Maior
exportador de carne bovina do mundo, o Brasil negociou 2,2
milhões de toneladas do alimento em 2008, o que lhe rendeu
US$ 5,3 bilhões em divisas, segundo dados da Associação
Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).
Apesar desse desempenho, o país tem encontrado problemas
para colocar o produto no mercado internacional, em razão
das rigorosas barreiras sanitárias impostas pelos compradores.
Uma dificuldade recente enfrentada pelos produtores nacionais
tem sido causada por dois microorganismos que, embora não
sejam patogênicos, provocam o estufamento das embalagens
a vácuo onde os cortes são acondicionados sob refrigeração.
“A carne nessa condição é imediatamente rejeitada pelos
importadores”, afirma a química de alimentos Vanessa Pires
da Rosa, que investigou a questão em sua tese de doutoramento,
apresentada na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
da Unicamp. No trabalho, orientado pelo professor Arnaldo
Yoshiteru Kuaye e pela bióloga Dirce Yorika Kabuki, ela
isolou, identificou e testou métodos de controle dos referidos
microorganismos.
De acordo com Vanessa, os problemas em destaque começaram
a ocorrer, há alguns anos, com frigoríficos brasileiros
exportadores de carnes bovinas, especialmente os instalados
no Estado de São Paulo. Por conta disso, algumas empresas
resolveram procurar a FEA para propor parceria para o desenvolvimento
de um estudo que pudesse identificar as possíveis fontes
de contaminação pelos microorganismos cientificamente conhecidos
como Clostridium estertheticum e Clostridium gasigenes.
Firmada a cooperação, que contou com o apoio financeiro
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), o passo seguinte foi o desenvolvimento
do projeto, iniciado com visitas aos frigoríficos e coletas
de amostras para análises.
A autora da tese conta que visitou em várias oportunidades
duas empresas, uma em São Paulo e outra em Goiás. Nas visitas,
ela coletou 720 amostras de produtos cárneos e de ambientes,
que foram analisadas no Laboratório de Higiene da FEA. “Os
ensaios em laboratório foram muito difíceis, pois ambos
os microorganismos sobrevivem em ambiente livre de oxigênio.
Assim, nós tivemos que recorrer a equipamentos que proporcionassem
ambientes totalmente anaeróbios para o seu isolamento”,
explica Vanessa. Para a detecção e rastreamento de C. estertheticum
e C. gasigenes ao longo da linha de processamento, a pesquisadora
recorreu a técnicas de biologia molecular. O rastreamento
permitiria a possível associação entre a contaminação dos
produtos cárneos e os ambientes ou etapas de processo.
Conforme
Vanessa, foram encontrados ambos os microorganismos nos
ambientes dos frigoríficos, sendo que o Clostridium estertheticum,
principal causador do estufamento das embalagens a vácuo,
foi localizado nas duas empresas. “Nós identificamos os
contaminantes em pontos como a serra elétrica que divide
a carcaça, o rolete de retirada do couro, o piso da câmara
fria, as embaladoras a vácuo e nas próprias carcaças. Estes
resultados evidenciam que os frigoríficos precisam melhorar
os programas de higienização, para evitar que esse tipo
de contaminação se alastre ainda mais”, afirma a química
de alimentos.
Em relação ao controle dos microorganismos, Vanessa promoveu
testes in vitro com diversos sanitizantes. A partir dos
ensaios ficou evidenciado que tanto os esporos de Clostridium
estertheticum quanto os de Clostridium gasigenes são sensíveis,
por exemplo, ao ácido peracético, substância que poderia
vir a ser uma alternativa nos programas de higienização
das instalações. “As pesquisas em torno do controle desses
microorganismos estão tendo continuidade na FEA, visto que
o tema é muito importante para o a indústria cárnea do país.
Apenas para dar uma ideia dessa relevância, existem frigoríficos
brasileiros que exportam perto de 80% da sua produção”,
informa Vanessa. Além de investigar a contaminação da carne
nos frigoríficos, a pesquisadora também analisou amostras
de produtos adquiridos no comércio varejista de Campinas.
A presença destes microorganismos, diz, foi confirmada nas
três marcas analisadas.
Deterioração
Os microorganismos Clostridium estertheticum e Clostridium
gasigenes não são patogênicos, ou seja, não têm a capacidade
de provocar doenças caso sejam ingeridos. Entretanto, ao
contaminarem produtos cárneos embalados a vácuo acondicionados
sob refrigeração, eles promovem o estufamento desses invólucros.
Também causam a deterioração do produto, que tem a sua cor,
odor e textura modificados. “Quando os compradores identificam
algumas embalagens nessa condição, eles rejeitam o lote
todo, por medida de segurança”, reforça a autora da tese.
Ainda segundo ela, são necessários de 40 a 60 dias para
que os microorganismos se desenvolvam e produzam o estufamento
da embalagem. O prazo de validade das carnes embaladas a
vácuo mantidas sob refrigeração é de 120 dias. Além do Brasil,
assinala Vanessa, o Clostridium estertheticum e o Clostridium
gasigenes têm sido encontrados em produtos cárneos de outros
países produtores, como a Nova Zelândia e Estados Unidos.