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Parceria com a Fiocruz traz
especialista para a Unicamp
Celeste Emerick atuará nas áreas de
propriedade intelectual e transferência de tecnologia

A socióloga Maria Celeste Emerick, ex-diretora do Departamento do Patrimônio Genético no Ministério do Meio Ambiente, é a nova colaboradora da Agência de Inovação Inova Unicamp. Celeste, cedida por meio de uma parceria com a Fiocruz, sua instituição de origem, veio para atuar nas áreas de propriedade intelectual, transferência de tecnologia e em questões relacionadas ao acesso ao patrimônio genético. A especialista foi Coordenadora de Gestão Tecnológica (Gestec) da Fundação Oswaldo Cruz durante quase 20 anos, onde desenvolveu a Política Institucional de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia. Na entrevista que segue, Celeste fala de sua experiência na Fiocruz e no Ministério do Meio Ambiente e de como pode colaborar com a Unicamp.

A socióloga Maria Celeste Emerick: “Vamos identificar o que cada instituição tem de melhor e trocar experiências” (Foto: Foto: Antoninho Perri)Jornal da Unicamp – Como e quando aconteceu o convite para vir para a Inova?
Celeste Emerick – Quando estava saindo do ministério e retornando para a Fiocruz, recebi o convite de Roberto Lotufo, diretor executivo da Inova Unicamp. Achei totalmente inusitado a princípio, mas comecei a considerar interessante a idéia de conhecer de perto a experiência de uma universidade que vem apresentando resultados bastante significativos na gestão da propriedade intelectual e na interação com a indústria. Eu já conhecia a Inova. Por ter coordenado a Repict por dez anos – de 1998 a 2007 – tive a oportunidade de interagir diretamente com os gestores das diversas instâncias de inovação das instituições brasileiras. E também porque eu me encontrei com o Lotufo em muitas mesas de diversos eventos – ele representando os melhores exemplos de uma universidade, eu representando os melhores exemplos de um instituto de pesquisa.

Nunca competíamos, porque instituto de pesquisa vinculado ao governo federal é bem diferente de universidade, fazendo com que as missões e focos específicos de cada instituição, conduzam a caminhos e desenhos distintos de política institucional. Tínhamos pontos de vista que representavam as diferenças das instituições, e estes olhares diversos sempre agregavam valor às discussões e ao debate.

JU – Você continua na Fiocruz. Como está sendo esta interação?
Celeste Emerick
– Uma nova gestão estava se iniciando na Fiocruz no começo de 2009. O novo presidente, Paulo Gadelha, e alguns assessores manifestaram interesse na minha reinserção institucional quando retornava de Brasília. No processo de avaliação da oportunidade de ampliar a minha experiência profissional, surgiu a idéia de que a minha vinda para a Inova Unicamp poderia também servir para aprimorar o esforço de inovação de ambas as instituições. A partir desta percepção e da constatação de que os atores chaves das duas instituições estavam pensando na mesma direção, a minha vinda foi inserida no âmbito de um convênio de parceria. Como uma das estratégias de atuação do novo presidente da Fiocruz era estreitar laços com instituições paulistas, por que não começar pela Unicamp?

O desafio do convênio é este: eu estar aqui por um tempo e neste tempo tentar otimizar os resultados e as interações tanto no nível técnico quanto de política institucional de inovação. Vamos identificar o que cada instituição tem de melhor e trocar experiências. Temos muito o quê aprender uma com a outra e ambas as instituições buscam aprimorar seu modelo de gestão para valorizar os resultados da pesquisa contribuindo para uma participação efetiva no complexo processo de inovação tecnológica.

JU – Quais são as atividades locais que assumirá na Unicamp?
Celeste Emerick
– Em princípio, elaboramos um plano de trabalho com o objetivo de contribuir tanto para revisão da política de inovação da universidade quanto para a reestruturação da Inova como um todo. Mas como o tempo para fechar o convênio foi maior do que o esperado, quando eu cheguei aqui já havia um processo de reestruturação em curso e o escopo do meu trabalho foi focado nas atividades relacionadas ao estabelecimento de uma estratégia para a área das ciências da vida para aproveitar minha experiência da Fiocruz. A ideia então era construir uma agenda envolvendo os profissionais das faculdades, institutos, centros de tecnologias desse segmento.

