“Miragens”e neblina da nossa política de C&T
Renato Dagnino
O professor Nicolsky, um
dos autores de Inovação tecnológica: realidade e miragem
(FSP-29.07.08), é um dos mais agudos analistas da Política
de C&T (PCT). É, também, um dos pesquisadores das ciências
duras que mais tem criticado a orientação que assumiu na
última década.
O artigo trata de nosso
desempenho tecnológico avaliado pelas patentes. Como se
sabe, sofrível, quando comparado com o que temos tido em
ciência. O qual, ressalto eu, é conseqüência de um enorme
gasto público realizado desde a década de 50 para formar
pesquisadores.
De forma competente, o artigo
mostra que aquilo que é tomado como diretriz da PCT atual
– “transformar em patentes a ciência produzida nas nossas
universidades” – é uma “miragem que se desmancha no ar”.
Existem, entretanto, outras
“miragens”. A começar pelo fato de que essa diretriz é tão
velha quanto a própria PCT. E que sua reorientação neoliberal
da última década, que tem custado também muito dinheiro
público concedido a empresas (inclusive multinacionais!),
não tem produzido o resultado alegado.
A crítica que faz o artigo
é correta. Mas por compartilhar a obsessão com as patentes,
com a inovação nas empresas e com uma corrida internacional
para ver quais se tornarão mais lucrativas através da tecnologia,
ele permanece imerso na neblina ideológica que cerca a PCT.
Mesmo porque a “miragem”
apontada já está sendo desfeita. Claro que de forma artificial,
irrealista e ineficaz como qualquer ação guiada por obsessões.
Os responsáveis pela PCT,
tendo finalmente compreendido que o conhecimento só chega
às empresas embutido em pessoas, estão praticamente pagando
para que elas empreguem mestres e doutores para fazer P&D.
Eles afirmam, contrariando o que declaram os empresários,
que é disso que estes precisam para aumentar sua lucratividade.
Contudo, o fato de que as empresas absorvem menos de 1%
dos mestres e doutores que se formam por ano é um sintoma
claro da disfuncionalidade da PCT.
Mas há outros sintomas que indicam a ineficácia da PCT para
elevar a propensão à realização de P&D das empresas.
Entre eles, o fato de que
apenas 100 empresas das 30 mil que inovam introduziram no
mercado (nos últimos três anos) alguma inovação de processo
realmente nova; a importância que tem a P&D na estratégia
de inovação das empresas inovadoras, que é quatro vezes
menor do que a correspondente à aquisição de máquinas; o
fato de que, das empresas inovadoras, só 7% mantém relação
com universidades e institutos de pesquisa e que, destas,
70% atribuem a ela baixa importância; o de que enquanto
o governo vem alocando recursos crescentes para a P&D
nas empresas o seu gasto vem diminuindo em termos relativos;
o de que entre as que não inovam só 12% declaram como causa
a escassez de fontes de financiamento, mas 70% as condições
de mercado.
Tudo isso reforça um quadro
que há seis décadas se tenta reverter mediante políticas
equivocadas. O comportamento dos empresários não se deve
à falta de recursos e instrumentos governamentais. Ele é
economicamente racional frente àquilo que percebem como
“condições de mercado”; mas que deve ser atribuído à nossa
condição periférica.
Os autores do artigo defendem mais favores para a empresa:
o que chamam de “compartilhamento universal do risco tecnológico
entre Estado e empresa”. Mas ao manter a proposição, na
teoria equivocada e na prática catastrófica, de que o objetivo
da PCT deve ser fazer com que o conhecimento produzido com
recurso público beneficie a empresa (e, como candidamente
se diz, leve ao bem-estar da sociedade), correm sério risco.
O de reforçar o mito de que a PCT é apenas planejamento
neutro (policy) desprovido de interesses e valores (politics),
e de adensar a neblina que a envolve.
Para fugir da cruz da comunidade de pesquisa a PCT está
indo cair na caldeirinha dos empresários. Os que almejam
um cenário melhor para todos devem lutar para colocá-la
a serviço da sua construção.
Concluindo: é improvável,
ainda que se desfaçam as “miragens” apontadas, as empresas
utilizem adequadamente os recursos que o governo está disponibilizando,
e se aproveitem do nosso potencial científico-tecnológico.
Mas, se isso vier a ocorrer,
e aí entraríamos num debate muito mais relevante, será que
subsidiar a empresa para torná-la mais lucrativa ajudará
a resolver os desafios tecnológicos e científicos daquele
cenário? Será que é na “competitividade empresarial” que
devemos depositar nossa esperança de desenvolvimento?