Edição nº 590

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de março de 2014 a 24 de março de 2014 – ANO 2014 – Nº 590

Lacunas marcam expansão da educação profissional técnica

Apesar de o número de escolas ter mais que dobrado, estudo aponta problemas

A educação profissional técnica de nível médio e tecnológica, na rede federal, deu um enorme salto entre 2003 e 2010. O número de escolas mais que dobrou no período, sobretudo a partir de 2007, quando foi implementado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), e ganhou ênfase a política neodesenvolvimentista no governo Lula. A expansão no número de matrículas foi realizada em consonância com a política de crescimento econômico e desenvolvimento social do governo. Ocorre que as mudanças foram rápidas, porém incompletas, segundo avalia a dissertação de mestrado “Reforma e expansão da educação profissional técnica de nível médio nos anos 2000”, de Liliane Bordignon, apresentada na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e orientada pela professora Aparecida Neri de Souza.

Na dissertação, Liliane analisou a expansão do ensino técnico no campus central do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), entre 2003 e 2010. O Instituto oferece cursos de eletrônica, eletrotécnica, informática, mecânica, edificações, telecomunicações e qualidade. No Estado de São Paulo havia, antes de 2003, apenas 3 campi do IFSP. Hoje, são 32 distribuídos em diversas cidades, entre as quais Hortolândia, Salto, Cubatão e Guarulhos. Segundo o Censo Escolar, entre 2003 e 2010 foram criados 106 novos estabelecimentos de educação profissional federal, sendo que, destes, mais de 90 foram implantados entre 2007 e 2010. A expansão seguiu com o governo Dilma Rousseff; atualmente são mais de 300 unidades.

“Em quantidade de campi, o Instituto Federal de São Paulo foi o que mais cresceu no Brasil. O governo Lula investiu, construiu escolas, contratou profissionais técnico-administrativos e professores. Mas temos que relativizar esse crescimento porque, se analisarmos a educação profissional oferecida como um todo, ela ainda é majoritariamente ofertada pela iniciativa privada”, constatou Liliane. Mesmo a educação profissional no nível médio, no país, ainda é bastante incipiente, considerando-se o número de alunos que poderiam estar matriculados e não estão (veja quadros nesta página).

 

Reforma 

O cenário no início do mandato do governo Lula é consequência, em parte, da vigência do decreto nº. 2.208/1997 entre 1997 e 2004, que dificultava a expansão da rede federal, a menos que a ampliação e abertura de escolas se dessem por meio de fundações privadas. A lei também determinou que a formação técnica fosse realizada separadamente da formação geral dos estudantes, isto é, de forma concomitante e subsequente, ou seja, o primeiro cursado paralelamente ao ensino médio, enquanto o segundo, depois. A determinação do decreto mais polêmica foi a extinção da formação técnica integrada ao médio.

O decreto do governo de Fernando Henrique Cardoso regulamentava os artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional referentes à organização da educação profissional. “As políticas desencadeadas direcionaram essa modalidade de ensino, principalmente, para uma busca de autonomia diante da educação básica, com a separação do ensino médio do ensino técnico e voltado para a formação mediante a ‘pedagogia das competências’”, ressalta Liliane.

Na década seguinte, entre 2003 e 2010, menos de dez anos do início das reformas da década de 1990, uma nova legislação foi promulgada para a regulamentação da educação profissional. O decreto de FHC acabou revogado em 2004, e substituído pelo Decreto nº. 5.154, como uma das promessas políticas do novo governo.

A lei retomou a possibilidade da vinculação entre educação básica e educação profissional, com o ensino médio integrado ao técnico e com a educação de jovens e adultos integrada à qualificação e à formação profissional. A modalidade do ensino integrado é, de acordo com Liliane, muito valorizada pelos professores e pesquisadores da área. Eles compreendem que a formação de trabalhadores não se faz separadamente de uma formação geral, científica, filosófica e artística. “O aluno estuda em período integral durante 3 a 4 anos, cursando tanto as disciplinas básicas ou de formação geral do ensino médio bem como as matérias do técnico”.

A mudança foi provocada pela ação de um grupo específico de professores e intelectuais que influenciaram diretamente as políticas formuladas pelo Ministério da Educação. Entre eles, Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos, sendo que esta última trabalhou diretamente na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, no MEC.

