EDIMILSON
MONTALTI
Pesquisadores
do Laboratório de Sinalização Celular da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da Unicamp descobriram uma nova função para
uma proteína existente na membrana celular que participa
do desenvolvimento da obesidade. A pesquisa é resultado
da tese de doutorado “Animais knockout para o receptor 1
do TNF-α estão protegidos de obesidade induzida por dieta”,
da bióloga Talita Romanatto. A orientação do trabalho é
do pesquisador e professor Lício Augusto Velloso, do Departamento
de Clínica Médica da FCM.
O estudo foi apresentado no mês de abril durante o XXI
Congresso Europeu de Endocrinologia, ocorrido em Istambul,
na Turquia. A pesquisa recebeu o prêmio de melhor trabalho
na área básica. Após a premiação, o trabalho foi encaminhado
para publicação numa importante revista internacional, de
acordo com os pesquisadores. O resultado da pesquisa abre
uma nova frente de estudos para o desenvolvimento de medicamentos
destinados ao controle da obesidade e do diabetes.
Segundo os pesquisadores, o organismo produz uma série
de reações inflamatórias para a defesa contra infecções.
Quando cortamos o dedo, por exemplo, há um recrutamento
de anticorpos e de outras proteínas que formam uma barreira
para a defesa do organismo. Uma das principais proteínas
envolvidas no início dessa reação, chamada de resposta imune
inata, é a citocina TNF-α, cujas principais funções ocorrem
por meio da sua ligação a receptores específicos.
O TNF-α possui uma família bastante complexa de receptores.
Ela é formada por 29 membros que estão presentes na membrana
das células. Cada receptor tem uma função diferente, sendo
que o mais importante deles e o mais estudado atualmente
é o TNRF1, que está presente em todas as células do organismo.
O interesse em estudar esse receptor se deve ao fato de
existir uma conexão entre os níveis alterados da citocina
TNF-α em casos de obesidade e diabetes. Na opinião de Lício
Velloso, a descoberta do envolvimento do TNF-α no desenvolvimento
dessas doenças, feito por um grupo de Boston no início dos
anos 1990, é uma das mais importantes na área da medicina.
“Remédio sempre atua num determinado alvo que, geralmente,
são proteínas. Quando você identifica uma proteína como
um alvo potencial, você abre uma porta nova para o desenvolvimento
de um novo medicamento. O trabalho da Talita identificou
uma nova função para o receptor de uma proteína que, pelos
estudos desenvolvidos até agora, parece servir de alvo para
o tratamento da obesidade”, explicou o orientador da tese.
Relevância clínica
O processo de produção científica dentro de um laboratório
é imprevisível. Uma pesquisa, por vezes, é rápida – em três
anos o pesquisador chega a um resultado. Às vezes, pode
levar até 10 anos. Tudo depende da complexidade que o pesquisador
encontra durante o processo. Na opinião de Lício Velloso,
a pesquisa desenvolvida por Talita entra na última categoria,
pois ela precisou resolver questões inerentes ao processo
de investigação biológica.
O primeiro passo para o desenvolvimento da pesquisa foi
a instalação de uma colônia de camundongos modificados geneticamente
para o receptor 1 de TNF-α, chamados de camundongos knockout.
Talita adquiriu as matrizes na USP de Ribeirão Preto que
foram importadas do laboratório Jackson, dos Estados Unidos.
O animal produz a proteína TNFR1 de uma maneira modificada,
sendo que ela não tem função fisiológica para o organismo.
Para ter certeza da pureza da linhagem, a pesquisadora fez
a genotipagem dos três primeiros cruzamentos das cobaias.
Só depois ela começou a pesquisa.
Depois que as cobaias atingiram a fase adulta, o animal
knockout e outro normal, chamado de controle, receberam
uma dieta rica em lipídios durante oito semanas. Após esse
período, a pesquisadora constatou que o animal controle
engordou, enquanto que o animal knockout não teve alteração
em seu peso, mesmo comendo mais que o animal controle. Foi
nesse ponto do trabalho que Talita começou a investigar
o por quê do animal knockout não engordar.
Com base em vários experimentos, a pesquisadora constatou
que a ausência do receptor TNFR1 está envolvida num mecanismo
de proteção contra a obesidade. Os animais que não possuem
o receptor funcional apresentaram aumento de gasto energético
involuntário, processo conhecido como termogênese. A pesquisadora
observou que o consumo de oxigênio muscular e total do animal
modificado geneticamente era maior que do animal controle.
“Ao medir o consumo de oxigênio e a produção CO2 do animal
knockout, verificamos que ele gastava mais energia que o
animal controle sem aumentar a temperatura corporal. Mesmo
consumindo uma dieta rica em gorduras, ele não engordava.
O gasto energético era tão alto que ele nem chegava a acumular
gordura”, explicou Talita.
De acordo com os pesquisadores, a relevância clínica do
estudo está no fato de que a maioria dos medicamentos existentes
no mercado foca nas dietas, na ingestão de alimentos, funcionando
como moderadores ou inibidores do apetite. A descoberta
feita no Laboratório de Sinalização Celular mostra a possibilidade
de uma nova forma terapêutica baseada no gasto energético
corporal, por meio da termogênese.
“Nós não podemos inibir totalmente a citocina TNF-α porque
ela participa da resposta inflamatória como defesa do organismo,
mas podemos tentar inibir parcialmente o receptor, procurando
alvos terapêuticos que controlem não a ingestão alimentar,
mas sim que regulem o gasto de gordura corporal”, comentou
Talita.
Para Lício Velloso, a ativação do gasto energético nos
animais knockout para o receptor 1 de TNF-α é um achado
importante. O ponto a ser considerado numa nova fase da
pesquisa é a produção de compostos químicos capazes de interagir
com o receptor e regular a função da proteína. Entretanto,
comentou o orientador da tese, a função dos pesquisadores
do Laboratório de Sinalização Celular não é fazer fármacos,
mas sim descobrir alvos para isso.
Hoje, de acordo com Velloso, os pesquisadores têm uma grande
quantidade de informação que deixa claro que o TNFR1 é um
receptor muito importante na origem da obesidade. “A Talita
é bióloga, eu sou médico e temos na Unicamp a Faculdade
de Engenharia Química e o Instituto de Química. Esperamos,
num determinado momento, interagir com eles para ver se
há interesse em desenvolver um produto na linha termogênica
que ajude no controle da obesidade e do diabetes”, disse
o médico-pesquisador.
Diabetes
De acordo com os pesquisadores, há uma conexão íntima entre
diabetes e obesidade. Dados internacionais demonstram que
80% das pessoas que têm diabetes no mundo, ficaram obesas
antes de desenvolver a doença. Diabetes e obesidade são
doenças que têm componentes genéticos e ambientais. “Ficar
obeso é o primeiro passo para uma pessoa ficar diabética.
E as pessoas obesas têm grande propensão a ter resistência
à insulina”, revelou o Velloso.
Já é de conhecimento dos pesquisadores que a concentração
da citocina TNF-α aumenta, também, a resistência à insulina
em pacientes diabéticos. O TNF-α tem um efeito direto nos
mecanismos de ação da insulina, o principal hormônio que
regula a captação de glicose pelo organismo. Quando se tem
muita proteína TNF-α no organismo, ela prejudica a ação
da insulina e a glicose plasmática aumenta.
“O TNF-α faz parte do início do desencadeamento tanto da
obesidade quanto do diabetes. Se tivermos drogas que controlem
a sua função por meio do receptor TNFR1, nós poderemos ter
uma repercussão boa para o tratamento dessas doenças”, disse
Velloso.