Responda
rapidamente: a capoeira é dança, arte marcial, jogo, manifestação
artística ou expressão cultural? Se você assinalou uma,
duas ou mesmo três das opções oferecidas, é bem possível
que tenha ficado a léguas de distância da definição mais
adequada. “A melhor definição que eu conheço para a capoeira,
cunhada por Almir das Areias, é a que a compara a uma árvore.
Dependendo da necessidade ou motivação da pessoa, a árvore
pode servir para lhe fornecer sombra para o descanso, frutos
para a alimentação e madeira para a construção”, afirma
Eusébio Lôbo da Silva, professor do Departamento de Artes
Corporais do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Capoeirista
há 50 anos, o docente acaba de concluir a coleção intitulada
O corpo na capoeira, constituída por quatro livros. Nos
volumes, o autor aborda uma série de questões relacionadas
às origens, histórias e fundamentos da capoeira. “Minha
preocupação foi produzir uma obra que fosse acessível a
todas as pessoas, em especial aos capoeiristas”, esclarece.
De acordo com Eusébio, que no universo da capoeira é mais
conhecido como Mestre Pavão, embora os livros dialoguem
entre si, eles são “independentes” e podem ser lidos de
forma isolada e em ordem aleatória. Ele conta que optou
por dividir a obra em quatro volumes justamente para facilitar
a leitura. “Assim, as pessoas podem ir diretamente os temas
de seu interesse. Minha expectativa, porém, é que, ao terminar
um volume, o leitor se sinta estimulado a tomar contato
com os outros três, visto que trato de temas considerados
polêmicos ou que estão em permanente discussão entre os
capoeiristas”.
No texto, o docente do IA apresenta ao público algumas
hipóteses. A mais importante delas talvez seja a que considera
a capoeira como a primeira forma genuína de dança brasileira.
De acordo com Eusébio, ao chegarem ao Brasil, os negros
africanos, que pertenciam a variadas etnias, trouxeram diversas
manifestações culturais, às quais ele denomina de “saberes
corporais”. Aqui, por meio de processos de hibridação e
bricolagem, eles teriam produzido uma dança original, que
contou com a contribuição dos indígenas e portugueses. A
partir dessa conjectura, o autor analisa também os princípios
ou conceitos básicos da capoeira. No entender dele, essas
questões não partem de postulados ou do que é dito pelos
mestres. “Os tais princípios ou conceitos têm origem no
jogo corporal. É no corpo que eles se estabelecem, e não
numa ideia ou teoria formulada a priori”, sustenta.
Ainda a esse respeito, Eusébio tem uma frase lapidar. Segundo
ele, “a capoeira se faz no corpo que faz a capoeira”. Dito
de outro modo, não é um conjunto de suposições que definem
o fenômeno, mas o fenômeno que se resolve nele mesmo. “Para
chegar a essas conclusões, eu busquei um distanciamento
do objeto analisado, aproveitando as ferramentas oferecidas
pela dança, inclusive o estilo clássico. A essa metodologia,
eu agreguei outros recursos, como a análise do discurso
e a memória, sempre com o objetivo de analisar os principais
movimentos da capoeira”, explica o docente do IA. Por não
se encaixar numa explicação única, insiste o autor, a capoeira
não pode ser observada a partir de um paradigma cartesiano,
eurocêntrico e maniqueísta.
Essa “nobre arte”, como ele a qualifica, exige outra postura.
“Não dá para definir a capoeira somente como dança, luta,
terapia ou expressão cultural. Ela é tudo isso e muito mais.
Não existe essa dicotomia entre ser dança ou arte marcial.
Quer um exemplo nesse sentindo? Alguns povos africanos vão
para o protesto ou o conflito cantando, dançando e vestidos
com roupas coloridas. E aí as pessoas se perguntam: eles
estão indo para a guerra ou para uma festa? Eles estão indo
para a guerra, mas não fazem separação entre uma coisa e
outra”.
Em relação aos chamados estilos de capoeira [os mais conhecidos
são o Angola e Regional], Eusébio defende em um dos volumes
da coleção que mais do que pensar em características gerais,
é preferível considerar as diversas capoeiras praticadas
no Brasil. A rigor, destaca ele, cada pessoa tem a sua capoeira.
Esta é jogada segundo o repertório de vida, interesse e
aspirações do praticante. “Não temos apenas alguns estilos,
mas muitas capoeiras. Cada pessoa é uma capoeira. Para entender
melhor, nas artes marciais a coisa funciona mais ou menos
assim: quando se é jovem, você ora bloqueia e ora ataca;
quando se está na meia idade, você bloqueia e ataca conjuntamente;
na idade madura, você somente ataca. A capoeira já nasce
nesse último estágio. É aí que os estilos próprios se manifestam.
O estilo, no caso, é a externalização dessa prática”, detalha
o docente do IA.
Quanto aos princípios éticos que regem a capoeira, Eusébio
também considera que eles são determinados pelo jogo corporal.
De acordo com ele, o capoeirista sabe que, estando em pé,
não deve chutar quem está embaixo. “O que define isso é
a relação do corpo no espaço, e não um postulado. Na capoeira,
tanto faz a pessoa estar de cabeça para baixo ou numa posição
que, em tese, seria mais favorável em relação ao oponente.
Na capoeira, não existe esse tipo de valoração. Todas as
posições têm o mesmo valor. Mais uma vez, é o corpo que
define os conceitos, que não permanecem estáticos”.
Atualmente, a capoeira encontra-se difundida em várias
partes do mundo. Por conta do crescente interesse que provoca
nas pessoas, tem sido ensinada com cada vez mais frequência
nas academias de ginástica. “Eu vejo esse fenômeno com naturalidade,
e aponto isso num dos livros da coleção. Eu aprendi a jogar
capoeira na rua e no fundo do quintal. A presença da capoeira
nas academias é uma atualização. Isso não desmerece a nobre
arte. Tenta-se, nesse espaço novo, reproduzir o que acontecia
na rua ou no fundo do quintal. Não há problema nisso. O
problema é quando o mestre tenta definir a capoeira a partir
do seu estilo, a partir de uma visão única. Nesse caso,
o problema não é da academia, mas do professor. Não existe
uma capoeira única e nem a melhor capoeira. Existem capoeiras,
que podem ser praticadas por pessoas de qualquer idade,
peso e altura. É uma arte que serve a todos”.
O lançamento oficial da coleção O corpo na Capoeira ocorrerá
em breve, em data ainda a ser definida. Conforme o professor
Eusébio, a ideia é promover sessões de autógrafos em varias
localidades, entre as quais Campinas e Salvador, cidade
natal do autor. Quem quiser adquirir antecipadamente a obra
completa ou mesmo um dos volumes pode entrar em contato
com a Editora da Unicamp, pelo site,
para fazer a encomenda. Os preços de capa variam de R$ 20
a R$ 22.
SERVIÇO
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Título: O
corpo na capoeira – 4 volumes
Autor: Eusébio Lôbo da Silva
Editora: Editora da Unicamp
Preço de capa: entre R$ 20 e R$ 22
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