EDIMILSON
MONTALTI
O
uso de quimioterápicos orais não substitui com a mesma eficácia
a quimioterapia endovenosa em pacientes com câncer de intestino.
Uma quimioterapia de curta duração em pacientes com câncer
de pulmão apresenta os mesmo resultados que uma quimioterapia
de longo prazo. Pacientes com câncer de rim sem metástases
têm melhores resultados clínicos se tratados apenas com
cirurgia do que inicialmente com cirurgia e, depois, com
quimioterapia, hormonioterapia ou imunoterapia. Essas são
algumas das conclusões do Centro de Evidência em Oncologia
(Cevon) do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp após a revisão
de cerca de 12 mil casos de pacientes com diversos tipos
de câncer publicados na literatura internacional.
Criado em 2007 a partir da contratação do
médico oncologista André Deeke Sasse para ensinar aos médicos
residentes a metodologia da medicina baseada em evidências
(MBE), o objetivo principal do Cevon é oferecer aos pacientes
com câncer atendidos no ambulatório de oncologia do HC da
Unicamp um cuidado mais atual e eficaz por meio da utilização
das melhores evidências científicas para o tratamento do
câncer.
“De 2008 a 2010, o Cevon completou nove
revisões sistemáticas e dois estudos de custo-efetividade
que foram apresentados em congressos internacionais e também
submetidos à publicação em revistas médicas. Hoje, o Cevon
agrega 15 profissionais, incluindo alunos de pós-graduação
e especialização em oncologia, que desenvolvem pesquisas
a partir da medicina baseada em evidências”, explicou Sasse,
que é formado pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da
Unicamp e defendeu, em 2006, a tese de doutorado “Quimioimunoterapia
em melanoma maligno disseminado: revisão sistemática da
literatura com metanálise”.
A medicina baseada em evidências é um movimento
médico criado em 1972 pelo professor e pesquisador britânico
Archie Cochrane. A MBE se fundamenta na aplicação do método
científico a toda prática médica, usando técnicas oriundas
da ciência, engenharia e estatística, tais como metarrevisões
da literatura existente – denominadas também de metanálises
–, análise de custo-efetividade, experimentos clínicos aleatórios
e controlados, estudos naturalísticos populacionais, dentre
outros.
A prática da MBE implica não somente no
conhecimento e na experiência clínica, mas também em procurar,
encontrar, interpretar e aplicar os resultados de estudos
científicos epidemiológicos ao problema individual dos pacientes.
Implica, também, em conhecer como calcular e comunicar os
riscos e os benefícios dos diferentes tratamentos existentes
na medicina aos pacientes.
Uma metanálise é desencadeada a partir de
uma pergunta clínica. Para ser bem formulada, ela deve ter
quatro componentes e pode ser abreviada com a sigla PICO:
P de paciente, população ou problema de interesse; I de
intervenção principal, que pode ser uma exposição (agente
etiológico), um teste diagnóstico, um fator prognóstico
ou um tratamento; C de comparador, ou seja, a intervenção
ou exposição a que se deseja comparar a intervenção principal;
e O da palavra inglesa outcomes, ou seja, os desfechos clínicos
de interesse, que podem incluir fator temporal, se relevante,
como, por exemplo, sobrevida livre de doença em cinco anos.
“A pergunta de nossa última revisão sistemática
com metanálise foi a seguinte: pacientes com câncer de pulmão
do tipo pequenas células com o uso de quimioterapia com
cisplatina e camptotecinas (uma nova classe de drogas) comparada
com o uso padrão da quimioterapia com cisplatina e etoposídeo
resultam em uma melhora do tempo de vida total dos pacientes?
Descobrimos que sim, além de diminuir os efeitos colaterais
associados à terapia”, explicou Sasse.
