Edilene Donadon é arquiteta e urbanista, mestre em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Desenvolve trabalhos promovendo melhorias na acessibilidade para a pessoa com deficiência pela Prefeitura Universitária e de mobilidade urbana na Diretoria Executiva do Planejamento Integrado (Depi), ambas da Unicamp.
Artigo XIII - “1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.”
(Declaração Universal dos Direitos Humanos)
O que é acessibilidade? “Um espaço é definido acessível quando permite a livre circulação de pessoas e assegura a mobilidade funcional”[1], ou seja, que é atingível, que tem acesso fácil; e ainda é a garantia de uso normal de todas as funções de instalações e espaços. Sem acessibilidade não há inclusão efetiva. Ela pressupõe a eliminação de barreiras que impedem uma atuação plena e eficiente do indivíduo.
A atuação de profissionais no trabalho de auxiliar na inclusão das pessoas com deficiência deve ser ampla e, segundo SASSAKI, deve ser “Atitudinal”, promovendo a quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos e assim dirimir as discriminações; “Pragmática”, excluindo barreiras invisíveis embutidas em políticas públicas e normas ou regulamentos; “Comunicacional”, combatendo barreiras na comunicação interpessoal, escrita e virtual; “Metodológica”, corrigindo entraves em métodos e técnicas de estudo, de trabalho, de ação comunitária e de educação; de “Objetos”, procurando extinguir as barreiras nos instrumentos, utensílios e ferramentas de estudo, de trabalho e de lazer; e Arquitetônica e Urbana, corrigindo quaisquer barreiras ambientais físicas nos edifícios públicos e de uso coletivo, nos espaços e equipamentos urbanos e nos meios de transportes. Os dois últimos âmbitos relatados pelo autor, tratam das distintas dimensões do desenho do objeto, das edificações e da cidade [2], ambos da competência do arquiteto e urbanista.
Parte do trabalho nessa área é de convencimento da necessidade de projetos. É comum recebermos respostas de que não há pessoa com deficiência utilizando um determinado prédio – e como teria? Ou ainda justificando que só há um cego em determinado espaço para que seja feita qualquer obra. Esquecemos que, em primeiro lugar, trata-se de lei, não de caridade e, ademais, quem afinal está livre de envelhecer, quebrar uma perna, ter qualquer problema de visão ou de mobilidade?
A cidade e o campus universitário
O exercício do urbanista que pensa o campus universitário tem algumas particularidades que o diferem do pensar a cidade – tema para o qual somos preparados durante a graduação. O campus universitário não pode ter os mesmos princípios que utilizamos para a cidade em uma transposição simples de conceitos, pois em um campus universitário as relações não são as mesmas. Tudo é público, obviamente com controles em áreas necessárias, e os usuários, não moradores, podem utilizar o campus todos os dias por longos anos – funcionários e professores, regularmente por longos períodos – alunos, permissionários e pacientes crônicos da área de saúde, e eventualmente, vizinhos, usuários de bibliotecas e outros. Essa população estimada em 80.000 pessoas por dia ainda flutua nas férias escolares, nos fins de semana e no período noturno. Assim, o campus, uma vez que é público, deve garantir o direito de ir e vir a todos.
Cidade/Campus deficiente e o desenho universal
Para Carole Mathis, “A deficiência pode aparecer como algo monstruoso, "fora do comum"’. Mas mesmo pessoas "‘anormais" procuram se normalizar, pertencer a um grupo e ter coisas em comum com os indivíduos desse grupo. Para isso, devemos "estar na norma’" [3]. Essa afirmação nos chama a atenção para a necessidade de normatização da pessoa para se encaixar no ambiente. A inversão de entendimento segundo a qual a deficiência não mais determina os limites da pessoa com deficiência, mas sim as barreiras a ela impostas, muda o lugar da deficiência da pessoa para o ambiente. Segundo a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência “Estamos conscientes, por exemplo, de que hoje não é o limite individual que determina a deficiência, mas sim as barreiras existentes nos espaços, no meio físico, no transporte, na informação, na comunicação e nos serviços” (CSDPD, 2008).
