Cem anos depois de sua
morte, Machado de Assis, o maior escritor brasileiro,
com caminho aberto para o reconhecimento internacional,
resta, em parte, desconhecido do público-leitor do país
em que nasceu, viveu e de onde jamais saiu. As crônicas
jornalísticas que ele escreveu entre 1861 e 1895 (com
mais duas aparições esparsas em 1897) só agora começam
a ser publicadas de maneira organizada e completa, com
estabelecimento de texto, notas explicativas e introdução
crítica, pela Editora da Unicamp (à moda do que John Gledson,
cuja reedição de Bons Dias! abre a coleção, começou a
fazer no início dos anos 1990).
Assim sendo, não espanta
que essa parte significativa da produção do escritor –
na qual ele podia falar quase livremente do que quisesse
e como quisesse, além de ter no folhetim-variedades, a
crônica, à sua disposição, um espaço natural de experimentação
narrativa dentro do jornal – ainda esteja um tanto inacessível
e ignorada do jovem estudante em formação, do público
interessado pela Literatura Brasileira e, talvez cause
certo desconforto dizê-lo, até mesmo dos leitores especializados.
É preciso notar que uma
das razões para que estejamos em face a esse desconhecimento
parcial, é curioso afirmá-lo, seja resultado de uma opção
do próprio escritor. Na fase final de sua vida, Machado
de Assis, ao que tudo indica, não se teria mostrado completamente
convencido da importância histórica e literária de suas
crônicas. Ou, pelo contrário, convencido de todo esse
valor, julgou por bem não reuni-las por alguma razão ignorada.
No entanto, por azar ou sorte do então falecido fundador
da Academia Brasileira de Letras, seu grande amigo e “pupilo
intelectual” Mário de Alencar não acreditava realmente
que os textos machadianos tivessem sido escritos “ao correr
da pena” para serem lidos “ao correr dos olhos”, como
José de Alencar (pai de Mário, como se sabe) definira
elegantemente a crônica de variedades em seus próprios
folhetins de 1854.
Dessa forma, Mário de
Alencar teve uma forte intuição, talvez advinda das inúmeras
conversas que tivera nos finais de tarde com o escritor
e mentor (Alguns escritos. RJ: Editora Garnier), de que
as crônicas precisariam de maior atenção e, em 1910, preparou
uma edição delas, escolhendo-as entre as de A Semana,
e justificando essa pequena transgressão da vontade de
Machado:
(...)
A idéia de coligi-las nasceu do desejo de servir à memória
do escritor, acrescentando-lhe às obras editadas em volume
esta outra que tão bem caracteriza certas feições do seu
engenho literário, e que seria de lamentar ficasse esquecida
ou ignorada. Ao próprio autor lembrei e pedi que as reunisse
em livro, e posto me objetasse às vezes com dúvida sobre
o valor desses escritos, salvo um ou outro além dos já
publicados nas Páginas Recolhidas, não me pareceu que
ficasse alheio ao pensamento de fazer a coleção. A demora
em dá-la viria da falta de tempo para reler e escolher
as crônicas, em número aproximado de duzentos e cinqüenta
(...).
(Mário de Alencar. Advertência,
reproduzida pela edição da Jackson de A Semana (1937)
e seguintes)
No “Prefácio” às Páginas
Recolhidas (1899), a que se refere Mário de Alencar, o
próprio Machado de Assis explicara pelo seu modo a variedade
desse livro em que publicara alguns (menos de uma dezena)
desses textos:
(...)
Sai também um pequeno discurso, lido quando se lançou
a primeira pedra da estátua de Alencar. Enfim, alguns
retalhos de cinco anos de crônica na Gazeta de Notícias que me pareceram não destoar do livro, seja porque o objeto
não passasse inteiramente, seja porque o aspecto que achei
ainda agora me fale ao espírito (...).