No final de 2010, a convite da Universidade
de Oxford e da Associação Médica Britânica, Sasse participou
do “Evidence 2010”, ocorrido em Londres, e mostrou a experiência
brasileira da criação do Cevon. Segundo Sasse, o Cevon é
um centro de pesquisa barato que não envolve bancadas, nem
laboratórios e nem pesquisas diretas com pacientes. O caso
brasileiro despertou interesse da comunidade internacional,
em razão do grande número de revisões sistemáticas concluídas
em tão pouco tempo.
“O André nos procurou para conduzir estudos
de metanálise desenvolvidos por ele fora da Universidade.
Nós não tínhamos ninguém que fizesse isso aqui. Inicialmente,
ele começou a ensinar os residentes. Hoje, ele tem vários
orientandos de mestrado e doutorado”, explicou a médica
oncologista Carmen Silvia Passos Lima, responsável pela
disciplina de oncologia clínica do Departamento de Clínica
Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
De acordo com a professora, o trabalho do
Cevon desperta também a atenção dos médicos para um assunto
polêmico e atual: o assédio da indústria farmacêutica no
sentido de utilizar novos medicamentos lançados no mercado.
“É fundamental que nossos alunos e residentes tenham a visão
de que um artigo ou uma informação de um determinado laboratório
não devam ser utilizados para mudar a conduta no tratamento
dos pacientes, mas sim a somatória de diversos resultados,
como o que obtemos por meio da metanálise. Nós ensinamos
isso aos nossos alunos, futuros médicos”, explicou Carmen.
Segundo Sasse, dados de pesquisas patrocinadas
pela indústria farmacêutica nem sempre aparecem nos artigos
científicos. “Este foi um dos temas abordados no congresso.
Outro ponto discutido no evento foi o quanto vale para a
sociedade e para o paciente ficar vivo às custas de efeitos
colaterais e de qualidade de vida deteriorada”, comentou
Sasse.
Idealista, o médico oncologista espera consolidar
o Cevon e ampliar a MBE para o estudo de todos os tipos
de câncer, além de auxiliar o desenvolvimento de diretrizes
clínicas para outras disciplinas não-oncológicas. Outro
objetivo de Sasse é ampliar o curso de medicina baseada
em evidências para todos os residentes e para os médicos
em geral da Unicamp.
“Queremos expandir essa experiência para
outras áreas do HC. Desejo também ajudar a avaliar a incorporação
de novas tecnologias em geral em saúde, desde equipamentos
novos como máquinas de radiologia e medicina nuclear, até
novas drogas para reumatologia e infectologia, criando,
talvez, um núcleo de avaliação permanente dentro do HC”,
disse Sasse.
Mas o que mais o preocupa é a fixação dos
profissionais dentro do centro, uma vez que após o término
da residência ou pós-graduação, os alunos seguem outros
caminhos dentro da carreira médica. “É gratificante saber
que somos capazes de fazer trabalhos de qualidade internacional
do mesmo nível que o pessoal da Universidade de Oxford.
Temos aqui uma agilidade que eles não têm lá fora”, concluiu
Sasse.
Principais revisões feitas pelo
Cevon de 2008 a 2010
Quimioimunoterapia versus quimioterapia no tratamento
do melanoma maligno metastático
Aglutinou resultados de 19 estudos aleatórios sobre o
tema com mais de 2,5 mil pacientes. Demonstrou que a utilização
de quimioimunoterapia – associação de imunoterapia com
quimioterapia – não traz nenhum tipo de benefício aos
pacientes, em comparação à quimioterapia convencional.
Pacientes não necessitam ser tratados com esquemas altamente
tóxicos e com grande perda de qualidade de vida.
Combinação de bevacizumabe à quimioterapia no
tratamento de pacientes com câncer de colon
Associou resultados de cinco estudos com mais de 3 mil
pacientes. Demonstrou que a nova droga de alto custo bavecizumabe
pode melhorar os resultados do tipo de quimioterapia usada
em pacientes com tumores intestinais. Porém, segundo o
estudo, nem todo quimioterápico terá sua eficácia aumentada.
