No circuito internacional da inovação
Livro publicado por editora britânica
destaca produção científica da Unicamp
CLAYTON
LEVY
Com
512 patentes depositadas, das quais 50 já licenciadas pelo
setor produtivo, a Unicamp é um dos destaques do livro Brazil:
the natural knowledge economy, que acaba de ser publicado
pela editora britânica Demos. O trabalho faz parte do Atlas
de Idéias, programa financiado por instituições européias
públicas e privadas, que pretende mapear a nova geografia
da ciência e da inovação no planeta.
“A Unicamp tem mais patentes
requeridas do que qualquer outra universidade brasileira,
sendo que 40% delas foram produzidas na área de química”,
escreveu a pesquisadora Kirsten Bound, autora do trabalho.
Apontando o papel da Agência de Inovação (Inova) como fundamental
nesse processo, o livro também destaca a Incubadora de Empresas
de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp) como um dos diferenciais
da universidade no contexto acadêmico brasileiro.
Como exemplo, o trabalho
cita a Allelyx Applied Genomics, primeira empresa brasileira
de genômica aplicada, criada pelo pesquisador da Unicamp,
Paulo Arruda, que ganhou destaque ao coordenar o Projeto
Genoma. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp), o trabalho decifrou o sequenciamento
genético da bactéria Xyllela fastidiosa, causadora da praga
do amarelinho nos laranjais. “A pesquisa foi capa da revista
Nature em julho de 2000”, escreveu a pesquisadora britânica.
O texto também destaca a
produção científica da Unicamp, informando que a Universidade
responde por 17% dos artigos brasileiros publicados em revistas
indexadas e por 10% da pós-graduação nacional. E para dar
uma idéia do patamar alcançado pela instituição, relata
que em 2000 a Unicamp já havia sido citada pela prestigiosa
revista Wired num levantamento que elencava os 50 principais
pólos de atração de investimentos nos cinco continentes.
“O destaque conferido à
Unicamp confirma o trabalho institucional na formação de
doutores, publicação de artigos científicos em revistas
indexadas e geração de patentes com impacto no processo
de inovação tecnológica”, disse o reitor José Tadeu Jorge.
Em sua opinião, o principal fator para esse desempenho está
no próprio modelo de universidade adotado pela instituição.
“A instituição coloca a formação de recursos humanos como
seu objetivo fundamental”, explicou. Além disso, segundo
Tadeu Jorge, a Unicamp faz de suas atividades de pesquisa
e de relação com a sociedade os agentes qualificadores do
ensino ministrado aos estudantes em todos os níveis de formação.
“Somam-se a esses fatores a qualificação do corpo docente,
a seleção de bons estudantes e o cuidado permanente com
a infra-estrutura física”.
De acordo com o reitor,
o livro representa uma grande contribuição aos estudiosos
do tema. “Trata-se de uma obra que analisa as atividades
de geração do conhecimento no Brasil e sua aplicação em
benefício da sociedade”, observa. Em sua opinião, o texto
aprofunda a discussão sobre inovação em vários setores,
buscando explicar a situação em que o Brasil se encontra
e suas perspectivas em um cenário de desenvolvimento alicerçado
na produção do conhecimento. “O trabalho apresenta muitos
dados e análises pertinentes, além de comparações muito
interessantes”.
Para o diretor da Inova,
Roberto Lotufo, o trabalho reforça a necessidade de se ter
sistemas de inovação no país, articulando instituições de
pesquisa e empresas. “O diagnóstico reproduz o que está
consolidado a respeito do papel da ciência e da inovação
para o desenvolvimento econômico do país”, disse. “A publicação
reforça a importância da Unicamp, da Inova e de sistemas
locais de inovação e empreendedorismo, como fundamentais
para o desenvolvimento econômico e exemplos diferenciados
para o caso brasileiro”, completou.
Além da Unicamp, a obra
destaca o papel da Fapesp, sugerindo que sua atividade no
fomento à produção científica e inovação tecnológica faz
com que o estado de São Paulo pareça um país à parte. “A
autora conseguiu captar as principais características do
sistema e identificou uma linha mestra, os recursos naturais”,
observa o diretor científico da Fapesp e ex-reitor da Unicamp,
Carlos Henrique de Brito Cruz. “Nesta linha mestra ela mostrou
que ao lado de muitas oportunidades, há muitas realizações
que distinguem a ciência e a tecnologia no Brasil positivamente,
como por exemplo os avanços brasileiros em bioenergia”.