Os “retalhos de crônicas”
ainda falavam ao espírito do escritor porque reconhecia
nelas o investimento em seu “aspecto” e porque seus objetos
não haviam “passado”. Machado reconhecia, então, que havia
um investimento na forma narrativa desses seus textos,
e que o problema de reuni-los em edição estava ligado
ao “objeto que passava”, ou seja, ao pé que, necessariamente,
a crônica assenta na efemeridade. O que talvez ele não
tenha considerado é que a criação (literária) da agudeza
crítica, da qual a ironia é a grande forma, quer o assunto
passasse ou não, transportava imediatamente esses textos
ao rol dos legitimamente legíveis, em qualquer parte,
em qualquer tempo, por qualquer público. Nessa imensidão
de possibilidades, cada leitura extrairia – e extrairá
–, da enorme variedade da crônica, o seu cadinho. Vejamos
um exemplo simples:
(...)
É tão bom ter uma cadeira no Senado! A gente faz o seu
testamento, e ocupa o resto do tempo em precauções higiênicas,
a bem de dilatar a vida e gozar por mais tempo das honrarias
inerentes ao posto de príncipe do Império. Alguns não
observam esses preceitos e esfalfam-se em orações políticas
contra os abusos do poder; por isso vão mais depressa
à sepultura, onde ninguém é senador nem tem honrarias
de príncipe.
(Crônica de 11 de novembro de 1861, da série Comentários
da Semana.)
Podemos observar claramente
que um dos grandes interesses do texto machadiano reside,
sem dúvida, em sua composição narrativa. Nesse trecho
da crônica, o narrador, operando inversões, refere-se
a uma cadeira vaga no Senado e à correria pela sua sucessão.
Interessa saber que a cadeira vaga pertencera a João Antonio
de Miranda, que acabara de falecer. No entanto, não é
preciso compreender esse detalhe da questão para se deleitar
com a ironia e os jogos do texto. Em meio à discussão
sobre o possível sucessor à cadeira vitalícia, o narrador
faz um comentário por meio do qual, generalizando, diz
que a maioria dos membros do Senado são homens públicos
que ocupam seu lugar, a fim de tão somente gozar das honrarias
de tal posição. Assim sendo, destaca esse
“marasmo” político (expressão que usou para definir a
situação política do país em uma crônica de Comentários
da Semana), ao operar a inversão dentro da ironia (que
já operara pelo menos um nível de inversão de sentidos):
aqueles que, no Senado, “esfalfam-se em orações políticas
contra os abusos do poder” vão mais rapidamente à sepultura,
deixando, como conseqüência, mais uma cadeira livre no
parlamento. Papéis trocados, aqueles políticos que têm
atitudes corretas são (aparentemente) descritos pelo registro
do ridículo; enquanto isso, os seus colegas tomam precauções
para dilatar seu prazo de vida e prazeres. A imagem é
nítida: no plenário ou no gabinete, alguns poucos se desgastam
no cumprimento de suas obrigações, enquanto os outros
nem prestam atenção a elas, nem se preocupam com isso.
Os primeiros seriam, assim, homens de pouca percepção,
uma vez que não seguem o exemplo dos colegas preguiçosos.
Na “comédia de erros” que monta para descrever o presente,
fica claro que os papéis estão invertidos. Por isso, o
riso tem lugar certo e, através dele, cada homem recupera
a sua devida imagem e posição. Sem dúvida, esse jogo de
inversões que desperta o riso (e a consciência crítica,
programa do jovem escritor) continua atual em termos de
procedimento possível da crônica.
Frente
a esse pequeno dilema, editar em livro – na forma do impresso
mais durável – as crônicas, ou não editá-las, e talvez
frente ao desejo de que sua obra ficcional prevalecesse,
Machado de Assis deixou o tempo trabalhar em favor do
reconhecimento de suas crônicas e é muito possível que
já adivinhasse que o “o historiador do futuro que quiser[sse]
tirar dos debates da imprensa os elementos do seu estudo
da história do império, há[veria] de vacilar sobre a expressão
da memória que hoje domina a praça do Rocio” (crônica
de 1º. de abril de 1862, da série Comentários da Semana)
e, voltando aos jornais, voltaria necessariamente às suas
crônicas, entre outros textos.
