O senhor Koiti Osawa será a ausência sentida na cerimônia
comemorativa da tese de número 2000 da Faculdade de Engenharia
de Alimentos (FEA) da Unicamp, marcada para as 15 horas
deste dia 20 de agosto, no salão nobre da Unidade. Foi sua
filha, Cibele Cristina, quem defendeu a tese de doutorado,
em 27 de julho, depois de desenvolver os dois últimos anos
de pesquisa em meio ao drama da doença do pai. In memoriam,
a autora dedica o trabalho àquele que mais a incentivou
a concluí-lo. “Já considero uma vitória ter defendido a
tese. Além das circunstâncias, o tema é complexo e exigiu
muito trabalho experimental. Recebo como um belo presente
o fato de ser a tese 2000”.
A FEA foi a primeira unidade a criar um curso de pós-graduação
na Unicamp e, na opinião da diretora Gláucia Pastore, a
marca histórica no número de dissertações e teses consolida
sua posição como difusora do conhecimento na área de alimentos
na América Latina. “Notamos que a Pós-Graduação em alimentos
está crescendo muito no Brasil e é com orgulho que vemos
uma origem disso na FEA. Muitos professores fizeram aqui
o mestrado e doutorado, voltando às suas instituições para
criarem novos cursos”.
O estudo de Cibele Osawa, orientado pela professora Lireny
Aparecida Guaraldo Gonçalves, faz parte de uma linha de
pesquisa focada no descarte e na qualidade do óleo utilizado
para frituras comercializadas no país, atendendo a necessidades
da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e demais
órgãos fiscalizadores. “Iniciamos esta linha de pesquisa
na década de 90, analisando batatas fritas servidas em restaurantes
e redes de fast-food, inclusive no Restaurante Universitário
da Unicamp”, afirma Lireny Gonçalves, que chefia o Departamento
de Tecnologia de Alimentos e coordena o Laboratório de Óleos
e Gorduras.
Segundo a docente da FEA, resultados obtidos pela ProTeste,
entidade civil independente ligada à Associação Brasileira
de Defesa do Consumidor, apontaram índices elevados de compostos
de decomposição na batata e no óleo coletados nos estabelecimentos.
“Ao tomar conhecimento dos resultados, a Anvisa cogitou
elaborar uma legislação para frituras. Chamada à reunião,
argumentei que a lei não seria cumprida, pois o método de
quantificação destes compostos é complexo, caro e demorado,
impossibilitando o auto de infração in situ”.
A pesquisadora esclareceu sobre a necessidade de validações
de testes rápidos que atestem a qualidade do óleo dentro
da fritadeira, no momento da visita do técnico da vigilância
sanitária. Diante disso, a Anvisa optou por colocar em vigor
dez “recomendações de boas práticas de fritura”, quase todas
sugeridas pela Unicamp com base em legislação internacional,
a exemplo do uso de fritadeiras com termostato para manter
a temperatura do óleo em torno dos 180ºC; teor máximo de
2% de ácido linolênico (ácido graxo presente na maioria
dos óleos vegetais); acidez não maior que 0,9% e filtrações
para retirar sulfactantes do óleo, preservando sua qualidade
por mais tempo.
Lireny Gonçalves explica que temperatura, umidade do alimento
e oxigênio são três fatores para a formação de polares –
substâncias que se originam da degradação do óleo em pontos
onde se têm duplas ligações nos ácidos graxos. Estes se
degradam conforme o óleo é usado, interagindo com o oxigênio
da superfície para gerar produtos menores como aldeídos
e cetonas. “A temperatura da fritadeira precisa ser fixada
em 180 graus; acima disso, há formação intensa de polímeros
e aumento de polares. Os polares são medidos com a técnica
de cromatografia líquida em coluna aberta, sofisticada para
uso em descarte”.
De acordo com Cibele Osawa, na fritura de alimentos por
imersão ocorre uma série complexa de alterações e reações,
produzindo compostos de decomposição, cujo nível varia conforme
o alimento, tipo de óleo ou gordura, modelo de fritadeira
e condições de operação. “Esses óleos devem ser descartados
após algum tempo de uso devido aos efeitos maléficos dos
produtos de degradação”.
A pesquisa
A tese de doutorado mereceu elogios da banca examinadora
devido à sua amplitude, pois incluiu pesquisa de campo sobre
o nível de informação dos manipuladores de alimentos; análise
de frituras (empanados de frango e de carne) feitas por
métodos convencionais; avaliação da eficácia de testes rápidos
comerciais; e a análise de odor por julgadores treinados
(olfatometria), recurso nunca antes utilizado para óleos
de frituras, com a identificação de compostos voláteis importantes.
O estudo foi feito com frituras em oleína de palma e em
óleo de algodão, que atendem ao limite de 2% de ácido linolênico
(o que garante a estabilidade do óleo por maior tempo) e
ao teor desejável de ácido oléico (acima de 50%). “O óleo
de soja, o mais consumido nos domicílios, foi descartado
devido à concentração elevada de ácido linolênico (5%).
O óleo de algodão já esteve muito presente em nossa mesa,
enquanto o de palma é usado pela indústria há vários anos”,
diz a professora Lireny Gonçalves.
