MANUEL
ALVES FILHO
Em
22 de outubro de 1908 morria o jornalista, contista, poeta
e dramaturgo Arthur Azevedo. No ano passado, o literato
mereceu uma série de homenagens por conta de seu 100º aniversário
de morte. Uma delas, entretanto, foi concretizada apenas
em junho último, por meio do lançamento do livro “O Theatro
– Crônicas de Arthur Azevedo”, organizado por Larissa de
Oliveira Neves e Orna Messer Levin, ambas professoras da
Unicamp, a primeira do Instituto de Artes (IA) e a segunda
do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). A obra, produzida
pela Editora da Unicamp, é composta por dois textos de apresentação
e de um CD que traz 680 crônicas escritas por Arthur Azevedo
para o jornal A Notícia, do Rio de Janeiro, entre os anos
de 1894 e 1908. “Um dado importante é que o CD conta com
um sistema de busca que permite ao leitor usar palavras-chaves
para ir direto a um determinado tema”, informa Larissa.
A publicação contou com patrocínio da Petrobras e Ministério
da Cultura.
O
livro é resultado de pesquisas desenvolvidas para os trabalhos
de mestrado e doutorado de Larissa, os dois orientados por
Orna. Na parte impressa, as organizadoras fazem uma apresentação
tanto das atividades literárias de Arthur Azevedo quanto
das crônicas presentes no CD. “É uma espécie de guia, que
deve ser muito útil para quem quer se familiarizar ou se
aprofundar na obra desse importante autor brasileiro”, infere
Larissa. De acordo com ela, os textos de Arthur Azevedo
foram transcritos da forma como foram publicados. Assim,
não houve atualização ortográfica. Os erros tipográficos
também foram mantidos. Os trechos ilegíveis, em razão do
estado de conservação de alguns originais, mereceram notas
explicativas. “Foi um trabalho de fôlego. Recorremos aos
acervos do Arquivo Edgard Leuenroth [AEL, da Unicamp], Fundação
Casa de Rui Barbosa e Biblioteca Nacional. Além disso, também
tivemos que contar com o trabalho de alunos de graduação
do IEL, para que pudéssemos fazer as transcrições”, destaca
Orna.
As crônicas contidas no CD foram escritas originalmente
para a coluna intitulada O Theatro, que Arthur Azevedo manteve
por 14 anos no jornal carioca A Notícia. O trabalho foi
interrompido por conta da morte do autor. Nos textos, assinala
Larissa, o escritor abordava os mais diversos aspectos relacionados
aos espetáculos teatrais que eram encenados na então capital
federal. O colunista fazia desde críticas das montagens
até comentários acerca do comportamento de atores, empresário
e músicos, passando por aspectos relacionados à vida pública.
“A pretexto de falar sobre teatro, Arthur Azevedo também
tocava em temas sociais importantes, como problemas relacionados
ao transporte, saúde, saneamento etc”, afirma Orna.
Em
relação aos profissionais ligados às artes cênicas, diz
Larissa, o escritor tinha um comportamento um tanto paternalista.
Mesmo quando fazia críticas ao desempenho deles, sempre
reservava um comentário em tom de estímulo, observando que
o criticado tinha condições de melhorar. A professora do
IA revela que Arthur Azevedo tinha um comportamento diferente
do manifestado pelos atuais críticos de teatro. Estes, não
raro, assistem aos espetáculos e fazem suas considerações.
“Arthur Azevedo, não. Além de assistir às montagens, ele
se envolvia com assuntos de bastidores e mantinha relações
mais ou menos próximas com vários atores, dramaturgos, cenógrafos
e músicos. Em razão disso, ele tinha uma posição de defesa
da classe artística. Dizia, por exemplo, que as atrizes
também eram mães e esposas, e que não podiam ser confundidas
com as chamadas mulheres de vida fácil”, exemplifica Larissa.
Além de espaço para a crítica teatral, a coluna de A Notícia
também serviu de instrumento para algumas campanhas deflagradas
ou encampadas por Arthur Azevedo. Uma delas defendia a necessidade
de o Rio de Janeiro construir o seu Teatro Municipal. O
escritor considerava que o espaço era indispensável a uma
cidade que se pretendia culta e cosmopolita. Infelizmente,
o colunista morreu antes de ver a obra concluída. Segundo
Orna, Arthur Azevedo evitava fazer comentários sobre as
próprias peças na coluna, alegando ser suspeito para tal.
