Edição nº 590

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de março de 2014 a 24 de março de 2014 – ANO 2014 – Nº 590

Estudo avalia impactos de efluentes em ETEs

Dissertação analisa efeitos de fármacos nas plantas de tratamentos de esgoto

As bactérias presentes nos cursos d’água se alimentam da matéria orgânica dos esgotos, contribuindo para a eliminação de parte da sujeira.  Isso explica porque rios extremamente poluídos voltam a ter peixes depois que as águas contaminadas tenham percorrido longos trechos (autodepuração). Uma estação de tratamento de esgoto (ETE) faz esse serviço muito mais rapidamente porque possui uma concentração de microrganismos muitíssimo superior à de um rio. Embora esse processo envolva várias etapas, o coração da estação de tratamento é o tanque de aeração, em que microrganismos presentes na água (esgoto) e no lodo se alimentam do material orgânico, tendo a voracidade aumentada pelo ar injetado.

As águas resultantes do esgoto tratado são então lançadas em rios e ao chegarem às represas são captadas para serem transformadas em águas potáveis nas estações de tratamento (ETAs), a partir das quais são distribuídas para o consumo público. Estas etapas envolvem o processamento do esgoto urbano e o tratamento da água adequada para consumo. Não fossem as ETEs, a utilização da água de um rio para o abastecimento público tornar-se-ia mais complexa e onerosa.

Em outra vertente estão as indústrias que também lançam águas servidas, mas com contaminantes bem diferentes e diversos em relação aos poluentes dos esgotos urbanos e que, por isso, além de tudo, precisam passar por tratamentos químicos e biológicos específicos. Em vista disso, a legislação vigente (resolução Conama nº 357, de 17 de março de 2005) obriga tanto as indústrias como os municípios a tratarem as águas lançadas em seus efluentes de modo a reduzir seus poluentes específicos ao mínimo aceitável ou mesmo a eliminá-los completamente. Nestes casos, o tratamento adequado para cada tipo de efluente é indicado de acordo com a carga orgânica poluidora e a presença de contaminantes tóxicos específicos.

Para garantir a eficiência desses processos, as indústrias precisam, após o tratamento, submeter a análises periódicas as águas que lançam nos rios. Em decorrência do déficit hídrico, principalmente nas regiões mais populosas, muitas indústrias têm interesse no reúso de parte dessas águas – pois parcela delas deve retornar aos rios com vistas ao reabastecimento hídrico e abastecimento público – para lavagens de máquinas, tubulações e pisos; nos vasos sanitários; nos sistemas de resfriamento e de geração de vapores; e no próprio processo industrial.

Esse foi o caso de uma indústria farmacêutica da região de Campinas que pretendia fazer reúso da água de seus efluentes, depois de tratada, para outros fins que não os da produção e estava preocupada em saber de sua adequação para tanto. O problema foi sugerido ao pesquisador da Divisão de Microbiologia do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA), biólogo Alexandre Nunes Ponezi, professor credenciado junto ao programa de pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. A proposta veio por meio da aluna Fernanda Fagalli Plaza, graduada em segurança do trabalho, que se propunha a estudar, durante o mestrado, os efeitos proporcionados à biomassa em sistemas de tratamento por lodos ativados pelos fármacos levamisol, trimetropim e sulfadiazina, principais produtos farmacêuticos da empresa para uso veterinário.

A biomassa de uma estação de tratamento de lodo ativado é capaz de se adaptar ao efluente recebido, mesmo quando esse contenha contaminantes específicos ao meio. Fármacos são considerados contaminantes emergentes lançados nos rios tanto pelo esgoto doméstico na forma de urina e fezes, como também pelo descarte indevido e pelos processos industriais. Os fármacos de uso veterinário podem contaminar as águas (superficiais ou subterrâneas) pela lixiviação do esterco depositado no solo como também pelo descarte incorreto das embalagens. Tanto em uma situação como em outra estes produtos podem ser captados por uma ETA e chegarem à população pelo sistema de abastecimento, embora presentes em concentrações muito baixas, sem efeito terapêutico no caso da grande maioria das drogas.  Os antibióticos sulfadiazina e trimetropim e o anti-helmíntico (contra parasitas) levamisol foram selecionados para estudo devido à produção em larga escala e possíveis efeitos quimioterápicos na biomassa de estações de tratamento de efluentes industriais.

O docente sugeriu, então, que inicialmente fosse verificada a adequação do tratamento industrial em relação à garantia de reúso dessa água a partir do perfil das drogas contaminantes em questão. Paralelamente ele propôs submeter o efluente industrial ao tratamento empregado nos esgotos domésticos, pois pretendia verificar o que ocorreria com estes contaminantes se esse efluente fosse direcionado acidentalmente sem tratamento para uma ETE municipal.

