Jornal
da Unicamp – Como e quando aconteceu o convite para vir
para a Inova?
Celeste Emerick – Quando estava saindo
do ministério e retornando para a Fiocruz, recebi o convite
de Roberto Lotufo, diretor executivo da Inova Unicamp. Achei
totalmente inusitado a princípio, mas comecei a considerar
interessante a idéia de conhecer de perto a experiência
de uma universidade que vem apresentando resultados bastante
significativos na gestão da propriedade intelectual e na
interação com a indústria. Eu já conhecia a Inova. Por ter
coordenado a Repict por dez anos – de 1998 a 2007 – tive
a oportunidade de interagir diretamente com os gestores
das diversas instâncias de inovação das instituições brasileiras.
E também porque eu me encontrei com o Lotufo em muitas mesas
de diversos eventos – ele representando os melhores exemplos
de uma universidade, eu representando os melhores exemplos
de um instituto de pesquisa.
Nunca competíamos, porque instituto de pesquisa vinculado
ao governo federal é bem diferente de universidade, fazendo
com que as missões e focos específicos de cada instituição,
conduzam a caminhos e desenhos distintos de política institucional.
Tínhamos pontos de vista que representavam as diferenças
das instituições, e estes olhares diversos sempre agregavam
valor às discussões e ao debate.
JU – Você continua na Fiocruz. Como está sendo
esta interação?
Celeste Emerick – Uma nova gestão estava se iniciando
na Fiocruz no começo de 2009. O novo presidente, Paulo Gadelha,
e alguns assessores manifestaram interesse na minha reinserção
institucional quando retornava de Brasília. No processo
de avaliação da oportunidade de ampliar a minha experiência
profissional, surgiu a idéia de que a minha vinda para a
Inova Unicamp poderia também servir para aprimorar o esforço
de inovação de ambas as instituições. A partir desta percepção
e da constatação de que os atores chaves das duas instituições
estavam pensando na mesma direção, a minha vinda foi inserida
no âmbito de um convênio de parceria. Como uma das estratégias
de atuação do novo presidente da Fiocruz era estreitar laços
com instituições paulistas, por que não começar pela Unicamp?
O desafio do convênio é este: eu estar aqui por um tempo
e neste tempo tentar otimizar os resultados e as interações
tanto no nível técnico quanto de política institucional
de inovação. Vamos identificar o que cada instituição tem
de melhor e trocar experiências. Temos muito o quê aprender
uma com a outra e ambas as instituições buscam aprimorar
seu modelo de gestão para valorizar os resultados da pesquisa
contribuindo para uma participação efetiva no complexo processo
de inovação tecnológica.
JU – Quais são as atividades locais que assumirá
na Unicamp?
Celeste Emerick – Em princípio, elaboramos um plano
de trabalho com o objetivo de contribuir tanto para revisão
da política de inovação da universidade quanto para a reestruturação
da Inova como um todo. Mas como o tempo para fechar o convênio
foi maior do que o esperado, quando eu cheguei aqui já havia
um processo de reestruturação em curso e o escopo do meu
trabalho foi focado nas atividades relacionadas ao estabelecimento
de uma estratégia para a área das ciências da vida para
aproveitar minha experiência da Fiocruz. A ideia então era
construir uma agenda envolvendo os profissionais das faculdades,
institutos, centros de tecnologias desse segmento.
Existem diferenças significativas na forma de atuar entre
os diversos setores industriais.O complexo industrial da saúde é bastante específico, constituído
pelas indústrias farmacêutica, de vacinas, de kits diagnósticos,
de hemoderivados, de equipamentos e serviços. É um segmento
sofisticado, oligopolizado, que investe vultosos recursos
financeiros no desenvolvimento de novos produtos, que usa
intensivamente o conhecimento científico e tecnológico e,
por isso, tem grande potencial de interação com as instituições
que geram conhecimentos. É um dos setores industriais que
mais usam o sistema de propriedade intelectual. Lidar com
esta indústria não é banal. É uma área que exige profissionalismo,
conhecimento da ampla legislação e dos mercados e extrema
habilidade e agilidade nas negociações e contratações.
