O interesse de Machado
pelo teatro data da adolescência. Em crônicas escritas
na maturidade ele rememora o fascínio que tinha pelo teatro
de bonecos e que “regalou-se” quando menino com o Antônio
José ou O Poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães,
representado pelo grande ator romântico João Caetano.
É certo que freqüentava não só o teatro dramático, mas
igualmente o teatro lírico, pois um dos poemas que publicou
aos dezesseis anos, no Diário do Rio de Janeiro de 7 fevereiro
de 1856, era dedicado à cantora lírica Arsène Charton.
O interesse precoce pelo teatro explica também por que
um dos seus primeiros textos críticos, “Idéias vagas”,
escrito aos dezessete anos e publicado na Marmota Fluminense,
em 31 de julho de 1856, tenha versado justamente sobre
“a comédia moderna”. Nos três anos seguintes, o envolvimento
de Machado com o teatro cresce bastante: ele colabora
com a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional, traduzindo
os libretos A ópera das janelas e Pipelé; aborda a situação
do teatro brasileiro com bom conhecimento do assunto,
no artigo “O Passado, o Presente e o Futuro da Literatura”;
e finalmente, no segundo semestre de 1859, torna-se crítico
teatral do jornal O Espelho, para o qual escreve um folhetim
dramático por semana, analisando peças e espetáculos,
bem como os desempenhos dos artistas.
Nessa altura, Machado
acompanhou a estimulante rivalidade entre dois teatros
que dividiam as preferências do público e dos escritores
e intelectuais que atuavam na imprensa. O Teatro S. Pedro
de Alcântara, o maior e principal da cidade, subsidiado
pelo governo imperial, era administrado pelo ator e empresário
João Caetano, que tinha atrás de si um passado de glórias.
O repertório de tragédias neoclássicas, melodramas e dramas
românticos que ofereceu ao público ao longo da carreira
projetou-o como gênio da cena, intérprete inigualável
e sem rivais em território brasileiro. Em 1855, porém,
a hegemonia do Teatro S. Pedro de Alcântara começou a
ser ameaçada pelo Teatro Ginásio Dramático, que passou
a representar peças francesas de autores como Alexandre
Dumas Filho e Émile Augier, entre outros. Como traziam
à cena alguns aspectos da vida cotidiana do presente,
esses autores constituíram o que na época chamou-se “escola
realista”. De um modo geral, a comédia realista francesa
é uma peça séria, que não procura provocar o riso, pois
visa antes de tudo à descrição positiva dos costumes e
valores da vida burguesa. Os diálogos e as cenas são construídos
com o máximo de naturalidade, mas ao realismo pretendido
soma-se uma preocupação com a finalidade moral que o teatro
pode alcançar. Ou seja: à descrição dos costumes justapõe-se
a prescrição de valores como o trabalho, a honestidade,
o casamento e a família, no interior de um enredo que
contrapõe bons e maus burgueses.
Ao assumir o posto de
crítico teatral em O Espelho, Machado apoiou abertamente
o repertório do Ginásio Dramático e chegou a afirmar que
“pertencia” à escola realista por considerar importantes
sua naturalidade e preocupação moralizadora. Tinha em
alta conta a idéia de que o teatro, mais que entretenimento
ou mero passatempo das massas, podia ser uma forma de
arte útil para a sociedade. Era de se crer que ao escrever
suas próprias peças, seguisse o modelo que tanto apreciava.
No entanto, ao estrear como comediógrafo, em 1861, com
a pequena comédia Desencantos, buscou outro caminho, o
da comédia curta e elegante, reforçado no ano seguinte
com O Caminho da Porta e O Protocolo.
O que surpreende o leitor
dessas comédias em um ato é que elas não correspondem
à visão que o crítico teatral Machado tinha da arte dramática
quando as escreveu. Como explicar que não tenha aproveitado
o modelo de Dumas Filho e Augier ou seguido o exemplo
de seu amigo Quintino Bocaiúva e de Alencar, que se lançaram
no teatro como autores de comédias realistas?
É provável que, muito
jovem, Machado não se achasse ainda com fôlego para escrever
a comédia longa, em três atos, com reflexões sobre o homem
e a sociedade e com lições edificantes. Numa carta que
enviou a Quintino Bocaiúva, pedindo-lhe o julgamento de
O Caminho da Porta e O Protocolo, que ia publicar num
mesmo volume, em 1863, confessou que seu desejo era futuramente
escrever peças mais alentadas, mas que não se achava ainda
com forças suficientes. É bastante conhecido o julgamento
severo que as pequenas comédias mereceram de Quintino
Bocaiúva, que as viu apenas como “esboços” frios e sem
alma, mais para serem lidas do que representadas. Não
se conhece a reação de Machado a essas críticas. O que
se sabe é que, não seguindo o modelo das peças de Dumas
Filho, inspirou-se nos provérbios dramáticos de Alfred
de Musset e de Octave Feuillet para escrever suas primeiras
comédias.