 

Propósitos e resultados

Ponezi esclarece que o objetivo principal do trabalho foi avaliar o potencial de biodegradação ou remoção das substâncias levamisol, trimetropim e sulfadizina por ensaios de biodegradabilidade previsto pela Organisation for Economic Co-operation and Developmente (OEDC), a fim de dimensionar seus impactos em estações de tratamento de esgoto municipal. Paralelamente, o estudo se propôs também a fornecer um embasamento para possíveis intervenções em cenários futuros nas estações de tratamento de efluentes industriais, buscando melhorias para o processo de tratamento do efluente da indústria farmacêutica. Para alcançar esses objetivos foi necessário avaliar o grau de capacidade de adaptação de uma biomassa específica em sistemas de lodos ativados, tanto domésticos como industriais.

Para tanto, amostras obtidas do esgoto da indústria farmacêutica foram submetidas ao tratamento em reatores apropriados no laboratório de Microbiologia do CPQBA, utilizando biomassas microbianas industrial e da Estação de Tratamento de Esgoto Municipal (ETE) Samambaia, da Sanasa, em Campinas. Os resultados experimentais mostraram que respostas distintas puderam ser observadas entre as duas fontes de biomassa utilizadas, ou seja, os lodos provenientes dos esgotos doméstico e industrial. Assim, o lodo proveniente da fonte industrial apresentou melhor respostas na simulação de tratamento na presença dos fármacos selecionados do que o lodo doméstico. Para o pesquisador, esse resultado já era esperado porque a biomassa de fonte industrial já está adaptada a este tipo de efluente nas mais diversas concentrações.  Já o lodo doméstico mostrou-se sensível às drogas estudadas, principalmente a sulfadiazina e o trimetropim, ocorrendo redução da biomassa nos reatores e consequentemente perda de 40% da eficiência do tratamento.

Para o pesquisador, “a adaptabilidade da biomassa frente aos fármacos estudados nos remete a considerações preocupantes em relação ao risco de desenvolvimento de superbactérias, com microrganismos muito resistentes à ação desses antibióticos”.

Os resultados obtidos das análises cromatográficas indicaram que os ensaios realizados com lodo industrial apresentam níveis adequados dos fármacos, isto é, abaixo do limite de detecção, exceto para sulfadiazina, que se apresenta em quantidades variadas conforme a concentração inicial aplicada. Já os resultados provenientes dos reatores operados com lodo doméstico indicaram baixa remoção e acúmulo destes compostos no reator.

Neste caso, afirma Ponezi, a ocorrência pode agravar ainda mais o problema, pois estes antibióticos também são utilizados na saúde humana. As consequências podem ser particularmente perigosas nos países em desenvolvimento, que utilizam sistemas de coleta e tratamento de esgotos precários e que não dispõem de sistemas eficientes e seguros para tratamento de água para consumo humano e animal e efetivamente preparados para eliminar a presença de fármacos e outros contaminantes. Neste último caso, em especial, mesmo nos EUA e na Europa, os sistemas de tratamento de água, em geral, não foram concebidos para eliminar medicamentos e hormônios.

Embora Ponezi constate que em geral os tratamentos dos efluentes industriais e domésticos no Estado de São Paulo se revelem eficientes e atendam a legislação vigente, deve preocupar e não ser descartada a possibilidade de que, devido à intercorrências inconvenientes, concentrações muito pequenas de antibióticos e outros medicamentos sejam liberados pelos sistemas de tratamento tanto industrial como doméstico retornando aos corpos d´água.

Para o pesquisador, os resultados mostram a importância de prevenir e evitar que acidentes em estações de tratamentos industriais possam causar desastres ecológicos de difícil reparação, como também de uma melhor participação da população no descarte correto de medicamentos, minimizando assim o impacto destes compostos químicos no ambiente.

Segundo Ponezi, uma pergunta é recorrente quando se trata do tema: “Conhece-se o efeito na saúde humana da presença de medicamentos na água potável?”. Sua resposta é: “Não sabemos ao certo!”. É verdade que os níveis dos medicamentos encontrados na água potável são muito baixos, mas, para algumas classes de produtos farmacêuticos especialmente hormônios sintéticos e antibióticos, há sempre uma preocupação, porque os hormônios agem em concentrações muito baixas e os antibióticos além de promover resistência bacteriana também podem agir como hormônios acentuando ainda mais o problema.

Ele conclui: “Não queremos que as pessoas se assustem e sejam levadas a pensar que não podem ou não devem beber água da torneira. Várias pesquisas estão sendo conduzidas a fim de elucidar se as atuais concentrações dessas substâncias na água de abastecimento podem causar algum efeito adverso na saúde humana e sobre a vida aquática”.

 

 

Publicação

Dissertação: “Efeitos proporcionados à biomassa em sistemas de tratamento de esgotos por lodos ativados pelos fármacos levamisol, trimitropim e sulfadiazina”
Autora: Fernanda Fagalli Plaza
Orientador: Alexandre Nunes Ponezi
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)