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Matas nativas aumentam em 20%
produtividade de café em Rondônia
Produtores cujas terras estão no
entorno
de reservas florestais têm ganhos maiores
Parte
das reservas florestais de Rondônia, localizadas no município
de Machadinho D´Oeste, contribuíram decisivamente para um
aumento de até 20% na produtividade do café conilon, em comparação
às áreas de cultivo mais distantes da mata. A conclusão é
do pesquisador João Alfredo de Carvalho Mangabeira, da Embrapa
Monitoramento por Satélite. O trabalho, inédito, analisou
a trajetória de acumulação de capital pelos produtores rurais
da região, levando em conta os serviços ambientais prestados
pelas matas nativas. De acordo com Mangabeira, esses serviços
envolveram o trabalho de polinização das abelhas nativas e,
também, a geração de um microclima que reduziu o abortamento
das flores do café em período críticos. A pesquisa resultou
na tese de doutoramento do pesquisador, orientado pelo professor
Ademar Ribeiro Romeiro, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.
Na opinião do engenheiro agrônomo,
esse aumento significa um peso muito importante para um município
onde os agricultores familiares são dependentes da renda proveniente
dessa cultura. Para agravar a situação, nos últimos dez anos
a região vem apresentando uma sucessiva ocorrência de “veranicos”
– fenômeno caracterizado por dias de intenso calor e insolação
no início da estação das chuvas, que ocorre entre agosto e
setembro – e que afetam a fase de floração do café e, consequentemente,
prejudicam o crescimento dos frutos. “Isso resulta na redução
da produção e prejuízo financeiro”, afirmou Mangabeira.
O estudo mostrou, no entanto,
que os produtores cujas propriedades estão localizadas no
entorno das reservas florestais sofreram menos com o impacto
desse fenômeno. O sombreamento e o microclima gerado por essas
reservas colaboraram com o enfrentamento desse período, reduzindo,
dessa maneira, o abortamento das flores e garantindo a produtividade
dos frutos.
Assentamento
O projeto original de assentamento rural diferenciado teve
início em 1982, com financiamento do Banco Mundial. Cerca
de três mil produtores, sendo 70% destes provenientes das
regiões sul e sudeste do Brasil, foram alocados em um assentamento
planejado para que todos pudessem ter acesso à água, estradas
para escoamento da produção e, ainda, um estudo do solo. O
processo de produção naquela área começou com pouca assistência
técnica e enfrentando muitos obstáculos, como a malária, por
exemplo.
Com o objetivo de analisar
a sustentabilidade, Mangabeira esclareceu que foram selecionados
450 produtores para serem monitorados. “A ideia inicial da
Embrapa era fazer esse trabalho ao longo de 100 anos”, disse.
Em 1986 foi realizado o primeiro levantamento, cujo propósito
era observar quantos haviam abandonado o projeto e quantos
ainda se mantinham em atividade. A partir daí, avaliar o que
estavam fazendo do ponto de vista social, ambiental e econômico.
Em 2006, quando Mangabeira chegou ao IE para o seu doutorado,
juntamente com seu orientador chegou à conclusão de que era
necessário fazer uma tipologia econômica para saber de que
forma eles se capitalizaram ao longo de 22 anos.
Do grupo inicial, apenas 354
permaneceram na área de produção, no entanto, observou Mangabeira,
era fundamental trabalhar apenas com os que estavam lá desde
o início do projeto. Esse número, então, passou para 213 produtores.
Em uma economia tradicional, são vários os fatores que diferenciam
o nível econômico das pessoas – nível educacional, recebimento
de créditos, mancha de solo boa para plantio e proximidade
com a cidade. O que mais intrigou o pesquisador foi que todos
os produtores não apresentaram dados que pudessem ocasionar
qualquer desnível socioeconômico.
O
levantamento bibliográfico e uma conversa com os produtores
começaram a revelar o que provocava esse aumento de produtividade
em algumas áreas. Foram utilizadas também imagens de satélite
de alta resolução para identificar as propriedades rurais
e as reservas florestais na área de estudo. Os agricultores
foram divididos em cinco categorias, de acordo com o nível
de capitalização, e por meio da geoestatística foi realizada
a correlação da radiografia da área com os dados socioeconômicos.
“Tomamos como referência a distância em relação às reservas
de mata nativa e o estudo analisou a localização tanto das
propriedades mais capitalizadas ao longo do tempo como das
lavouras de café mais produtivas”, explicou o engenheiro agrônomo.
Os resultados mostraram que
as propriedades com café plantado próximo às matas, em média,
apresentam maior produtividade e melhor desempenho. Para Mangabeira,
os proprietários com melhor nível de capitalização estão situados
próximos às reservas, evidenciando a existência de prestação
de serviços ambientais pelas matas.
O importante agora, segundo
ele, é mostrar os benefícios que o sombreamento da mata tem
para esse tipo de café. É preciso incentivar o plantio de
sistemas agroflorestais para aqueles que não possam estar
perto da mata. “É importante que os produtores se organizem
e que não comercializem o produto como café convencional,
misturado. Dessa maneira, eles passam a valorizar esse tipo
de produção e, consequentemente, ser melhores remunerados”,
alertou. Ao fazer isso, prosseguiu, estarão preservando as
matas, captando carbono atmosférico, conservando água e solo,
preservando a biodiversidade, prestando mais um serviço ambiental.
Mangabeira disse ainda que,
associado a tudo isso, muitos produtores estão vislumbrando
a sua aposentadoria na madeira que está plantando dentro do
café. “O café significa a manutenção familiar. A criação de
gado, uma poupança, moeda de troca. E o plantio de árvores
nativas ou exóticas de valor representa uma poupança garantida
para a aposentadoria. Cerca de 30% dos produtores já estão
observando isso”, garantiu.
Transformação
O município de Machadinho D´Oeste, onde foi realizada a pesquisa,
surgiu a partir de um projeto diferenciado de reforma agrária
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Ao contrário da maioria dos projetos estabelecidos na Amazônia,
nesse município foram planejados um traçado e uma divisão
de lotes que não obedeceram ao padrão tradicional, chamado
de “espinha-de-peixe”.
Trata-se de um assentamento
idealizado a partir de curva de nível, que é caracterizada
como uma linha imaginária que une todos os pontos de igual
altitude de uma região representada. O seu traçado tortuoso,
que acompanha a linha do relevo do solo, permite que os produtores
tenham acesso fácil em todo o município. Isso evita, de certa
maneira, que ele cruze muitas pontes. “Se por qualquer motivo
ocorra a inutilização de uma ponte, o produtor possui outras
alternativas de deslocamento dentro do loteamento”, disse
o pesquisador.
A combinação de lotes privados
com reservas florestais coletivas – que estão sendo mantidas
em excelentes condições – atestam a convivência harmoniosa
entre evolução da atividade agropecuária com preservação.
A construção da malha viária levou em conta a hidrografia
e o relevo local, além de permitir um acesso mais fácil às
propriedades mais afastadas. Mangabeira concluiu dizendo que
esse modelo institucional diferenciado de assentamento privilegiou
os produtores e repercutiu muito bem nos que diz respeito
à sustentabilidade econômica e ambiental da região.
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Publicação
Tese de doutorado: “Serviços ecossistêmicos e trajetória
de capitalização agrícola: o caso de Machadinho D´Oeste”
Autor: João Alfredo de Carvalho Mangabeira
Orientador: Ademar Ribeiro Romeiro
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Financiamento: Embrapa
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