O provérbio dramático
surgiu no final do século XVII, nos salões aristocráticos
franceses, e inicialmente era quase um jogo, uma charada:
os espectadores tinham que adivinhar qual era o provérbio
oculto na ação de pequenas cenas e comédias. Com Carmontelle,
no século seguinte, o gênero permaneceu como “teatro de
salão”, feito por amadores da aristocracia e da alta burguesia,
mas adquiriu características definidoras de sua forma.
Tornou-se uma comédia curta, centrada na linguagem chistosa
e no refinamento dos personagens, com a ação ilustrando
um provérbio, cujo significado vai sendo, aos poucos,
percebido pelos espectadores. Numa época em que a linguagem
teatral era extremamente elaborada, em que o padrão eram
as tragédias neoclássicas de Voltaire, Carmontelle buscou
reproduzir o tom das conversas de salão, imprimindo em
suas peças certa naturalidade: não as “belas frases” ou
“estilo”, dizia ele, mas um grande desejo de conseguir
o tom da verdade. Com personagens colhidos nas classes
altas, com assuntos leves e sem grandes conflitos dramáticos,
seus provérbios se popularizaram e serviram de modelo
a vários outros dramaturgos, entre eles Alfred de Musset,
já no século XIX, em pleno Romantismo.
Com
regras mais frouxas que as do drama ou da tragédia, ou
mesmo da comédia, o provérbio dispensa os enredos complicados
e se articula em torno das conversas entre personagens,
buscando trazer a poesia e o estudo de caracteres para
o interior dos textos. Se a ação dramática parece prejudicada,
porque há pouca movimentação em cena, ganha-se em literatura
e alcance psicológico nessa forma teatral que aposta tudo
na linguagem bem elaborada dos diálogos. A leitura de
peças como Un Caprice ou On ne Badine pas avec l’Amour mostram o quanto Musset foi um mestre do gênero.
Machado procurou guiar-se
pelo conhecimento que tinha dos provérbios dramáticos
e também pôs em cena personagens refinados, que dialogam
com inteligência e brilho, lançando mão da linguagem cifrada
e dos ditos espirituosos. Em Desencantos já se esboça
o universo que estará presente na maioria das suas comédias:
o da alta sociedade brasileira de seu tempo, constituída
pela burguesia emergente. Aí ele vai colher sugestões
para os enredos e tipos como as viúvas ainda em idade
de se casar, homens ricos que veraneiam em Petrópolis,
negociantes, diplomatas, políticos, advogados, rapazes
e mocinhas bem educados, inteligentes e espirituosos.
Ao reproduzir com algum
realismo o ambiente elegante do Rio de Janeiro, Machado
talvez acreditasse que não se distanciava tanto das comédias
realistas. Ainda que não enfatizasse as lições morais
em suas peças, os personagens que criou poderiam protagonizar
qualquer comédia de Alencar ou Quintino Bocaiúva: pertenciam
à mesma classe social e se exprimiam com naturalidade.
Além disso, seus provérbios dramáticos, construídos predominantemente
com recursos do alto cômico, eram aliados na luta pelo
bom gosto e pela vitória do novo repertório que se contrapunha
ao teatro concebido como pura diversão das massas. Não
podemos esquecer que, como crítico, Machado sempre atacou
as comédias construídas com recursos do baixo cômico e
elementos burlescos. Como comediógrafo, não procedeu de
modo diferente. Basta ler as comédias Desencantos, O Caminho
da Porta e O Protocolo, ou as que escreveu na maturidade,
Não Consultes Médico e Lição de Botânica, para percebermos
que a comicidade está centrada nos diálogos em que predominam
os chistes, a ironia, o humor, as réplicas inteligentes,
o brilho do raciocínio rápido. Os personagens revelam-se
pelo que falam e pelo pouco que fazem, pois estamos diante
de comédias de ação rarefeita, nas quais os enredos não
apresentam grandes conflitos. As situações criadas por
Machado são pontos de partida para uma observação por
vezes sutil, por vezes brincalhona da natureza humana,
apreendida em suas virtudes e defeitos, quase sempre pelo
ângulo do sentimento amoroso. Evidentemente, são comédias
que não têm o mesmo alcance crítico ou a mesma densidade
dos melhores romances e contos do escritor. Para ele,
o teatro foi, na juventude e na maturidade, um gênero
em que praticou a leveza, a concisão, a vivacidade do
estilo e a poesia dos sentimentos.