Na década de 1980, explica Liliane, eles participaram do Fórum em Defesa da Escola Pública, durante o processo de elaboração da Constituição Brasileira e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. “Eles foram convidados nesse primeiro momento do governo. Fizeram propostas muito relevantes para a retomada da formação de trabalhadores mediante o ensino integrado, rompendo a separação de uma formação voltada exclusivamente ao trabalho, e outra voltada exclusivamente para a continuidade dos estudos, o que definem como ‘dualidade educacional’”.

O curso técnico deveria oferecer, além do aprendizado profissional, sólida formação básica que possibilitasse ao aluno continuar os estudos se assim ele quisesse. O problema é que essas ideias não repercutiram nas políticas por muito tempo. “A partir do segundo mandato do governo Lula foi criado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e em seu bojo, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), anunciando a maior expansão de vagas já ocorrida na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica”. 

Liliane afirma que o período de maior expansão de vagas coincide com a permanência do atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, no Ministério da Educação, quando ganhou força na administração do Partido dos Trabalhadores o projeto neodesenvolvimentista. Na avaliação da mestranda, as políticas desenvolvidas tinham por objetivo a busca do crescimento econômico, sem resolver outras questões importantes para a sociedade brasileira “O projeto da educação profissional começa com uma proposta que se transforma e perde suas características iniciais” salienta a pesquisadora.

Segundo Liliane, entre a proposta inicial e a concretização da política, parece estabelecer-se um fosso.  Um exemplo seria a escola do Instituto Federal, criada em Hortolândia, cidade vizinha a Campinas. “A unidade começou a funcionar de maneira inadequada, ou seja, sem laboratórios, professores ou infraestrutura mínima para garantir a qualidade do estudo e de trabalho para estudantes, docentes e técnicos administrativos. Isso revela uma expansão que tem muitas contradições”.

Uma delas é a concepção de que as mudanças foram pensadas para resolver, por exemplo, a situação de desemprego. “Sem dúvida, a formação profissional é importante para a entrada dos jovens no mercado de trabalho, entretanto não existe esta relação linear”, pondera a pesquisadora.  A expansão de vagas e cursos não contou com pesquisas de mercado mais apuradas, que revelassem as necessidades locais e regionais de desenvolvimento social e econômico e de investimentos do governo. 

“Existem vagas para técnicos de nível médio no mercado de trabalho, mas é preciso saber onde estão e quais as conjunções com as políticas de expansão do ensino técnico de nível médio. Cabe perguntar se estão sendo criadas vagas em áreas onde há empregos. Quais políticas estão sendo desenvolvidas para encaminhar esse jovem formado para o mercado de trabalho formal? Muitas vezes, o ensino técnico é visto como a ‘salvação’ do problema do desemprego no país, mas isso não se comprova quando observamos a dinâmica do mercado de trabalho”, ressalva.

Na dissertação, a pesquisadora descreve a educação profissional como “campo de disputas entre o setor produtivo – que se transforma constantemente em torno de superação das quedas da taxa de lucro -, e entre os trabalhadores, que organizados ou não, pressionam e precisam de emprego e anseiam por melhores condições de trabalho e/ou por autonomia e controle dos processos de trabalho”. No caso brasileiro, afirma, o Estado tem um lugar relevante nesta disputa, “ora incentivando o setor privado com financiamento público para a formação de trabalhadores, ora fomentando e criando instituições públicas de educação profissional”. 

Historicamente, há uma distinção substantiva na formação de trabalhadores, entre a formação técnica de nível médio e a qualificação profissional (denominada de aprendizagem) destinada aos trabalhadores independentemente de seu nível de escolarização. A primeira, formação de técnicos, tem sido alvo das ações e políticas estatais e a segunda, a formação de trabalhadores para diferentes ofícios, tem sido alvo de ações do setor patronal e privado, com apoio financeiro do setor público. Segundo a pesquisadora, o que está em debate, portanto, são as políticas públicas para a formação de trabalhadores brasileiros, sejam eles técnicos ou não.

 

Publicação

Dissertação: “Reforma e expansão da educação profissional técnica de nível médio nos anos 2000”
Autora: Liliane Bordignon
Orientadora: Aparecida Neri de Souza
Unidade: Faculdade de Educação (FE)