Cibele Osawa contatou 15 estabelecimentos que servem refeições
em Campinas, sendo que 13 aceitaram participar da pesquisa,
respondendo ao questionário para avaliar o conhecimento
sobre frituras e qualidade do óleo e cedendo amostras para
análises. Em troca, foram orientados sobre boas práticas
de fritura e medidas corretivas. “Ao todo, foram avaliadas
59 amostras, tanto de frituras em laboratório como doadas
pelos comerciantes para verificação da eficácia dos testes
rápidos”.
Sem trans
A autora da tese informa que a oleína de palma e o óleo
de algodão mostraram-se como boas opções para frituras,
em função dos níveis adequados de ácido linolênico e ácido
oléico, da grande estabilidade oxidativa e da quase ausência
de isômeros trans, sendo possível rotular os alimentos fritos
como “zero trans”. “Mas é importante ressaltar que alguns
estabelecimentos parceiros ainda utilizavam óleo de soja
ou gordura hidrogenada (que resulta em trans) e temperaturas
acima de 180 graus”.
Embora fossem mantidas as mesmas condições experimentais
(fritadeira, tipo de óleo e alimento), constatou-se falta
de reprodutibilidade do processo de fritura, significando
que o descarte do óleo não pôde ser baseado no número de
dias em que foi utilizado. “No entanto, a oleína de palma
apresentou quantidades mínimas de produtos polimerizados,
tendo sido possível sua utilização por mais tempo que o
óleo de algodão. Frituras de produtos cárneos empanados
tiveram variações entre 4 a 17 dias para se tornarem inapropriados
nestes dois óleos”.
Normalmente, acrescenta a especialista, há desinformação
de quem manipula o processo de fritura, mesmo em estabelecimentos
preocupados em assegurar o sabor, odor e textura dos alimentos
fritos. “Para avaliar se o óleo deve ser descartado, os
operadores das fritadeiras se baseiam em características
sensoriais, como escurecimento, aparecimento de fumaça e
odor do óleo degradado”.
Teste rápido
Com o propósito de buscar uma alternativa de fiscalização
para a vigilância sanitária e de oferecer parâmetros objetivos
para os estabelecimentos, Cibele Osawa avaliou três medidores
de qualidade do óleo encontrados no mercado internacional:
o espanhol Viscofrit, o alemão Testo 265 e o belga Fri-check.
“Há possibilidades de se recorrer a esses testes rápidos,
mas respeitando suas limitações”.
Ela explica que o equipamento espanhol incorre em erros
no caso de gorduras porque a medição é feita em temperatura
mais elevada do que para um óleo vegetal; o alemão superestima
os resultados por conta da umidade do alimento; e o belga
carece de mais estudos. “No caso do Testo 265, é preciso
aplicar um fator de correção para chegar a resultados equivalentes
aos da cromatografia de coluna aberta”.
Em relação aos compostos voláteis do óleo de fritura, a
autora do estudo recorreu pela primeira vez à análise sensorial
olfatométrica, sob orientação da professora da FEA Maria
Aparecida Azevedo da Silva. Quatro julgadores treinados
detectaram 135 compostos, sendo que 31 foram identificados
por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa.
– dentre eles, vários não estavam reportados na literatura,
demonstrando o ineditismo do trabalho.
Os tipos e o descarte
Em sua tese de doutorado, Cibele Osawa explica
que existem dois tipos de frituras por imersão:
contínua e descontínua. Vemos a fritura contínua
nas indústrias de alimentos, como de snacks e batatas
fritas, onde as fritadeiras funcionam em capacidade
plena, com um único produto, tempo e temperatura
controlados e reposição regular do óleo devido à
absorção pelo alimento – a taxa de reposição do
óleo é fator fundamental para manter a qualidade
do óleo de fritura, sem necessidade do descarte.
Nestas fritadeiras, o monitoramento do percentual
de ácidos graxos livres no óleo é suficiente.
A fritura descontínua é a adotada por estabelecimentos
que servem alimentos, isto é, em bateladas, de acordo
com a demanda, com picos e quedas de produção durante
o dia. Nestes estabelecimentos, as fritadeiras produzem
alimentos variados e operam a temperaturas elevadas,
sem controle também do tempo, devido à necessidade
de atender de imediato ao consumidor; tudo isso
resulta em um óleo com alto teor de alteração.
Legislação
A professora Lireny Gonçalves, por sua vez, atenta
para a falta de uma legislação que contemple parâmetros
de qualidade do óleo de descarte utilizado em frituras.
“No exterior, há grande preocupação com seu uso
na fabricação de rações para animais que, no final,
servirão ao consumo humano. A literatura relata
a presença inclusive de dioxinas derivadas de óleos
usados abusivamente e estocados em más condições,
que podem vir a ocorrer na mesa do consumidor, o
que é muito preocupante”.
Por outro lado, a docente da FEA observa com alívio
que o Brasil esteja direcionando parte deste óleo
para o biodiesel, principalmente em nível municipal,
graças à ação de associações, ONGs e empresas interessadas
em seu processamento. “Grandes consumidores como
as redes de fast-food não jogam mais o óleo no esgoto.
Há diversas associações que monopolizam a coleta
do óleo visando também à fabricação de sabão para
a população de baixa renda”.
|