A proteção legal do resultado da P&D feita de forma
competente e o depósito de pedido de patente em mercados
estratégicos contribuem para a interação com a indústria
e, portanto, para a transferência dos resultados para a
sociedade e de retornos diversos para a universidade e para
os pesquisadores inventores. Também continuo atuando na
questão do acesso ao patrimônio genético e legislação a
este relacionada.
JU – Qual a sua percepção da postura do pesquisador
na Unicamp e na Fiocruz no que tange à proteção da PI?
Celeste Emerick – A questão da postura do
pesquisador é bastante similar nas instituições de ensino
e pesquisa, em qualquer instituto de pesquisa e universidade
do Brasil e de praticamente todos os países do mundo – a
forma de gerar e difundir o conhecimento, a liberdade no
trânsito das informações e materiais entre os pares de instituições
diversas e de diferentes países, é bastante comum. Portanto,
imagino que não deve haver diferenças significativas entre
as posturas dos pesquisadores nas nossas instituições, salvo
algumas exceções devido à Fiocruz ter atividades de P&D
nas unidades de produção industrial (medicamentos e imunobiológicos)
que exigem lógicas empresariais e ter criado um Programa
de Desenvolvimento Tecnológico de Insumos para a Saúde com
regras bastante distintas da pesquisa como um todo. Os pesquisadores
que têm uma experiência positiva na interação com os NITs
e aqueles que possuem parcerias em P&D com instituições
dos países desenvolvidos, em geral sabem a importância dos
cuidados que devem ser tomados com as informações novas
geradas no âmbito dos projetos.
Como falei anteriormente, um conjunto grande de mudanças
está sendo introduzido no ambiente acadêmico nos últimos
anos, entre as quais a necessidade de proteção legal dos
resultados da pesquisa antes de publicação, a necessidade
de formalização de todas as parcerias, as questões de sigilo
e dos acordos de confidencialidade. Todo este conjunto de
questões novas que estão alterando a rotina da P&D exige
enorme habilidade dos gestores e muita informação; portanto,
a difusão de conceitos e orientação devem ser contínuas.
Capacitação e capacidade de interagir com aqueles que geram
o conhecimento e tecnologias são cruciais para o nada fácil
exercício da proteção do conhecimento. Para introduzir a
importância do sistema de propriedade intelectual nas instituições
acadêmicas, tem que se perambular com diplomacia e buscando
alinhamento e apoio das hierarquias superiores e aliança
com a comunidade científica. Mostrar com clareza as regras
estabelecidas pelos acordos internacionais e pelas leis
nacionais e o que perdemos se não usamos de forma inteligente
e hábil as vantagens que o sistema de patentes oferece.
A prática do uso dos bancos de patentes como fonte de informação
tecnológica, ao lado das fontes tradicionais de aferição
do estado da arte, deve ser enfaticamente estimulada junto
aos pesquisadores, diretores e gestores.
JU – E quanto ao tratamento da Propriedade Intelectual
nas universidades no exterior e no Brasil?
Celeste Emerick – Nosso contexto é tão diferente
dos países desenvolvidos que, de tudo que se aprende, é
preciso analisar o que pode ser aplicado aqui. A diferença
começa pela capacidade de investimento em pesquisa, número
de doutores, pela competitividade da indústria, pela cultura,
pela capacidade de estabelecer e de implementar políticas
públicas coerentes com o projeto de desenvolvimento do país.
Os países em desenvolvimento, em geral, estão apanhando
bastante na elaboração dos seus instrumentos legais e as
interfaces das leis nem sempre são convergentes. Bom exemplo
desta situação no Brasil são as legislações de acesso ao
patrimônio genético e as de inovação. Nos últimos anos,
vem crescendo a interação com escritórios de transferência
de tecnologia brasileiros e estrangeiros, seja através de
cursos de capacitação, de feiras e eventos ou mesmo de visitas
e de treinamento in house. Esta experiência é muito importante
para as instituições brasileiras.