Para Brito Cruz, a Unicamp
foi bem destacada no trabalho por sua influência como universidade
de classe internacional e também por seu impacto local.
“A contribuição da Unicamp para a visibilidade mundial da
pesquisa feita no Brasil é muito notável, e não poderia
deixar de ser mencionada”, analisa. “O valor que o Estado
de São Paulo dá ao apoio ao ensino superior e à pesquisa
fica bem estabelecido pelo título da seção que trata do
Estado: São Paulo is another country”.
O trabalho cita, ainda,
a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), a Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-RJ), a Petrobrás e a Embrapa como
instituições que contribuem para o novo mapa da inovação
no Brasil.
Gigante pela própria natureza
ou eterno país do futuro?
Recheado
de gráficos e tabelas, o livro de Kirsten Bound
diz que a paisagem da inovação no Brasil está
mudando rapidamente, mas não arrisca prognósticos
definitivos. Isso fica claro na conclusão do
trabalho, no qual a autora cita duas estrofes
do Hino Nacional para resumir a situação do
país no cenário mundial. Levando-se em conta
a extensão territorial e as riquezas naturais,
não há dúvidas quanto a tratar-se de um gigante
pela própria natureza. Entretanto, se o teu
futuro espelha essa grandeza, é algo que só
o tempo dirá.
O título da
obra chama a atenção para uma singularidade
nacional: o fato de a força da inovação no País
estar claramente vinculada aos recursos naturais,
como petróleo, ferro, agronegócio, com destaque
para os biocombustíveis. “O sistema de inovação
do País é em grande parte, mas não exclusivamente,
construído sobre seus recursos naturais e ambientais”,
explica a autora.
O modelo brasileiro,
de acordo com livro, contesta a visão para a
qual as economias baseadas no conhecimento ou
em recursos naturais ocupam extremos opostos
no espectro do desenvolvimento econômico. “No
Brasil, a competência crescente em ciência e
tecnologia não está separada, ou em oposição,
aos recursos naturais, e sim integralmente ligada
a eles”, diz o trabalho.
Lançado no dia
8 de julho, em Londres, o livro é resultado
de seis meses de pesquisa. Nesse período, a
autora fez duas viagens ao Brasil, onde visitou
sete estados e entrevistou mais de cem especialistas.
Para fazer o levantamento, ela contou com a
colaboração do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
(CGEE), que traçou a rota de entrevistas a serem
realizadas. “Qualquer um poderia desenhar o
que acontece em CT&I no Brasil pesquisando
apenas dados estatísticos, mas isso não seria
suficiente”, disse Kirsten Bound. “Queríamos
saber o que realmente distingue a ciência brasileira”,
explica.
O documento
salienta como forças positivas do Brasil a estabilidade
política e econômica, o crescimento da produção
cientifica e do número de doutores e mestres,
o apoio federal “bem organizado”, tanto financeiro
quanto regulatório à ciência e tecnologia, o
uso de biocombustíveis e uma cultura que valoriza
a criatividade, além das multinacionais Petrobras,
Vale, Gerdau e Embraer. O relatório destaca,
ainda, a Lei de Inovação e a Lei do Bem como
medidas de incentivo à inovação.
Mas o levantamento
também aponta fraquezas, entre as quais destacam-se
as desigualdades social e geográfica e a baixa
taxa de conversão do conhecimento em inovação.
Também são considerados pontos fracos a alta
carga tributária; o desafio de transformar em
riqueza a liderança em biocombustíveis; o sistema
educacional “abaixo de seu potencial”; e o “descaso”
por reter e atrair recursos humanos altamente
qualificados.
Além de fazer
um raio X do sistema de CT&I, o relatório
oferece recomendações ao Brasil, todas no sentido
de que o país tire maior proveito das qualidades
que tem. A primeira delas é ampliar a discussão
sobre temas considerados controversos, como
a tensão entre investir em ciência básica e
investir na diminuição da desigualdade. Segundo
a pesquisa, o País também deve aproveitar ao
máximo a notoriedade global trazida pelos biocombustíveis,
e fazer disso uma oportunidade para “comunicar
ao mundo sua força científica”, além de organizar
uma rede de apoio internacional a partir dos
cientistas e empreendedores brasileiros vivendo
no exterior. E, claro, incentivar políticas
que consolidem a conexão entre sistema de ciência
e setor produtivo.
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