Existem diferenças significativas na forma de atuar entre os diversos setores industriais.O complexo industrial da saúde é bastante específico, constituído pelas indústrias farmacêutica, de vacinas, de kits diagnósticos, de hemoderivados, de equipamentos e serviços. É um segmento sofisticado, oligopolizado, que investe vultosos recursos financeiros no desenvolvimento de novos produtos, que usa intensivamente o conhecimento científico e tecnológico e, por isso, tem grande potencial de interação com as instituições que geram conhecimentos. É um dos setores industriais que mais usam o sistema de propriedade intelectual. Lidar com esta indústria não é banal. É uma área que exige profissionalismo, conhecimento da ampla legislação e dos mercados e extrema habilidade e agilidade nas negociações e contratações.

A proteção legal do resultado da P&D feita de forma competente e o depósito de pedido de patente em mercados estratégicos contribuem para a interação com a indústria e, portanto, para a transferência dos resultados para a sociedade e de retornos diversos para a universidade e para os pesquisadores inventores. Também continuo atuando na questão do acesso ao patrimônio genético e legislação a este relacionada.

JU – Qual a sua percepção da postura do pesquisador na Unicamp e na Fiocruz no que tange à proteção da PI?
Celeste Emerick
– A questão da postura do pesquisador é bastante similar nas instituições de ensino e pesquisa, em qualquer instituto de pesquisa e universidade do Brasil e de praticamente todos os países do mundo – a forma de gerar e difundir o conhecimento, a liberdade no trânsito das informações e materiais entre os pares de instituições diversas e de diferentes países, é bastante comum. Portanto, imagino que não deve haver diferenças significativas entre as posturas dos pesquisadores nas nossas instituições, salvo algumas exceções devido à Fiocruz ter atividades de P&D nas unidades de produção industrial (medicamentos e imunobiológicos) que exigem lógicas empresariais e ter criado um Programa de Desenvolvimento Tecnológico de Insumos para a Saúde com regras bastante distintas da pesquisa como um todo. Os pesquisadores que têm uma experiência positiva na interação com os NITs e aqueles que possuem parcerias em P&D com instituições dos países desenvolvidos, em geral sabem a importância dos cuidados que devem ser tomados com as informações novas geradas no âmbito dos projetos.

Como falei anteriormente, um conjunto grande de mudanças está sendo introduzido no ambiente acadêmico nos últimos anos, entre as quais a necessidade de proteção legal dos resultados da pesquisa antes de publicação, a necessidade de formalização de todas as parcerias, as questões de sigilo e dos acordos de confidencialidade. Todo este conjunto de questões novas que estão alterando a rotina da P&D exige enorme habilidade dos gestores e muita informação; portanto, a difusão de conceitos e orientação devem ser contínuas. Capacitação e capacidade de interagir com aqueles que geram o conhecimento e tecnologias são cruciais para o nada fácil exercício da proteção do conhecimento. Para introduzir a importância do sistema de propriedade intelectual nas instituições acadêmicas, tem que se perambular com diplomacia e buscando alinhamento e apoio das hierarquias superiores e aliança com a comunidade científica. Mostrar com clareza as regras estabelecidas pelos acordos internacionais e pelas leis nacionais e o que perdemos se não usamos de forma inteligente e hábil as vantagens que o sistema de patentes oferece. A prática do uso dos bancos de patentes como fonte de informação tecnológica, ao lado das fontes tradicionais de aferição do estado da arte, deve ser enfaticamente estimulada junto aos pesquisadores, diretores e gestores.

JU – E quanto ao tratamento da Propriedade Intelectual nas universidades no exterior e no Brasil?
Celeste Emerick
– Nosso contexto é tão diferente dos países desenvolvidos que, de tudo que se aprende, é preciso analisar o que pode ser aplicado aqui. A diferença começa pela capacidade de investimento em pesquisa, número de doutores, pela competitividade da indústria, pela cultura, pela capacidade de estabelecer e de implementar políticas públicas coerentes com o projeto de desenvolvimento do país.