Poder dialogar com quem já está com a prática de gestão
da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia
bem estabelecida, e já elaborou manuais de boas práticas
de gestão e outros instrumentos, é sempre positivo. Neste
sentido, tanto a Fiocruz quanto a Unicamp vêm procurando
aproveitar e criar oportunidades de intercâmbio internacional
para aprimorar suas experiências. Fóruns como a Repict,
o Fortec, a Anprotec, a Anpei, Biominas, entre outros, vêm
cada vez mais promovendo oportunidades para aprimorar a
gestão da propriedade intelectual e da transferência de
tecnologia como caminho para contribuir para o sistema de
inovação brasileiro.
Além disso, vale destacar que a discussão da inovação ainda
é muito recente aqui no Brasil quando comparamos com os
EUA, que instituiu legislação em 1980 e outras decorrentes
desta que impactaram o patenteamento nas universidades e
no licenciamento para as indústrias. O Brasil se inspirou
na lei de inovação francesa que vem buscando se aperfeiçoar.
Muito embora a lei de inovação brasileira já tenha encontrado
minimamente os interlocutores de inovação identificados,
em razão de discussões que já vinham sendo tomadas principalmente
no âmbito da Repict, mesmo assim, é necessário um tempo
para formar a cultura e adequar as regras e as práticas.
Estamos em um processo de amadurecimento no Brasil.
Eu acho que toda a capacitação promovida pela Repict, associações
de propriedade intelectual, associações empresariais, INPI,
OMPI e o InovaNIT (parceria Finep/Unicamp) tem formado muitos
profissionais e aumentou a massa crítica e a capacidade
de discussão elevando gradativamente o patamar dos debates.
JU – E quais seriam os indicadores de qualidade
em nosso contexto?
Celeste Emerick – Se você passa uma régua
no mundo todo, o indicador de sucesso é patente licenciada
rendendo dinheiro. Mas eu acho que temos que tentar olhar
mais amplamente para os nossos indicadores, para que reflitam
melhor a nossa realidade. No caso da Fiocruz, por exemplo,
ficamos mais conhecidos quando começamos a depositar pedido
de patente fora do país. Começamos a virar foco de visita
de institutos de propriedade intelectual (da China, por
exemplo) e de sondagens de empresas tão logo os pedidos
eram divulgados após os 18 meses de sigilo. Isto é um indicador?
Eu acho que é, pois tornamos a instituição mais conhecida.
A instituição ganha status e moral para atuar como player
no negócio mundial de tecnologia.
Assim, temos que definir indicadores que consigam medir
e avaliar as nossas experiências em razão de nossas metas
e nosso estágio. Patente depositada é um indicador? Em algum
momento pode ser. Se você entende que um pedido de patente
para ser depositado, o assunto tem que ser novo mundialmente,
tem que ter capacidade industrial e atividade inventiva.
Isso pode ser um parâmetro interessante para uma instituição.
Publicar um artigo numa revista internacional indexada é
difícil, mas não chega nem perto das exigências necessárias
para você depositar uma patente e conseguir a sua concessão
em mercados competitivos. Patente concedida nos países industrializados
é um indicador? Ou vamos considerar bom indicador as patentes
licenciadas e com retorno financeiro? E aquelas licenças
que realmente chegaram com produtos no mercado que resolvem
problemas sociais e não necessariamente com sucesso econômico?
Alguns indicadores vêm sendo desenvolvidos pelo MCT na busca
de consolidar e avaliar a implantação da legislação de Inovação.
Acho que várias instituições no Brasil sentem necessidade
de definir ou aperfeiçoar indicadores próprios para avaliar
e redefinir suas estratégias.