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Tese detalha ação de formigas
em floresta da Mata Atlântica
Estudo mostra como colônias de insetos se
beneficiam da abundância de frutos no chão

Pesquisa desenvolvida por Claudia Bottcher no Instituto de Biologia (IB), sob orientação do professor Paulo Oliveira, mostrou como duas espécies de formigas primariamente carnívoras, de uma subfamília denominada Ponerinae – a Odontomachus chelifer e a Pachycondyla striata – afetam a vida das sementes na Mata Atlântica e como essa interação com os frutos caídos no chão pode afetar a floresta e reciprocamente a vida das formigas, em especial na Mata de Restinga da Ilha do Cardoso, litoral de São Paulo.
A investigação demonstrou que os frutos, ricos em lipídios, são significativos para o formigueiro por fazerem com que as formigas ainda imaturas se desenvolvam mais rapidamente e, em menos tempo, se tornem adultas. Então, num momento extremamente vulnerável de suas vidas, que é a fase larval, em que elas precisam crescer de forma acelerada para virarem adultas e trabalhar pela colônia, a coleta de frutos no chão da floresta pelas operárias é crucial para acelerar o crescimento das irmãs imaturas dentro do formigueiro.

Naquele colchão de folhas tremendamente úmido, no chão da Mata Atlântica, o fruto carnoso, com a polpa ao redor da semente, tem uma chance muito grande de apodrecer, pois a polpa também é úmida e propícia à formação de fungos, os quais tomam então conta do fruto, estragando-o e matando o embrião de uma futura planta.

Qaundo se adentra uma floresta tropical e imagina-se como é que as plantas dispersam a sua prole, que são as sementes, sempre vem à mente que esta tarefa é efetuada pelos bichos grandes, que vão até a planta atraídos pela polpa dos frutos e dispersam as sementes na mata. É certo que cerca de 90% das espécies de árvores de uma floresta tropical têm as suas sementes dispersas pelos bichos grandes, sobretudo aves, macacos e morcegos, animais ditos frugívoros (que comem frutos).

É sabido que uma planta dispersa primariamente na copa das árvores por animais vertebrados, os frugívoros, é secundariamente beneficiada no chão da floresta se o fruto cai e é utilizado por formigas, reduzindo o ataque ao embrião da semente. Isso porque as formigas pegam o fruto e removem a polpa para alimentar suas irmãs imaturas (larvas) dentro do formigueiro. Assim, a limpeza das sementes ajuda na germinação e também no desenvolvimento do formigueiro através da nutrição das larvas. Tal mecanismo foi descoberto nessa tese.

Ao mesmo tempo, outros progressos eventualmente ocorrem, desta vez tendo como beneficiário o formigueiro, já que as formigas são responsáveis por levar comida até lá. As larvas se desenvolvem da seguinte maneira: a rainha põe o ovo. Desse ovo, nasce uma larva que vai crescer e virar pupa e depois formiga adulta. Durante esta fase, quando sai do ovo até virar formiga adulta, o seu crescimento depende do suprimento de proteínas e lipídios. Ao levar esses frutos para dentro do formigueiro, as operárias ajudam no desenvolvimento de suas irmãs do berçário, ainda jovens, dando-lhes alimento muito nutritivo, representado por esses frutos que elas coletam na mata.

Mas na ciência ecológica, quando se fala que existe algum benefício alimentar (embora se acredite que levar a polpa para a casa e dar para as larvas é o desejável para um formigueiro), é preciso convencer que isso é indiscutivelmente bom mesmo. “Essa história de que fruta rica em proteína ajuda de fato no desenvolvimento das larvas necessita ser provada. Para isso se faz pesquisa, tentando persuadir uma audiência de que o que está sendo contado é verdadeiro. Então qual a vantagem de levar frutos para o formigueiro e dar esta polpa para as larvas?

Claudia Bottcher investigou justamente esta situação através de colônias de formigas criadas no Laboratório do Departamento de Biologia Animal. Ela criou formigas primariamente carnívoras, que sabidamente também coletavam frutos e davam as polpas às larvas. A bióloga testou de que forma esta coleta, que era o que as formigas faziam, era eventualmente salutar para o desenvolvimento das larvas dentro do formigueiro.

Desejo
Grande parte dos frutos que está nas copas das árvores cai após ser consumido ou manipulado por macacos, morcegos ou passarinhos, que são os dispersores primários das plantas. Isto faz com que uma grande quantidade de sementes chegue ao chão da floresta, normalmente longe da planta-mãe. Assim, a dispersão primária por vertebrados, como aves e mamíferos, permite que as sementes germinem em outros lugares na floresta.

Ocorre que muitas dessas sementes caem sem terem sido dispersas pelos bichos grandes. É aí que entra a pesquisa de doutorado que Claudia Bottcher fez na Mata Atlântica, examinando o que acontece com os frutos após caírem no chão. Sendo as formigas os animais mais abundantes no chão da mata, elas irão avidamente atrás dos frutos, posto que muitas vezes, além de serem ricos em açúcar, são ricos também em proteínas e óleos. Não são portanto formigas carnívoras somente, já que também são atraídas para os frutos.

Além disso, está claro que, ao invés de sair de casa para caçar animais, é muito mais fácil pegar os frutos no chão. Afinal, para isso não é preciso lutar com ninguém. Então aquela grande quantidade de frutos provoca um fascínio nessas formigas de cerca de 2 cm de tamanho, que são predadoras e que caçam outros insetos no chão da floresta. Contudo, se elas estão atrás de proteína e lipídeo, esses frutos passam a ser extremamente estimulantes, trazendo comida para a casa sem precisar “lutar com ninguém”.