Os países em desenvolvimento, em geral, estão apanhando bastante na elaboração dos seus instrumentos legais e as interfaces das leis nem sempre são convergentes. Bom exemplo desta situação no Brasil são as legislações de acesso ao patrimônio genético e as de inovação. Nos últimos anos, vem crescendo a interação com escritórios de transferência de tecnologia brasileiros e estrangeiros, seja através de cursos de capacitação, de feiras e eventos ou mesmo de visitas e de treinamento in house. Esta experiência é muito importante para as instituições brasileiras.

Poder dialogar com quem já está com a prática de gestão da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia bem estabelecida, e já elaborou manuais de boas práticas de gestão e outros instrumentos, é sempre positivo. Neste sentido, tanto a Fiocruz quanto a Unicamp vêm procurando aproveitar e criar oportunidades de intercâmbio internacional para aprimorar suas experiências. Fóruns como a Repict, o Fortec, a Anprotec, a Anpei, Biominas, entre outros, vêm cada vez mais promovendo oportunidades para aprimorar a gestão da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia como caminho para contribuir para o sistema de inovação brasileiro.

Além disso, vale destacar que a discussão da inovação ainda é muito recente aqui no Brasil quando comparamos com os EUA, que instituiu legislação em 1980 e outras decorrentes desta que impactaram o patenteamento nas universidades e no licenciamento para as indústrias. O Brasil se inspirou na lei de inovação francesa que vem buscando se aperfeiçoar. Muito embora a lei de inovação brasileira já tenha encontrado minimamente os interlocutores de inovação identificados, em razão de discussões que já vinham sendo tomadas principalmente no âmbito da Repict, mesmo assim, é necessário um tempo para formar a cultura e adequar as regras e as práticas. Estamos em um processo de amadurecimento no Brasil.

Eu acho que toda a capacitação promovida pela Repict, associações de propriedade intelectual, associações empresariais, INPI, OMPI e o InovaNIT (parceria Finep/Unicamp) tem formado muitos profissionais e aumentou a massa crítica e a capacidade de discussão elevando gradativamente o patamar dos debates.

JU – E quais seriam os indicadores de qualidade em nosso contexto?
Celeste Emerick – Se você passa uma régua no mundo todo, o indicador de sucesso é patente licenciada rendendo dinheiro. Mas eu acho que temos que tentar olhar mais amplamente para os nossos indicadores, para que reflitam melhor a nossa realidade. No caso da Fiocruz, por exemplo, ficamos mais conhecidos quando começamos a depositar pedido de patente fora do país. Começamos a virar foco de visita de institutos de propriedade intelectual (da China, por exemplo) e de sondagens de empresas tão logo os pedidos eram divulgados após os 18 meses de sigilo. Isto é um indicador? Eu acho que é, pois tornamos a instituição mais conhecida. A instituição ganha status e moral para atuar como player no negócio mundial de tecnologia.

Assim, temos que definir indicadores que consigam medir e avaliar as nossas experiências em razão de nossas metas e nosso estágio. Patente depositada é um indicador? Em algum momento pode ser. Se você entende que um pedido de patente para ser depositado, o assunto tem que ser novo mundialmente, tem que ter capacidade industrial e atividade inventiva. Isso pode ser um parâmetro interessante para uma instituição. Publicar um artigo numa revista internacional indexada é difícil, mas não chega nem perto das exigências necessárias para você depositar uma patente e conseguir a sua concessão em mercados competitivos. Patente concedida nos países industrializados é um indicador? Ou vamos considerar bom indicador as patentes licenciadas e com retorno financeiro? E aquelas licenças que realmente chegaram com produtos no mercado que resolvem problemas sociais e não necessariamente com sucesso econômico? Alguns indicadores vêm sendo desenvolvidos pelo MCT na busca de consolidar e avaliar a implantação da legislação de Inovação. Acho que várias instituições no Brasil sentem necessidade de definir ou aperfeiçoar indicadores próprios para avaliar e redefinir suas estratégias.


 
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