores de faculdades e institutos
da Unicamp e também 14 diretores da Associação
dos Servidores da Universidade de Campinas (Assuc), incluindo
o presidente Clóvis Garcia.
Interessava
ao governador nomear homens de seu grupo político,
entre eles o secretário de Educação
do Estado, Luiz Ferreira Martins, que também desejava
o cargo de reitor. Confirmavam-se as suspeitas do físico
Rogério César Cerqueira Leite, que denunciara
à imprensa o objetivo de colocar o secretário
como interventor. E o ambiente no campus já era
de clara intervenção. Martins de fato tomou
posse no Conselho Diretor, com os demais representantes
do governo Maluf, e apoiado por um pelotão de choque
da Polícia Militar de prontidão no Distrito
de Barão Geraldo. Em foto publicada com destaque
nos jornais, ele aparece deixando o prédio da Reitoria,
no dia 22 de outubro, debaixo de vaias e gritos de repulsa
de centenas de estudantes.
A
manobra política havia sido deflagrada no sábado
anterior, dia 10, por meio de outro ato administrativo,
publicado no Diário Oficial. Seis representantes
do Conselho Diretor foram substituídos por malufistas
do Conselho Estadual de Educação. O poder
de veto do governador nas duas maiores instâncias
de decisão passou a ser total.
O
endurecimento do processo surpreendeu e abalou a comunidade.
O economista e atual ministro da Educação,
Paulo Renato Costa Souza, na época presidente da
Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp),
classificou o ato como intervenção branca.
A realização de eleições para
compor a lista sêxtupla de reitoráveis, segundo
ele, seria a melhor resposta à interferência
de Paulo Maluf. O efeito da consulta, no entanto, significou
uma vitória moral, mas sem resultados práticos.
A
nota de repúdio do DCE e da Adunicamp divulgada
à imprensa denunciava os objetivos do governador:
interromper o calendário para a escolha democrática
do futuro reitor, comprometer o processo de abertura da
Reitoria e cessar as negociações com os
funcionários em greve.
A
crise ameaçava não só as eleições
diretas, mas também as pesquisas científicas
em desenvolvimento na Universidade. Um plano de nacionalização
da microeletrônica, com a instalação
do pólo industrial e de pesquisa de novas tecnologias,
ficara comprometido. As manchetes dos jornais Correio
Popular e Diário do Povo, em 18 de outubro, anunciavam
a intervenção e o alerta do físico
José Ellis Riper.
Num
comunicado à Secretaria Especial de Informática
em Brasília, Riper denunciava a impossibilidade
da implantação do Pólo de Microeletrônica
em Campinas por conta da intervenção do
Estado. Dias depois, um outro documento, subscrito pelos
cinco Comitês Assessores do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Tecnológico (CNPq) ao presidente
do órgão, Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque,
expressava a preocupação de que a
crise instalada na Unicamp possa afetar de maneira irreparável
o desenvolvimento de pesquisas realizadas pela instituição.
A intervenção ganhara repercussão
nacional e era manchete dos principais jornais e revistas
do país.
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