Edição nº 590

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de março de 2014 a 24 de março de 2014 – ANO 2014 – Nº 590

Pesquisa propõe aperfeiçoamento no Programa de Crédito Fundiário

Economista defende mudança em projetos para aumentar produtividade das famílias assentadas

O economista Guilherme Berse Rodrigues Lambais defende que o governo federal deve aperfeiçoar um dos seus principais mecanismos para a reforma agrária no país. Em sua dissertação de mestrado concluída recentemente junto ao Instituto de Economia (IE), o pesquisador desenvolveu um modelo conceitual em que analisa o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) e seu antecessor, o projeto-piloto Cédula da Terra.

Em média, cerca de 40 mil famílias são assentadas anualmente pelo PNCF, que fornece financiamentos subsidiados para que trabalhadores sem-terra possam comprar pequenas propriedades. O programa insere-se no modelo conhecido como reforma agrária de mercado ou new wave. Ao contrário da reforma agrária tradicional, este modelo não se baseia em desapropriações de terras improdutivas.

Para participar do programa, os trabalhadores devem fazer um cadastro seguindo uma série de requisitos exigidos. Os proprietários de terra interessados devem também se cadastrar, indicado as propriedades que desejam vendê-las por um preço de mercado. O governo federal, por sua vez, faz a intermediação do processo, oferecendo aos selecionados condições diferenciadas de financiamento e assistência técnica.

“A pauta do dia do governo é criar assentamentos produtivos, inclusive para que as próprias famílias tenham condições de arcar com o financiamento das propriedades. Esta estratégia de estimular a produção é, muitas vezes, incompatível com a realidade dos domicílios assentados, muito pobres. Sob este aspecto o foco está equivocado. Eu não defendo a exclusão destas famílias do programa, mas alguns complementos de modo a criar condições para que elas possam ser mais produtivas”, explica o economista da Unicamp.

Ele acrescenta que medidas como o fornecimento de equipamentos e orientação para a implantação de técnicas de irrigação poderiam mitigar muitas limitações para o aumento da produtividade.  O Programa de Crédito Fundiário deveria fornecer também, conforme Guilherme Lambais, rebanhos animais às famílias mais pobres.

“Quando viabiliza a terra, o governo presta assistência técnica. Mas ela é insuficiente. Teria que se prover técnicas de irrigação e para o trabalho com tração animal. Visitei vários assentamentos e era clara a diferença entre famílias que araram terras com tração animal daquelas que faziam isso manualmente. Além disso, o rebanho animal serve também como uma espécie de poupança – em qualquer dificuldade financeira os assentados podem consumir ou vender o animal”, complementa.

A colaboração mútua entre os domicílios é outro aspecto que impacta positivamente na produtividade rural, aponta o economista. “Este tipo de cooperação pode gerar economias de escala e outras características positivas como o incremento do poder de barganha do assentamento no mercado.”

O trabalho de Guilherme Lambais foi orientado pelo docente José Maria Ferreira Jardim da Silveira, que atua no Departamento de Política e História Econômica do IE. A dissertação contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). 

 

Produtividade versus subsistência

Ao explicitar o equívoco no foco do Programa de Crédito Fundiário, o pesquisador da Unicamp esclarece que famílias com diferentes necessidades participam do PNCF: aquelas mais pobres, cuja produção está voltada para a subsistência, e as com mais recursos, cujo objetivo é a produtividade. Para o economista, o erro está em tratar da mesma forma estes dois tipos de usuários do benefício.

“Se a família participa do programa por motivos de insegurança alimentar, ela vai ter um tipo de estratégia de produção, que é a estratégia de subsistência, de baixo risco e de baixo retorno. E se, por outro lado, o domicílio participante se cadastrou por motivos de produtividade, ele vai ter outro tipo de estratégia, mais voltada para o mercado, com o plantio de culturas permanentes, que produzem produtos de maior valor agregado”, exemplifica.

O perfil dos usuários assentados é bastante heterogêneo porque o programa é baseado na autosseleção dos participantes, conclui o pesquisador do IE. “Essa autosseleção abre margem para a existência do que nós chamamos de desigualdade de riqueza entre os próprios domicílios participantes. Esta desigualdade é uma das consequências da focalização equivocada do programa, que pressupunha uma homogeneização muito maior do que existe na verdade. A focalização é um dos aspectos mais importantes na política pública”, expõe. 

O modelo conceitual formulado pelo economista Guilherme Lambais foi testado com informações de 204 domicílios assentados entre 2000 e 2006 pelo programa Cédula da Terra, criado em 1998. Os dados utilizados pertencem ao Núcleo de Economia Agrícola (NEA) da Unicamp, que fez a primeira avaliação de impacto do projeto-piloto. O modelo permitiu que o pesquisador estimasse a produtividade das famílias assentadas. Foram aplicadas técnicas econométricas lineares e não-lineares, que permitiram analisar as diversas variáveis das famílias, como a estratégia de produção, nível de ativos, existência de rebanho animal, trabalho animal, irrigação e a proporção de trabalho coletivo.

 

 

Publicações

Artigos

Lambais, G.B.R.; Magalhães, M. M. e Silveira, J. M. F. J. da. Acesso à terra, segurança alimentar e produtividade agrícola: uma investigação empírica da reforma agrária ‘new wave’ no Brasil. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), IPC-IG Working Paper, no prelo. (em português e inglês).

Lambais, G.B.R.; Magalhães, M. M. e Silveira, J. M. F. J. da. Land Reform and Technical Efficiency: theory and panel data evidence from Brazil, In: Anais da 18a Conferência da Sociedade Internacional de Nova Economia Institucional (ISNIE), Florença, Itália, 2013.

Lambais, G.B.R.; Magalhães, M. M. e Silveira, J. M. F. J. da. Land Reform and Technical Efficiency: panel data evidence from Northeastern Brazil. In: Anais do 40o Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), Porto de Galinhas, Bahia, 2012 e Anais do 50o Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural (SOBER), Vitória, Espírito Santo, 2012.

 

Dissertação: “Em busca da reforma agrária produtiva: teoria e evidência”

Autor: Guilherme Berse Rodrigues Lambais
Orientador: José Maria Ferreira Jardim da Silveira
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Financiamento: Capes