Odontologistas
e médicos deveriam solicitar exame para medição da quantidade
de vitamina D presente no sangue do paciente, antes de submetê-lo
a tratamento sobre implantes dentais ou ortopédicos. Pesquisa
de doutorado desenvolvida na Faculdade de Odontologia de
Piracicaba (FOP), da Unicamp, em colaboração com a Universidade
da Califórnia (Los Angeles, EUA), demonstrou que a deficiência
da vitamina D pode prejudicar a osseointegração – processo
de cicatrização do material de titânio ao redor do osso
– e levar à perda precoce do implante.
Os resultados do estudo, inéditos na literatura mundial,
deram à autora Cristiane Machado Mengatto o prêmio “Arthur
Frechette New Investigador”, concedido pela Internacional
Association for Dental Research (IADR), durante o Congresso
Internacional de Odontologia realizado este ano em Miami.
Em 2008, ela já havia recebido da Universidade da Califórnia
o prêmio do Inaugural Research Day Award Competition pelo
mesmo trabalho.
“Nosso estudo é pioneiro em verificar a influência da deficiência
de vitamina D sobre a expressão dos genes do tecido ósseo
durante a osseointegração. Ele abre portas para novas pesquisas
nesta linha de investigação, inclusive em relação a outras
patologias ósseas”, afirma Cristiane Mengatto, que está
na FOP desde a graduação. Na verdade, as bases para este
projeto tiveram início quando a autora foi aceita como aluna
de iniciação científica no Departamento de Prótese e Periodontia,
onde ficou locada no mestrado e doutorado, sob orientação
da professora Célia Marisa Rizzatti Barbosa.
Segundo a pesquisadora, o sucesso do implante depende da
integração entre o osso e o material, que por envolver o
titânio se dá de forma diferente da cicatrização óssea normal,
como por exemplo, depois da extração de um dente ou de uma
fratura. “Havendo falha precoce de osseointegração, o implante
vai apresentar mobilidade. Já na reabertura cirúrgica para
colocação do parafuso de cicatrização, verifica-se se ele
poderá receber uma carga [a prótese] ou ficará inutilizado”.
A autora do estudo informa que a eficácia do tratamento
com implantes dentários é elevada, girando em torno dos
98%, mas que as falhas, quando ocorrem, denunciam sérios
problemas, muitas vezes provocados por fatores sistêmicos,
como a deficiência de estrógeno nas mulheres em menopausa,
a osteoporose, o diabetes, o fumo ou alcoolismo. “É a primeira
vez, entretanto, que um estudo reporta a influência da vitamina
D no mecanismo de osseointegração de implantes – que menciono
de maneira geral porque pode ser estendido a tratamentos
ortopédicos”.
Cristiane Mengatto atribui crédito a um trabalho anterior
demonstrando o efeito clínico da deficiência de vitamina
D, em que implantes soltavam-se mais facilmente em ratos
submetidos à carência vitamínica, na comparação com animais
normais. “A revisão de literatura sobre o assunto nos instigou
a investigar quais genes estão envolvidos no processo. A
significância do estudo era de que poderíamos atuar não
apenas com uma suplementação vitamínica aos pacientes, mas
também na modulação desses genes para melhorar a osseointegração”.
Rastreamento
Com financiamento da Capes para um doutorado “sanduíche”
vinculado ao curso de Pós-Graduação em Clínica Odontológica
da FOP, a pesquisadora realizou estágio no laboratório do
Weintraub Center for Reconstructive Biotecnology (centro
de biotecnologia voltado à reconstrução facial da Universidade
da Califórnia), orientada pelo professor Ichiro Nishimura.
Lá, um implante de titânio com formato especial foi inserido
no fêmur de modelos animais, divididos em quatro grupos:
sem implante e que recebeu dieta normal; sem implante e
com dieta pobre em vitamina D; com implante e nível vitamínico
normal; com implante e dieta vitamínica pobre. “Aguardamos
por duas semanas até o início da osseointegração, para então
remover o implante, juntamente com o osso ao seu redor”.
De acordo com Cristiane Mengatto, do osso do interior do
implante extraiu-se o RNA (molécula responsável pela expressão
gênica), por meio da tecnologia denominada microarranjo
de DNA (ou microarray). “Fizemos o rastreamento de 41 mil
genes do animal, bem como da expressão de cada um [se ativo
ou inativo] após os 14 dias de osseointegração. A análise
estatística permitiu verificar quais genes estiveram significativamente
expressos nos animais normais e nos deficientes em vitamina
D”.
As análises trouxeram duas constatações. A primeira referente
a mais de 1.400 genes que se expressaram de modo diferente,
exclusivamente por causa do implante de titânio. “Observamos
que esses genes participam de cinco processos principais
diante da colocação do implante: aumento da formação de
matriz celular; redução da resolução da inflamação e da
resposta imune; aumento do controle da energia corporal
e do metabolismo ósseo; aumento da angiogênese [formação
de vasos sanguíneos]; e aumento da proliferação e diferenciação
celular”.