Quando duas espécies da natureza interagem de forma tal que ambas se beneficiem, fica caracterizada a interação conhecida como ‘mutualismo’. No mestrado, a bióloga já havia demonstrado a importância dessas formigas para a germinação e o desenvolvimento das plantas, ao passo que no doutorado mostrou o outro lado do mutualismo, que é na verdade o benefício que as plantas geram para essas colônias de formigas.

De outra via, a dispersão nesse mutualismo acaba mostrando que o lado do animal é, em repetidas ocasiões, negligenciado e é o mais difícil de ser apontado. “Conseguimos sinalizar isso porque, ao limpar a semente, é simples verificar que ela é menos atacada por fungos e germina melhor. O mais difícil é demonstrar como isso pode ser benéfico à formiga dentro do formigueiro, de um ângulo que não se alcança acesso visual”, problematiza.

Paulo Oliveira relata como esse acesso foi alcançado na pesquisa. As formigas, diz, foram criadas em condições experimentais e o seu desenvolvimento pôde ser acompanhado através da visualização de um ninho artificial de vidro, parecido com uma incubadora. Com isso, foi possível enxergar de que forma aquela parte nutritiva da polpa do fruto poderia ser útil ao crescimento das larvas do formigueiro. No período de novembro de 2008 a fevereiro de 2009, Claudia Bottcher mediu sistematicamente o progresso das larvas ao longo de uma estação.

A bióloga comparou de que forma elas cresciam em colônias com as quais eram alimentadas com polpas de fruto e em colônias desprovidas desse alimento. Relacionando o desenvolvimento larval destes dois tipos de colônia, ela conseguiu mostrar que aquelas alimentadas com polpa se desenvolviam melhor.

O orientador da tese abre um parêntesis para explicar que pesquisadores, como ele e sua aluna Claudia Bottcher inclusive, criam formigas em laboratório para responder a perguntas que não podem ser respondidas no ambiente natural. Esse é um meio de desvendar o que está acontecendo debaixo do chão da floresta, onde o formigueiro não pode ser observado em detalhe e nem saber o que ocorre dentro da colônia. “Criar formigas em laboratório não é uma iniciativa nova, entretanto criá-las para identificar de que forma trazer alimentos para a casa pode afetar a vida dentro do formigueiro foi algo que Claudia Bottcher descobriu em relação aos frutos da Mata Atlântica.”

Uma lição que resultou das reflexões da tese foi derrubar por terra a ideia de que os bichos grandes dispersam as sementes e que por isso são os mais importantes para a reprodução da planta. A presente pesquisa indicou que os bichinhos pequenos, aos quais se dá menos relevo, apesar de amplamente distribuídos na floresta, são fundamentais até para a regeneração da floresta atlântica, fazendo com que as sementes germinem melhor, as plantas cresçam de novo e a mata afinal seja recuperada.

Formigueiro pode durar até 20 anos

Como insetos sociais, as formigas têm vida longeva, mas variável. Para se ter ideia, em algumas espécies sabe-se que o formigueiro pode durar até 20 anos. Elas vivem somente em colônias. Nelas, existe a rainha, que é o indivíduo reprodutivo e que põe ovos. O resto da colônia é formado por uma força-tarefa de operárias, que são os indivíduos estéreis e que trabalham em prol da colônia e da reprodução da rainha.
Numa colônia de formigas, sempre tem uma parte reprodutiva representada pela rainha e outra parte não reprodutiva (ou estéril) representada pelas operárias que trabalham para que o formigueiro cresça e para que a família gerada pela rainha prossiga adiante. Então as operárias são todas irmãs, filhas da rainha.

Na época chuvosa e quente do ano, são produzidas no formigueiro novas rainhas virgens e machos. Pois bem. Chega o momento do voo nupcial. Rainhas virgens e machos de vários formigueiros saem em revoada numa noite úmida de verão e se encontram no alto. O macho fertiliza a rainha virgem e morre em seguida. Isso mesmo – num formigueiro a única função dos machos é copular e morrer. “É, portanto, uma sociedade de fêmeas”, realça Paulo Oliveira.

A rainha fecundada segue o seu destino, indo procurar um orifício no chão, onde possa começar um formigueiro e colocar seus ovos. Afora a rainha, as outras formigas da colônia são estéreis (as operárias). “Nosso corpo é uma colônia de células, exatamente igual ao formigueiro. Só que todas as nossas células, exceto o óvulo e o espermatozoide, são somáticas que não deixam descendentes para a geração seguinte. No nosso corpo, quem vai passar os genes para a geração seguinte são as células germinativas, o óvulo na mulher, e o espermatozoide no homem”, ilustra Paulo Oliveira.

Assim, as operárias são a “parte somática” do formigueiro – elas protegem a rainha que é a parte reprodutiva. O que as células somáticas fazem? Elas permitem que se coma, se proteja, se fuja da dor, se busque o prazer, fique grande e um dia se reproduza. Quando nossas mãos são usadas para nos protegerem de um perigo, na realidade estamos empregando as “células operárias” para protegerem nosso corpo, e um dia deixarmos descendentes. É igualzinho ao formigueiro, garante o orientador da tese, que atua na área de Ecologia e que tem uma profunda admiração pelas formigas que, no dia a dia, passam despercebidas e que, no entanto, conseguem a “proeza” de proteger e dispersar sementes, ajudando a manter a floresta.

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Publicação
Tese de doutorado:
“O consumo de sementes e frutos carnosos por formigas em Mata Atlântica: história natural, ecologia e variação espacial de uma interação proeminente”
Autora: Claudia Bottcher
Orientador: Paulo Oliveira
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Capes e Fapesp
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