Um outro exemplo de como,
provavelmente, Machado tenha apenas postergado o reconhecimento
de seus textos jornalísticos vem dado abaixo:
Antes de ir adiante, deixem-me
por aqui uma observação que fiz e me pareceu digna de
nota. Compilador do século XX, quando folheares a coleção
da Gazeta de Notícias, no ano da graça de 1894, e deres
com estas linhas, não vás adiante sem saber qual foi a
minha observação. Não é que lhe atribua nem uma mina de
ouro, nem grande mérito; mas há de ser agradável a meus
manes saber que um homem de 1944 dá atenção a uma velha
crônica de meio século. E se levares a piedade ao ponto
de escrever em algum livro ou revista: “Um escritor do
século XIX achou um caso de cor local que não parece destituído
de interesse...”, se fizeres isso, podes acrescentar como
o soldado da canção francesa:
“ Du haut du ciel - ta deméure derniére -
Mon colonel - tu dois être content” .... *
(Crônica de 19 de agosto de 1894, publicada na série
A semana)
No limite, o que diz o
texto é que um homem de 1944, folheando a Gazeta de Notícias de há meio século, não poderia passar adiante sem “saber
qual foi a minha [de Machado] observação”. Mas não descarta
a grata possibilidade de uma “velha” crônica, de meio
século, despertar ainda interesse. Nem como “gênero”,
nem mesmo no plano dos assuntos (“objeto”, segundo Machado
se refere) suas crônicas deveriam descansar na eternidade.
Com um pouco de liberdade, deduzimos pelos trechos das
duas crônicas acima que Machado concordava com o “engenho
literário” com que o amigo Mário de Alencar qualificaria
as quase 250 crônicas de A Semana, e também com seu conteúdo
não dispensável, de que é um pequeno exemplo tanto uma
crônica sobre a cadeira vaga no Senado, como uma como
a do famoso necrológio do livreiro e editor Garnier, personagem
da maior importância para a história da cultura brasileira
no século XIX:
Segunda-feira desta semana,
o livreiro Garnier saiu pela primeira vez de casa para
ir a outra parte que não a livraria. Revertere ad locum
tuum – está escrito na porta do cemitério de S. João Batista.
Não, murmurou ele talvez dentro do caixão mortuário, quando
percebeu para onde o iam conduzindo, não é esse meu lugar;
o meu lugar é na Rua do Ouvidor 71, ao pé de uma carteira
de trabalho, ao fundo, à esquerda: é ali que estão os
meus livros, a minha correspondência, as minhas notas,
toda a minha escrituração.
Durante meio século, Garnier
não fez outra cousa, senão estar ali, naquele mesmo lugar,
trabalhando. Já enfermo desde alguns anos, com a morte
no peito, descia todos os dias de Santa Teresa para a
loja, de onde regressava antes de cair a noite. Uma tarde,
ao encontrá-lo na rua, quando se recolhia, andando vagaroso,
com os seus pés direitos, metido em um sobretudo, perguntei-lhe
por que não descansava algum tempo. Respondeu-me com outra
pergunta: Pourriez-vous résister, si vouz étiez forcé
de ne plus faire ce que vous auriez fait pendant cinquante
ans? Na véspera da morte, se estou bem informado, achando-se
de pé, ainda planejou descer na manhã seguinte, para dar
uma vista de olhos à livraria.
(Crônica de 8 de outubro de 1893, publicada na série A
Semana)
Da
memória do cronista, em continuidade ao trecho acima citado,
vêm outros nomes e fatos importantes ocorridos em torno
do livreiro e sua atividade literária, e o tom da crônica,
que é uma das pouquíssimas que Machado recolheu, é de
um lirismo contagiante. Mais uma prova de que ele conhecia
muito bem o investimento que fizera na construção desses
folhetins em geral dominicais.
De tudo isso extraímos
que, quer Machado duvidasse, quer não duvidasse, da importância
de esses seus textos jornalísticos permanecerem, eles
não foram reunidos e republicados durante sua vida, o
que propiciou espaço ao que temia Mário de Alencar: ele
sugeria ao mestre e amigo que fizesse a edição de pelo
menos “A Semana”, suas crônicas mais tardias e talvez
mais famosas, publicadas na Gazeta de Notícias entre 1892
e 1897, a fim de que o escritor não tivesse seus textos,
depois de sua morte, publicados “de maneira indiscreta
e sem outra intenção que a do interesse mercantil (...)”
