A
reação
Embora muitos professores tentassem, não havia
clima para aulas. Aqueles dias seriam de intensa mobilização
assembléias, debates, passeatas e
consulta à comunidade para a escolha dos nomes
da lista sêxtupla. A imprensa relatou as batalhas
de palavras e as barricadas física e moral nas
unidades atingidas. Professores, estudantes e servidores
avaliavam o movimento e discutiam a crise nos institutos
e faculdades.
Os
estudantes organizaram passeatas e assembléias
diante da Reitoria, no Restaurante Universitário
e no Ciclo Básico. O número de participantes
era avaliado em milhares pelos jornais. O movimento se
estendeu por Campinas em pelo menos três grandes
manifestações. Uma passeata como não
se via desde os anos 60, na Avenida Francisco Glicério,
foi recebida com chuva de papéis picados pela população.
Dois outros protestos A Noite em Defesa da
Universidade no Teatro Castro Mendes, promovido
pela Comissão de Justiça e Paz, e outro
no Paço Municipal tiveram a presença
das principais lideranças políticas e sindicais
do país.
Na
segunda-feira, 19 de outubro, que se seguiu à demissão
dos diretores e líderes dos servidores, o dia no
campus amanheceu sob chuva intermitente, o que não
impediu a realização de várias assembléias
setoriais. Na maior delas, de três a quatro mil
pessoas ocuparam as dependências do Ciclo Básico
e decidiram decretar o estado permanente de mobilização.
A reivindicação única: readmissão
de todos os exonerados pelo reitor.
Os
funcionários aprovaram o reinício da greve
suspensa na semana anterior. As atividades acadêmicas
foram interrompidas pelos estudantes e os professores
optaram pelo fortalecimento do Comando de Resistência.
Organizaram-se mutirões por todo o campus. Um grupo
de estudantes fez funcionar os restaurantes universitários.
No
encerramento da assembléia no Ciclo Básico,
o filósofo e escritor Rubem Alves narrou a Fábula
da Institucionalização. Eis um resumo:
Os urubus becados pela natureza desejavam ser cantores
e instituíram um concurso para distribuir entre
si títulos de cantor com o fim expresso
de expurgar os sabiás, os canários e os
pintassilgos, que ousavam cantar sem concurso. Cantar
sem a titulação devida era um desrespeito
à ordem. E os urubus em uníssono expulsaram
da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás....
Os
interventores
No dia 22 de outubro, quando os interventores chegavam
para a posse, o fotógrafo Fábio Yamashita
congelou uma imagem de repulsa: a foto mostra a chegada
do interventor Frederico Pimentel em direção
ao Instituto de Matemática, de terno e gravata
e segurando uma pasta 007; ele caminha apressado à
frente da turba enfurecida que grita palavras de ordem
contra a sua presença.
Outros
episódios descambaram para o patético e
hilário. O odontólogo Eduardo Daruge, ao
assumir a Faculdade de Educação, encontrou
a porta fechada; confuso, contornou o prédio e
pulou uma mureta, quando percebeu que tinha caído
no meio de uma assembléia de alunos. Na Filosofia,
o biólogo aposentado Paulo de Toledo Artigas, recepcionado
por 500 estudantes, enfrentou um corredor polonês,
tendo de passar por um tapete de moedas e romper uma faixa
com a frase autonomia universitária.
Os
interventores não chegaram a exercer de fato as
funções que lhes foram determinadas. Sob
pressão, renunciaram aos cargos e a maior parte
dos diretores exonerados acabou reintegrada por liminar
da Justiça, no final de 1981 e início de
82. Porém, a lista sêxtupla votada pela comunidade,
com o educador Paulo Freire como favorito, nem chegou
a ser apresentada ao governador. O movimento de resistência
perdeu forças e a administração aguardou
o momento mais oportuno para dar novos rumos à
crise.
No
dia 19 de fevereiro, o reitor Plínio Alves de Moraes
convocou o Conselho Diretor, reformulado, para a elaboração
da lista sêxtupla oficial a ser submetida ao governador.
Numa tensa reunião extraordinária convocada
em período de férias escolares, às
vésperas do Carnaval, a escolha recaiu sobre o
ex-diretor da Faculdade de Ciências Médicas
José Aristodemo Pinotti.
O
professor Eduardo Chaves declarou seu voto de protesto
pela maneira arbitrária com que foi conduzida
a reunião. Os representantes dos docentes
e discentes fizeram coro, apontando o processo eleitoral
como irregular. Não podemos deixar de sentir
repulsa e vergonha por vermos uma comunidade do saber
ser espoliada de seu direito e de sua dignidade
quer dizer de sua autonomia, finaliza a declaração
de voto dos representantes dos docentes.
O
nome de Pinotti, tido como ponto de equilíbrio
entre as forças internas e externas que dominavam
a situação, foi escolhido pelo governador
Paulo Maluf no dia seguinte. A posse no teatro do Centro
de Convivência, em 19 de abril, deu-se sob intensa
vaia dos estudantes. Uma semana depois o novo reitor baixaria
portaria anulando oficialmente a intervenção.
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