XINGU O afeto que não se encerra
JEVERSON
BARBIERI
O jornalista
Valdir Zwetsch tirou da gaveta cerca de 30 fotos feitas
há quase 40 anos para compor a mostra Nu Xingu, aberta até
20 de abril na Galeria de Arte da Unicamp. As imagens fazem
parte de um acervo de 700 fotos tiradas entre 1972 e 1974
durante três estadas de Zwetsch no Alto do Xingu. Nelas,
estão imortalizados momentos que mais atraíram o olhar do
repórter durante a coleta de material para a produção de
uma matéria publicada na revista O Cruzeiro, em 1972, na
companhia do fotógrafo Antonio Carlos Piccino; e outras
duas na revista Realidade, em 1974, com o fotógrafo Luigi
Mamprin.
Os
50 anos do Parque Indígena do Xingu, celebrados em 2011,
estimularam Zwetsch a expor as fotos. “Durante quase 40
anos, elas foram recordações de minhas passagens pelo lugar,
mas com o aval de um grande fotógrafo, Bob Wolfenson, percebi
a importância documental do acervo que estava guardado na
gaveta”, declara. O Parque Xingu está localizado numa área
de quase 30 mil quilômetros quadrados, ao norte do Estado
do Mato Grosso.
A mostra
é uma oportunidade de dividir com o público a experiência
de ter estado num lugar pouco acessível à maioria das pessoas.
“Não é o trabalho de um fotógrafo, mas a minha leitura sensorial
e estética. É a tradução do que eu estava vendo lá”, afirma
Zwetsch. No tempo em que esteve no Xingu, ele teve a oportunidade
de testemunhar alguns rituais importantes – como uma festa
em homenagem aos mortos (Kuarup), a festa das mulheres (Yamurikumá),
a pesca com timbó (cipó que entorpece os peixes e facilita
sua captura) e um rito de passagem em que são furadas as
orelhas dos adolescentes do sexo masculino (Mani). Algumas
dessas imagens foram selecionadas para a exposição e renderam
material para suas reportagens, segundo o jornalista.
Mesmo
sem a intenção de tornar públicas as imagens, Zwetsch conseguiu
capturar detalhes mínimos da vivência de homens e mulheres
que habitaram o Xingu dos anos 1970. A riqueza de planos
(detalhe, zoom, geral) revela uma vontade intensa de rever
detalhadamente tudo o que ele chama de bonito e verdadeiro.
Apesar de o repórter partir de São Paulo apenas com a missão
de registrar em textos suas observações, as expressões corporais
e faciais, assim como as atividades habituais, são traduzidas
de modo a colocar o apreciador em contato com os habitantes
daquelas aldeias.
Os
documentos expostos na galeria ajudam a descrever um momento
histórico importante, que deu origem a muitos embates que
se arrastam até os dias atuais. O motivo principal da expedição
em que Zwetsch viajara marca o contexto histórico em que
o país decidiu colonizar a Amazônia construindo rodovias
como a BR-165. “A estrada cortaria o território habitado
por diversas etnias no país”, afirma Zwetsch.
Os
responsáveis pela expedição de 1972 e pela criação do parque,
em 1961, são lembrados também pelo jornalista na exposição
comemorativa. A foto dos sertanistas Orlando e Cláudio Villas
Bôas ganhou um canto especial no espaço da mostra. De acordo
com o jornalista, foram eles os responsáveis por viabilizar
seu acesso às tribos indígenas. Ao saber que fariam uma
expedição ao Xingu, Zwetsch não hesitou em pedir “carona”
para testemunhar a tentativa de atração dos kreñakãrore
por um grupo de indigenistas a serviço da Funai. “Esses
índios, que viviam isolados na selva, eram chamados de ‘gigantes’
pelas tribos do Xingu”, acrescenta.
Depois
do aceite pelos irmãos Villas Bôas, não foi preciso muito
esforço para convencer os editores da revista O Cruzeiro
da importância de entrar naquele espaço de acesso restrito.