(Mário de Alencar, ibidem, p.8). Em conclusão, com exceção
da boa intenção (mas não a mesma qualidade de realização)
da editora Jackson, na década de 1930, de publicar a Obra
Completa de Machado, suas crônicas completas jamais foram
reunidas ou trabalhadas editorialmente a contento. Para
um público que, no Brasil, principalmente a partir do
século XX, teve suas escolhas de leitura situadas cada
vez mais nas mãos dos editores, fez-se um quase silêncio
das crônicas machadianas, situação que a coleção da Editora
da Unicamp promete e pretende mudar.
Agora, frente ao fato
de que essas crônicas vão mesmo permanecer e, anotadas
e estudadas, vão se multiplicar em leituras, o investimento
machadiano na porção literária dessa tipologia textual,
sobre o qual vimos falando há algum tempo, deve ficar
de mais em mais evidente.
Ainda um outro exemplo da literariedade dessas crônicas,
podemos encontrar na ficcionalização, de viés cômico,
e quase sempre absurdo, de acontecimentos variados da
semana, inverossímeis, inaceitáveis, inacreditáveis, etc.
O trecho abaixo foi extraído de uma crônica de Notas Semanais,
nas quais Machado usou sempre o pseudônimo de Eleazar,
crônicas essas cuja edição, como dissemos, está no prelo.
Impossível, no mínimo, não dar boas risadas:
Ia a edilidade em seus
trabalhos, quando entrou na sala das sessões o fiscal
da Candelária, trazendo pela mão um cavalheiro de ar complicado
e nariz interrogativo. O fiscal apresentou-o com todas
as formalidades usuais. O nariz da edilidade não ficou
menos interrogativo que o do cavalheiro, que era nem mais
nem menos um problema jurídico.
- Trata-se disto, começou
o problema. Há de saber que houve um incêndio na galeria
das Mil Colunas, cujo verdadeiro número não excede a vinte
e quatro. Ficou ali uma grande porção de gêneros, que,
depois de se corromperem a si próprios, corromperam o
ar ambiente, e entraram a corromper os pulmões da vizinhança.
O aroma desses restos só difere do da água de Colônia
no único ponto de ser totalmente outro. O meu nobre amigo,
aqui presente, compreendendo que a porção de munícipes
a seu cargo mal poderia sofrer a vizinhança de tais restos,
foi ter com os respectivos donos e intimou-os a removê-los
dali; os donos responderam que haviam passado essa obrigação
às companhias de seguros. Sem perda de tempo, dirigiu-se
o meu nobre amigo às companhias de seguros, e delas ouviu
que nem tinham recebido semelhante obrigação, nem sequer
a conheciam de vista; que, naturalmente, a obrigação ficara
com os donos dos gêneros. Voltou o meu nobre amigo aos
donos, que o remeteram outra vez para elas, e elas para
eles, até que, insistindo eles e elas no mesmo propósito,
achou-se o meu nobre amigo diante de um problema, que
sou eu, a saber: - A quem pertence a obrigação de remover
os restos corruptos? It is the rub. Resolve-me ou devoro-te.
A edilidade, que tem notícia
de Édipo, enfiou ao ouvir as últimas palavras do problema;
mas dissimulou como pôde, fê-lo sentar, mostrou-lhe uma
litografia, leu-lhe o tratado de Santo Stefano, recitou-lhe
a Lua de Londres; em seguida, elogiou-lhe o padrão das
calças. Esgotadas todas essas diversões, sem que o problema
parecesse disposto a sair, a edilidade coligiu todas as
forças, encarou-o com solenidade e disse:
— Não é fácil nem difícil
o que me propõe; e todavia é uma e outra coisa. Talvez
a obrigação pertença unicamente aos donos, porque são
donos; mas não é fora de propósito que pertençam às companhias,
que já lhes pagaram. O meio infalível de saber a qual
das duas partes corre o dever de que se trata, é indagar
a qual delas não incumbe. Neste ponto a negativa de ambas
é assaz enérgica...