Eduardo Virtuoso diz que, o modelo social de deficiência, segundo o qual “o fator limitador é o meio em que a pessoa está inserida e não a deficiência em si”, acrescenta relevância ao debate acerca do tema da deficiência dentro do âmbito Geográfico [4]. Assim, no que tange às questões de arquitetura e urbanismo, a deficiência se encontra nos espaços não inclusivos, que não permitem livre acesso ou autonomia para todos. Essa maneira de enxergar a deficiência nos coloca à frente do grande desafio de corrigir a deficiência ambiental.
A ideia disseminada desde o renascimento do homem perfeito segundo o padrão Vitruviano (Figura 1) e corroborada pelo modelo de medidas modernista do Modulor de Le Corbusier (Figura 2), criaram por muito tempo cidades da exclusão. Além da dificuldade de obtenção de recursos, as cidades são feitas para não incluir quem não é médio, imagine o deficiente. Na contramão desses modelos, o conceito de desenho universal surge como possibilidade de se construir uma cidade para todos.
Segundo Silvana Cambiaghi, são muitas as expressões para explicar o desenho universal, tais como “projetos para diversidade”, “desenho para longevidade”, “arquitetura inclusiva e sem barreiras” e o mais abrangente, “projetar para todos”, uma vez que projetar para a pessoa com deficiência é projetar para qualquer pessoa, não para uma parcela pequena da população já que busca atender o maior número de pessoas possível [5]. É o contrário também da adaptação do existente à pessoa com deficiência. Rachel Thomas descreve tais projetos como “próteses de arquitetura”, as quais são: “dispositivo construído ou estabelecido que os arquitetos afixem e incorporem no ambiente existente. Sua função é limitar as restrições de deslocamento relacionadas à existência de uma desvantagem e barreiras arquitetônicas” [6]. A ideia da prótese arquitetônica é oposta à do desenho universal, porém se mostra como alternativa na necessidade de se corrigir grandes passivos como os que se apresentam nas cidades e campi universitários. Ela atende à norma ABNT 9050, mas não pensa o ambiente construído de forma inclusiva.
Visão de futuro
A visão de futuro para a Unicamp é aquela de um espaço universitário acessível a todos, onde o termo “inclusão” esteja incorporado de forma definitiva na produção e no uso dos espaços do campus, onde o uso igualitário, adaptável, óbvio, conhecível, seguro, sem esforço e abrangente – que são os sete princípios do Desenho Universal – farão parte definitivamente do dia a dia da vivência universitária.
[1] THOMAS, R.. Ambiances publiques, mobilité, sociabilité : approche interdisciplinaire de l’accessibilité piétonnière des villes. Sociologie. Université de Nantes, 2000. p.15 - acesso em 15/08/2018.
[2] SASSAKI, R. Inclusão, construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
[3] MATHIS, C. Grenoble, 1ère ville pour l’accessibilité des personnes handicapées – 2017 – acesso em 17/07/2018
[4] VIRTUOSO, E. - Cidade deficiente - o direito à cidade e a acessibilidade no cotidiano dos cadeirantes - Porto Alegre 2016 - acesso em 24/09/2018.
[5] CAMBIAGHI, S. – Desenho Universal - métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas – São Paulo 2016 – Editora SENAC - 3ª edição – 2012.
[6] THOMAS, R.. Ambiances publiques, mobilité, sociabilité : approche interdisciplinaire de l’accessibilité piétonnière des villes. Sociologie. Université de Nantes, 2000. p.18 - acesso em 15/08/2018
ABNT, 2015. Norma Brasileira - NBR 9050 – 3ª edição. 2015.
CSDPD, 2008 - Convenção Sobre os Direitos da Pessoa comDeficiência.