Isso diminui a indicação da nova droga e o número de pacientes
que sofrerá seus efeitos colaterais, mantendo a máxima
eficácia da estratégia de tratamento.
Camptotecinas comparadas ao etoposídeo, na combinação
à cisplatina,
no tratamento de câncer de pulmão
O trabalho incluiu dados de oito estudos e mais de 3
mil pacientes. Demonstrou que a utilização de quimioterapia
mais moderna (irinotecano) em comparação a mais antiga
(etoposídeo) aumenta um pouco o tempo de vida e a chance
de controle da doença em pacientes com um tipo de câncer
de pulmão (pequenas células), mas, principalmente, diminui
os efeitos colaterais associados à terapia. O foi publicado
na revista Journal of Thoracic Oncology.
Duração do tratamento quimioterápico para pacientes
com câncer de pulmão com metástases à distância
Combinou resultados de sete pesquisas independentes com
mais de 1,5 mil pacientes estudados. Demonstrou que um
tratamento com curta duração (cerca de três meses) apresenta
igual eficácia à de um tratamento mais longo, de seis
meses ou mais. Possibilita aos pacientes ficarem mais
tempo sem os efeitos colaterais do tratamento. O estudo
foi publicado na revista European Journal of Cancer.
Utilização de radioterapia após quimioterapia
em pacientes com linfoma
Com avaliação de dados de quatro estudos e quase 2 mil
pacientes, o estudo concluiu que ainda faltam dados confiáveis
a respeito do potencial benefício que o tratamento com
radioterapia pode adicionar aos pacientes já tratados
com quimioterapia. A maioria dos pacientes com linfoma,
hoje, é tratada inicialmente com quimioterapia e depois
recebe radioterapia para complementar o tratamento. Os
resultados do estudo sugerem que talvez a radioterapia
não necessite ser feita, o que diminuiria drasticamente
os riscos do tratamento e seus efeitos colaterais.
Terapia adjuvante à cirurgia para pacientes com
câncer renal localizado
Combinando dados de mais de 2,5 mil pacientes avaliados
em 10 estudos clínicos diferentes, o estudo demonstrou
que pacientes com câncer de rim e sem metástases têm melhores
resultados clínicos se tratados apenas com cirurgia do
que se tratados inicialmente com cirurgia e depois com
outras terapias (como quimioterapia, hormonioterapia ou
imunoterapia). O estudo contribuiu para evitar a indicação
de tratamentos desnecessários e que potencialmente poderiam
prejudicar pacientes.
Combinação de cetuximabe à quimioterapia no tratamento
de pacientes com câncer de colon
Associou resultados de seis estudos, com mais de 4 mil
pacientes. Demonstrou que a nova droga cetuximabe, de
alto custo, pode melhorar os resultados da quimioterapia
endovenosa em pacientes
com tumores intestinais com um certo tipo de mutação genética.
Pacientes usando parte da quimioterapia por meio de comprimidos
não foram beneficiados com essa associação. Isso diminui
a utilização da nova droga e seleciona melhor os pacientes
que podem se beneficiar da medicação.
Fluoropirimidinas orais versus fluorouracil no
tratamento de pacientes com câncer colorretal
Contou com avaliação de dados de quase 12 mil pacientes
de 21 estudos clínicos diferentes. Concluiu que em pacientes
com câncer de intestino o uso de quimioterápicos orais
não substitui de forma igual a quimioterapia endovenosa,
pois apresenta eficácia um pouco menor. Os quimioterápicos
com o nome de fluoropirimidinas (capecitabina e UFT, os
mais comuns) são frequentemente usados como substitutos
do fluorouracil, uma droga endovenosa geralmente
utilizada em infusão lenta, de 48 horas. Apesar de mais
práticos, os comprimidos são mais caros. Imaginava-se
que tivessem a mesma eficácia. O estudo provou o contrário.