Entretanto, não se furtava em usar
o espaço do jornal para responder aos críticos, quase sempre
em tom de ironia. A picardia, registre-se, talvez tenha
sido a característica mais marcante dos textos dele, seja
na dramaturgia, seja nos contos e crônicas. “A maioria tem
sempre uma boa dose do humor”, reforça a professora do IEL.
Quanto às peças concebidas por Arthur Azevedo, elas se
prestavam muito mais à diversão do que propriamente à reflexão,
embora esta também fosse estimulada em seus textos. Suas
criações mais conhecidas nessa área foram classificadas
no gênero Teatro de Revista. “O teatro de Arthur Azevedo
não era engajado ou revolucionário. Entretanto, ele foi
inovador em um aspecto importante. Nas suas criações, a
cultura brasileira estava sempre presente. Ele lançava mão
dos modos de falar do malandro, do capoeira e do caipira,
bem como de músicas de compositores brasileiros. Isso numa
época em que os atores, empresários e produtores eram na
maioria portugueses. Era uma postura muito avançada para
o período, visto que somente na década de 20, com o advento
do Movimento Modernista, é que artistas e intelectuais pregaram
abertamente a defesa da língua nacional e a ruptura com
Portugal”, pontua Orna.
Ademais,
acrescenta Larissa, o literato também era um entusiasta
do teatro amador. Enxergava nessa manifestação o possível
ponto de partida para a produção de um teatro mais literário
no país. “Não se tratava da defesa do teatro moderno, uma
vez que Arthur Azevedo tinha uma postura conservadora. Não
gostava, por exemplo, das peças inovadoras vindas da Europa,
a exemplo das obras de Ibsen, preferindo uma dramaturgia
mais tradicional. Entretanto, ele defendia a ideia de um
teatro mais literário”. De acordo com as organizadoras de
“O Theatro”, o livro somente pôde ser publicado por causa
dos patrocínios da Petrobras e do Ministério da Cultura.
“Sem esse tipo de apoio, teria sido impossível reunir o
material, transcrever as crônicas e produzir uma obra dessa
envergadura, que certamente servirá não apenas aos leitores
em geral, mas principalmente àqueles que se interessam em
pesquisar aspectos relacionados ao teatro e aos panoramas
cultural e social daquele período”, finaliza Orna.
Excerto
O Theatro, 11/10/1894
Tivemos no Lyrico, pela companhia Tomba, Carmem,
opera em 4 actos, de Meilhac e Halévy, musica de
Bizet; La mascotte, opereta em 3 actos, de Chivot
e Duru, musica de Audran, e Le petit duc, de Meilhac
e Halévy, musica de Lecocq – tres peças bastante
conhecidas da nossa platéa, o que naturalmente me
dispensa analysal-as aqui.
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O annuncio de Carmem, que ha muito tempo não era
cantada no Rio de Janeiro provocou um grande movimento
de curiosidade, e o theatro encheu- se de um publico
animado das melhores disposições. Infelizmente o
resultado não correspondeu á espectativa. A enscenação
era o que se podia exigir de me melhor, mas a orchestra,
insufcientissima, claudicou por vezes, os córos
estiveram de um indisciplina lastimável e todos
os papeis foram mais ou menossacrifcados.
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A Sra. Paoli tem voz, sabe cantar e não é destituida
de talento, mas nem as suas aptidões artisticas
nem o seu physico se compadecem com o typo da Carmem,
que é, talvez, o personagem mais complexo, mais
difcil e mais esmagador de todo o repertorio lyrico
moderno. O publico applaudiu, levado, sem duvida,
pela justa consideração da modicidade dos preços
dos bilhetes; mas o chronista, que vai de graça
ao theatro, nada tem que ver com isso; o mais que
póde fazer é repetir o que diz a sabedoria das nações:
o barato sai caro. As pessoas que não conheciam
a Carmen e foram ouvil-a pela companhia Tomba tiveram
apenas uma pallida idéa do que é a primorosa e incomparavel
opera que traçou novos e amplos horizontes á escola
musical franceza.
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