Método
pode embasar programas de prevenção
Pesquisa inédita sobre o suicídio
reitera importância de
aprimorar programas de prevenção
oltemos
a Camus. Ele também escreveu: Eu amo a vida,
eis a minha verdadeira fraqueza. Amo-a tanto, que não
tenho nenhuma imaginação para o que não
for vida. Camus morreu num acidente de carro na
França, em 1960, aos 46 anos. Blanca Werlang acredita
que, ao possibilitar a reconstrução do perfil
psicológico do suicida, a ESAP tese que
lhe conferiu o título de doutora em Ciências
Médicas na área de Saúde Mental pela
Unicamp pode embasar programas de prevenção,
corroborando e/ou identificando novos fatores de risco
e correlatos. Ela cita ainda a validade do método
para colaborar com médicos legistas e profissionais
de direito penal e cível, no esclarecimento
de casos de morte e processos judiciais.
Contudo,
no nosso meio, é ainda um tipo de avaliação
pouco divulgado, cabendo lembrar que se trata de uma estratégia
de avaliação complexa, até agora
sem muito rigor metodológico e ainda sem um modelo
de procedimento estruturado, relativiza.
Ciente
deste problema e entendendo que o suicídio é
um fenômeno que suscita-nos a preocupação
de auxiliar a promoção da saúde mental,
torna-se fundamental tentar diminuir o viés produzido
pela subjetividade no uso deste recurso de avaliação,
complementa. Por isso, sua proposta foi viabilizar um
trabalho de pesquisa para investigar a aplicabilidade
de um método cujos dados demonstrassem permitir
um grau razoável de concordância entre avaliadores.
Embora tenha sido bem sucedida, ela admite: Novos
estudos se tornam necessários, utilizando-se agora
um grupo controle de sujeitos com modo de morte duvidoso,
para poder ampliar a abrangência da estratégia.
Lembrando
que o suicídio é um fenômeno
multidimensional, Blanca informa: Nas últimas
décadas, o maior esforço tem sido na identificação
de fatores de risco, o que tem possibilitado reconhecer
grupos mais críticos e sua associação
com variáveis demográficas, psicossociais
e psiquiátricas associadas ao suicídio.
Após
constatar que estudos de autopsia psicológica
junto a populações suicidas de certas localidades
possibilitaram obter dados sócio-demográficos
e clínicos, a pesquisadora propõe
que tais conhecimentos subsidiem as ações
preventivas. Afinal, são fundamentais medidas
que auxiliem os indivíduos dessas comunidades a
encontrar outras alternativas para suas dificuldades,
insiste.
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A
intenção letal
Segundo
Blanca, além de demonstrar a intenção
consciente do falecido, é imprescindível
também analisar as suas características
psicossociais, para identificar os motivos que, ao longo
da vida, auxiliaram a estruturar a saída suicida.
Dentre os pontos chaves, a psicóloga destaca a
letalidade, pois o seu grau pode ser tomado como sinônimo
de suicidalidade. Ou, como ela resume: Avaliar
o grau de gravidade do gesto suicida pode nos mostrar
também a intenção letal do indivíduo.
Antes de chegar à banca examinadora da tese, os
dados foram avaliados pela própria pesquisadora
e por uma auxiliar, presente às entrevistas, no
papel de observadora, mas com postura independente. E
uma das etapas finais do trabalho consistiu em submetê-lo
a mais dois profissionais da área de saúde
mental (na tese, referidos como juízes),
ao quais couberam também fazer avaliações
independentes sobre cada caso pesquisado.
Para verificar o grau de concordância entre os avaliadores,
os dados foram processados sob os ditames da estatística
kappa do programa stata. Trata-se de um método
de cálculo, uma razão que pode ir da discordância
perfeita à concordância perfeita.
Foi possível demonstrar que a ESAP é
aplicável, porque fornece informações
que permitem um grau marcante de concordância entre
avaliadores. Tal grau de concordância foi verificado
por nada menos que 120 mensurações de julgamentos
em quatro situações diversas, comparando-se
avaliações de quatro juízes. Portanto,
é possível usar com confiabilidade um instrumento
semi-estruturado para autópsia psicológica
em casos de suicídio, conclui Blanca Werlang.
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Luto
é mais doloroso
Algumas
dezenas de entrevistas e uma tese. Colocado assim, soa
até fácil. Mas, ao relembrar o making off
de seu trabalho, Blanca não consegue esconder o
quanto foi tocada emocionalmente pelo drama dos familiares
e amigos das vítimas de suicídio. As
pessoas entrevistadas estavam ainda em processo de luto
diferenciado. A morte de um ente querido por suicídio
não é experienciada como um fato normal,
comum. A mobilização emocional é
bastante intensa, porque são abordados aspectos
muito sofridos. O luto, no caso, parece ser mais doloroso
e traumático, em função do impacto
provocado pelo inesperado do acontecimento, busca
definir.
Em função disso não só
é necessário administrar adequadamente esta
estratégia de avaliação, mas também
que o entrevistador, além de ter experiência
clínica, seja capaz de interpretar cientificamente
os dados obtidos e manejar as conseqüências
clínicas da entrevista, pela mobilização
afetiva produzida, acrescenta.
E qual o perfil dos suicidas incluídos na pesquisa?
A psicóloga constatou a predominância de
homens, com idade média de 39,7 anos, a maioria
de cor branca, solteiros, com 1º grau incompleto,
que se declaravam católicos mas em geral
não-praticantes e com situação
ocupacional precária em termos de produtividade
econômica.
As mortes ocorreram mais freqüentemente na própria
residência, por enforcamento. Predominaram na primavera.
O dia da semana em que mais se verificaram foi segunda-feira,
principalmente à noite.
No aspecto clínico, ela identificou fatores já
relacionados na literatura suicidiológica: impulsividadeA,
agressividade, labilidade de humor, problemas no relacionamento
familiar, história familiar de doença psiquiátrica,
traços ou sintomas de depressão, história
familiar de suicídio e
dependência de álcool.
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Pesquisa
sem similares
A
tese de Blanca Werlang foi orientada por Neury José
Botega, coordenador do Laboratório de Saúde
Mental no Hospital Geral e professor livre-docente do
Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria
da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da
Unicamp. Ele elogia o ineditismo da pesquisa da colega
gaúcha no Brasil, acrescentando: No levantamento
da literatura que fizemos, não encontramos similar
em outros países. Segundo o especialista,
a ESAP nasceu como instrumento forense, mas, com
o tempo, acabou sendo prioritariamente usada com fins
de pesquisa, em busca de fatores que pudessem nos auxiliar
na prevenção do suicídio.
Para Botega, o trabalho de Blanca resgata um aspecto importante,
tanto sob o ponto de vista metodológico de pesquisa,
quanto forense: Será que, num campo onde
existe tanta subjetividade, as avaliações
de duas pessoas coincidiriam? Os achados mostraram que,
dentro dos limites de nosso método, sim, há
concordância.
A partir do start dado por ela, o orientador acredita
que surgirão aprimoramentos. Porém,
certamente o roteiro elaborado pela Blanca é o
único que temos com tamanha consistência
e respaldo teórico. Agora é esperar que
mais estudos possam se desenvolver, a fim de que possamos,
cada vez mais, auxiliar pessoas e prever suicídios
passíveis de serem evitados, torce o professor.
Botega é também pesquisador do CNPq e autor
do livro Prática Psiquiátrica no Hospital
Geral: Interconsulta e Emergência (Artmed Editora),
que será lançado neste mês.
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