“Os irmãos Villas Bôas merecem essa homenagem porque dedicaram
a vida inteira à preservação dos índios, de sua cultura
e de suas civilizações e, principalmente, por participarem
da idealização do parque”, acrescenta o jornalista. Orlando
foi o primeiro presidente do Parque Indígena do Xingu.
A expedição
teve início a bordo de um pequeno avião de correio da FAB,
que levava cartas, encomendas e remédios até áreas mais
isoladas do Brasil. Segundo Zwetsch, a aeronave supria os
locais que tinham dificuldade de acesso. Ao chegar lá, seguiu
a marcha a pé, registrando no papel o que deveria publicar
e, nos instantâneos, o que deveria guardar como memória
de um momento de privilégio. “Estar no Xingu naquela época
e conseguir material para cobertura jornalística era um
privilégio de poucos”, recorda.
Além
de trazer de volta as recordações de uma experiência única,
como ele mesmo descreve, a exposição intensifica o sonho
de Zwetsch, atualmente editor-chefe do Jornal da Band, de
voltar ao Xingu. Não pela curiosidade natural de um jornalista,
mas pelo prazer de estar novamente ao lado de um povo que
não precisa fazer esforço de dominação da natureza. “Minha
vontade é poder testemunhar o que aconteceu naquele lugar
ao longo desses 40 anos”, confessa.
Apesar
das informações divulgadas pelo próprio meio em que trabalha
diariamente – a mídia –, de que se trata, hoje, de um povo
“plugado”, adepto de novas tecnologias, o jornalista acredita
que os 50 anos do Parque Xingu sirvam para comemorar a resistência
cultural dos indígenas, que ainda lutam para manter seus
valores culturais. “O fato de não abrirem mão das benesses
do mundo moderno não significa que tenham esquecido seus
valores. Isso não interfere na manutenção de seus hábitos.
A natureza ainda é a provedora que supre as necessidades
deles”, declara.
Zwetsch
sabe que uma quarta visita à população xinguana pode surpreendê-lo,
mas alegra-se ao saber que, depois de 50 anos, a luta para
manter intactos a natureza e o Parque Nacional, criado por
Orlando Vilas Bôas para preservar os povos e o meio ambiente
da região, foi bem-sucedida. “Se você precisar fazer uma
entrevista por e-mail com alguém da aldeia, você consegue.
Mas, apesar de terem GPS e comunicação via internet, eles
mantêm os costumes e valores culturais”, reforça Zwetsch.
Uma
das mais famosas e maiores reservas indígenas do mundo,
o Parque Indígena do Xingu foi criado em 1961, durante o
governo de Jânio Quadros, depois de muito trabalho político
e luta envolvendo os irmãos Villas Bôas, intelectuais e
políticos brasileiros como Darcy Ribeiro e o médico Noel
Nutels.
Zwetsch
espera que ao ver tanta verdade e beleza expressas nas imagens,
a sociedade e as autoridades lancem um olhar diferente para
as questões indígenas e, principalmente, do Xingu. Ele acrescenta
que hoje existem muitas entidades empenhadas em criar formas
de viabilizar “essa coisa difícil que é a sobrevivência
num lugar onde ainda vive mais de uma dezena de etnias,
entre elas Waurá, Kayabi, Ikpeng, Yudja, Trumai, Suiá, Matipu,
Nahukwa, Kamaiurás, Yawalapitis, Mehinakos, Kalapalos, Aweti,
Kuikuro”. E é a este povo, nestes 50 anos, que Zwetsch presta
homenagem na Galeria de Arte da Unicamp. Desta vez, sem
texto, mas com suas impressões ampliadas em preto e branco
Serviço
Exposição:
“Nu Xingu”
Data: até 20 de abril de 2011
Local: Galeria de Arte da Unicamp
Horário: das 9 às 17 horas, de segunda a sexta-feira