A segunda constatação refere-se à influência da deficiência
de vitamina D no mecanismo de cicatrização. “Constatamos
que os genes envolvidos nesses cinco processos importantes
para a colocação do implante, quando em animais com carência
vitamínica, apresentaram uma atenuação da sua expressão,
ou seja, ela estava prejudicada ou reduzida. Pudemos concluir,
então, que a deficiência de vitamina D influencia negativamente
nesses processos, podendo alterar a osseointegração”.
A autora da tese acrescenta que cada gene apresentou uma
atenuação diferenciada, mas que dentre os mais de 1.400
genes, foram identificados 20 principais, com alteração
acentuada da sua expressão. Como exemplo, ela cita a proteína
ligante [IGFBP3] que influencia na quantidade do fator de
insulina 1 no sangue. “Este fator de crescimento da insulina
é responsável pelo metabolismo da fibra de colágeno, que
participa da formação óssea. Vimos, portanto, a alteração
de um gene que pode levar a uma modificação óssea direta
ao redor do implante, prejudicando a osseointegração”.
Aplicação
Cristiane Mengatto afirma que a detecção desses genes permitirá,
no futuro, a sua manipulação de maneiras diversas, como
para a elaboração de uma nova superfície de implante ou
de um medicamento local ou sistêmico que melhore a osseointegração.
“Na deficiência de vitamina D, poderemos ministrar uma suplementação
vitamínica e verificar se a expressão dos genes foi melhorada,
antes de o paciente receber o implante”.
Mais de imediato, a pesquisadora sugere a medição do nível
da vitamina em pacientes acima dos 50 anos – os que mais
procuram tratamento por perda de elementos dentários e também
os mais sujeitos a fraturas, sobretudo do fêmur – antes
de se planejar a prótese sobre implante. “No caso de deficiência
acentuada de vitamina D, conviria adiar o procedimento e
encaminhar o paciente ao médico, que analisaria a indicação
de uma suplementação vitamínica, mudanças de hábitos alimentares
ou maior exposição ao sol”.
Atualmente, antes do procedimento cirúrgico, conforme a
autora da tese, o paciente é submetido a vários exames para
verificação da qualidade e quantidade óssea e da saúde geral.
Quanto à quantificação de vitamina D, é pedida apenas pelos
médicos, por exemplo, na existência de osteoporose ou hiperparatiroidismo
(outra doença associada ao nível de cálcio). “Nosso estudo
traz um alerta quanto à hipovitaminose D, que é uma patologia
assintomática, subdiagnosticada e subtratada. Muitas vezes,
o paciente desconhece essa condição quando procura o tratamento
odontológico para implante”.
Autora pede mais estudos epidemiológicos
no Brasil
A pesquisadora Cristiane Mengatto afirma que seu
trabalho de doutorado é um primeiro alerta também
para que se realizem mais estudos sobre a prevalência
da deficiência de vitamina D no Brasil, que orientariam
ações de saúde pública como a suplementação vitamínica
no leite, manteiga e outros alimentos, atingindo
principalmente os idosos. “São pouquíssimos os trabalhos
brasileiros a respeito, talvez por causa de um pré-conceito
de que vivemos num país ensolarado e, por isso,
nossa população não é afetada pelo problema”.
Entretanto, a autora da pesquisa informa sobre
um artigo publicado este ano na revista Osteoporosis
International, que aponta uma prevalência em torno
de 50% de deficiência de vitamina D na América Latina
(incluindo países como Brasil, Chile, México e Argentina),
o que representaria um problema de saúde pública.
“O paper sugere que já está na hora de darmos atenção
à hipovitaminose D, visando ao combate ou prevenção
contra osteoporose, hipoparatiroidismo, câncer e
outras patologias que podem estar a ela associadas”.
Entre as raras pesquisas no Brasil, há uma realizada
no Sudeste, verificando alta deficiência da vitamina
em idosos, principalmente mulheres, e também em
pacientes institucionalizados. “São necessários
outros estudos epidemiológicos que nos deem ideia
da extensão real desta hipovitaminose, como por
exemplo, se é menos prevalente no Norte por causa
do sol, e mais prevalente no Sul devido à pouca
incidência dos raios solares, especialmente durante
o inverno. Em idosos, talvez a prevalência seja
a mesma”.
Segundo Cristiane Mengatto, a preocupação com a
deficiência de vitamina D motivou muitos estudos
nos países desenvolvidos, cujos governos já tomaram
as devidas medidas para a suplementação em alimentos.
“Um resultado bastante interessante é que, mesmo
nos países mais ao norte, onde se esperava que esta
deficiência fosse maior, a prevalência foi reduzida
em vista das ações de saúde pública”.
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