— Mas em suma, interrompeu
o problema, a quem pertence a obrigação?
— Penso que ao bei de
Tunis. Não vejo outra pessoa; é, na verdade, o único a
quem se pode razoavelmente imputar a obrigação de remover
os detritos, que estão envenenando a vizinhança da galeria
das Mil Colunas. O bei, na qualidade de infiel e gentio,
tem parte nos flagelos com que a Providência castiga os
homens. O incêndio é um de tais flagelos; o das Mil Colunas
entra nessa categoria. Nada temos, pois, com as companhias,
nem com os donos; mas tão somente com o bei. Se não é
a esse que incumbe a obrigação, então não precisa ir mais
longe, não dê tratos à cabeça, não cogite um instante
mais: a obrigação é do cardeal camerlengo, cujas orações
deveriam ter afastado da galeria das Mil Colunas o aludido
flagelo, e conseguintemente preservado os gêneros da podridão,
e a vizinhança do tifo.
O problema declarou-se
satisfeito com esse modo de ver, e levou o cavalheirismo
ao ponto de oferecer-se para pagar os telegramas; a edilidade,
porém, retorquiu dizendo que, pelos regulamentos em vigor,
não podia entender-se diretamente com o bei nem o cardeal;
e acrescentou que o melhor modo de remediar a dificuldade
era arquivá-lo, a ele, problema. Este rejeitou o alvitre
como ofensivo da dignidade de todos os problemas; e, convertendo-se
em dilema, sacou uma pistola do bolso e apontou-a ao peito
da edilidade. Nessa apertada situação, a edilidade não
teve outro recurso mais do que confiá-lo ao seu advogado,
que irá pleitear o caso nos tribunais. Quanto aos detritos...
(Crônica de 9 de junho de 1878, da série Notas Semanais)
A pequena história que
Machado inventa e insere na crônica faz sátira, grosso
modo, à demora na solução para o problema do incêndio
da Galeria Mil Colunas, que ocorrera em 12 de maio de
1878, deixando como resultado os detritos pelos quais,
como se vê, nem os proprietários dessa galeria comercial
se responsabilizavam, nem as companhias de seguro, nem
o Município, a quem caberia, no mínimo, estabelecer o
pertencimento da responsabilidade e fiscalizar o cumprimento
das ações. Os recursos literários para acrescentar humor
à ficção ilustrativa são:
1) a personalização do problema
e da edilidade;
2) a ironia pela polifonia
de vozes evidente (“O aroma desses restos só difere do
da água de Colônia no único ponto de ser totalmente outro”);
3) o uso rebaixado da
referência à tradição literária (“To be or not to be”,
Hamlet, Ato III, cena I. No original é “there’s the rub”:
“aí é que está o problema”; “Resolve-me ou devoro-te”
é uma referência às palavras da Esfinge, que matava todos
os que não solucionavam o enigma que ela propunha. Como
se sabe, quem finalmente decifrou o enigma foi Édipo,
protagonista de um dos mais famosos mitos gregos); 4)
a pequena trama, que se desenvolve de forma a tornar em
alegoria a não solução do problema por meio da divagação,
da transferência da responsabilidade para uma outra autoridade
em voga na época, o bei de Tunis (esse por razões ligadas
à política européia evidentemente), em nada relacionado
ao incêndio ou mesmo ao Brasil, entre outros. Como podemos
ver, o material é farto e os resultados de sua análise,
sempre saborosos.
Sem concluir, uma vez
que o aparecimento dessas edições ainda nos levarão à
frente na reflexão comparativa entre a criação da ficção
machadiana, a experiência jornalística do escritor e o
coincidente suporte material em que jornalismo e ficção
machadianas eram veiculados, perguntamo-nos desde já qual
é o sentido da presença, na crônica, da criação ficcional
que dialoga com o dado real, mas recria-o e reapresenta-o
como ficção, ainda que alegórica, absurda, outras vezes
inverossímil, outras, ainda, desconcertante?
Machado de Assis, do cronista ao ficcionista, estaria
procurando, entre outros objetivos, em recolocar, sem
anacronismo de interpretação de nossa parte, “a ordem
nos discursos?”.