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Hastes ortopédicas, das adaptadas
na FCM às concebidas na FEM

Protótipo 100%
nacional. E biocompatível

RAQUEL DO CARMO SANTOS

O médico William Dias Belangero mostra haste (abaixo) usada nos procedimentos cirúrgicos: resultados revelam grande sobrevida de implantes (Foto: Antoninho Perri)Já é realidade no país o desenvolvimento de hastes de prótese total de quadril fabricadas com ligas de titânio. O protótipo, 100% nacional, foi desenvolvido no Laboratório de Metalurgia Física e Solidificação da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e apresenta vantagens em relação aos materiais tradicionalmente usados para essa aplicação. O uso desses dispositivos faz-se importante devido ao fato de aproximadamente 90% da população com idade superior aos 40 anos apresentar alguma degeneração articular, na qual muitas vezes é necessária intervenção cirúrgica – como, por exemplo, nos casos de artroplastia de quadril e joelho.

As cirurgias basicamente envolvem a substituição da articulação natural por próteses ortopédicas. O envelhecimento da população também é um dado concreto – segundo números publicados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 30% dos brasileiros terão mais de 60 anos ainda na metade deste século.

O protótipo produzido por pesquisadores da FEM é uma haste de prótese total de quadril e utiliza material constituído pelos elementos titânio, nióbio e estanho, ou seja, metais biocompatíveis e que não oferecem riscos à saúde humana. Na composição desse material é utilizado entre 25% e 35% de nióbio ­– o Brasil aparece como maior produtor mundial do metal. Neste aspecto reside a inovação do trabalho que tem como perspectiva primária baratear a produção da matéria-prima utilizada. “Estamos propondo tecnologias que reduzam os custos na obtenção da matéria-prima e no processo de fabricação, pois a expectativa é baixar o custo final dos implantes e oferecer algo acessível e de maior qualidade à população”, destaca o engenheiro Éder Sócrates Najar Lopes, autor do trabalho.

O engenheiro apresentou dissertação de mestrado que contém os resultados da produção, processamento e caracterização das amostras das ligas denominadas Ti-Nb-Sn – sigla dos elementos químicos utilizados. O pesquisador observa, porém, que seu trabalho só foi possível graças à expertise nesta área, desenvolvida ao longo dos últimos 15 anos pelo Laboratório de Metalurgia Física e Solidificação, coordenado pelo seu orientador, professor Rubens Caram Júnior. Outros estudos anteriores das pesquisadoras Giorgia Taiacol Aleixo e Alessandra Cremasco também contribuíram para se chegar aos resultados atuais.

Os dispositivos, assim como as ligas biomédicas, estão em fase de validação para entrar no mercado. Segundo o pesquisador, poderão chegar com custo intermediário entre as hastes convencionalmente fabricadas em aço inoxidável – a prótese mais barata encontrada hoje no mercado – e as hastes fabricadas com ligas de titânio importado, de maior qualidade, porém nem sempre custeadas pelo Sistema Único de Saúde ou por planos de saúde particulares. Para isso, o engenheiro está iniciando um trabalho de pesquisa sobre o mercado consumidor de biomateriais metálicos.

As hastes produzidas no Laboratório da FEM oferecem maior segurança, pois são fabricadas com matéria-prima isenta de elementos tóxicos, diferentemente dos implantes produzidos com os materiais convencionais, entre os quais o aço inoxidável grau cirúrgico, as ligas de cobalto, cromo e molibidênio (Co-Cr-Mo) e as próprias ligas de titânio, alumínio e vanádio ou Ti-6Al-4V. Estas últimas foram desenvolvidas na década de 50 para aplicações aeroespaciais e acabaram por ser “aproveitadas” na área médica devido às excelentes propriedades mecânicas e de resistência à corrosão.

Na sequência de fotos, o processo de produção das ligas de titânio e nióbio: usinagem da preforma (acima); dobramento a frio da preforma; conformação final da haste da prótese; e produto final (Fotos: Divulgação)Segundo Éder Lopes, alguns dos elementos que compõem essas ligas convencionais são naturalmente tóxicos. Para períodos de tempos maiores, pode ocorrer a liberação de partículas desses metais no corpo humano e, como consequência, a degeneração dos tecidos na região do implante. Ademais, vários estudos associam a presença desses metais com doenças respiratórias e Mal de Alzheimer. Por isso, em determinados casos, esses materiais convencionais satisfazem as necessidades de implantes de caráter transitório, ou seja, aqueles que serão removidos em curto e médio espaço de tempo.

“Neste tipo de implante, o uso do aço é feito com sucesso. Para os casos em que se necessite do implante permanente, o recomendável é utilizar as ligas de titânio. Mas, na grande maioria dos casos, são observados implantes fabricados em aço inoxidável devido ao menor custo da matéria-prima. É nesse sentido que o desenvolvimento de ligas de titânio mais baratas, com alto percentual de nióbio e com tecnologia nacional, se tornam atraentes”, explica Lopes.

Na proposta do novo biomaterial, além das vantagens já comentadas, como a isenção de elementos tóxicos e a redução dos custos da matéria-prima, existe também a possibilidade de se baratear os custos do processo de fabricação dos dispositivos, empregando processo chamado de forjamento a frio, que nada mais é que dar forma a uma geometria através de forças de compressão utilizando uma prensa e um molde.

Este processo não é possível com os biomateriais metálicos convencionais. As ligas estudadas apresentam ainda características únicas no tocante ao controle do módulo de elasticidade, ou seja, o coeficiente que correlaciona a rigidez e flexibilidade do material. Hastes de próteses fabricadas com materiais convencionais apresentam entre três e seis vezes a rigidez dos ossos e essa diferença faz com que um implante dessa natureza instalado dentro do canal medular iniba as deformações elásticas naturais e benéficas que ocorrem no osso ao realizar as atividades como caminhar, correr etc. Essa situação pode acarretar a perda de massa óssea na região do implante e culminar na soltura ou fratura do implante ou do tecido ósseo.

É neste aspecto que tratamentos térmicos específicos permitem controlar as propriedades de rigidez e flexibilidade desses dispositivos. “O processo possibilita a fabricação de hastes com propriedades mecânicas dedicadas, ou seja, específicas de acordo com o tipo de solicitação mecânica e isto não se conseguia com os biomateriais convencionais. A parte superior da haste, por exemplo, pode ser fabricada com maior resistência mecânica e a parte inferior com baixa rigidez”, esclarece o pesquisador. Essa capacidade abre campo para uma nova geração de implantes que poderão ser projetados de forma a atender as particularidades da complexa biomecânica do corpo humano.

Sobre o titânio

O elemento titânio é o quarto metal em abundância na crosta terrestre, porém em menor quantidade que o alumínio, ferro e magnésio. Sua produção é pequena pela especificidade no processo de redução do minério até chegar ao elemento, pois não é encontrado na forma pura. Possui altíssima resistência mecânica e à corrosão. A resistência mecânica é semelhante ao aço, com aproximadamente metade do peso. Por isso, em tudo quanto é necessária a redução de peso e maior resistência mecânica, ele pode ser aplicado com eficiência. É encontrado nas áreas aeroespacial, de plataforma de petróleo, automotiva, esportiva, de vestuário e na medicina.

Sobre o nióbio

As jazidas foram encontradas na cidade de Araxá, em Minas Gerais (MG), em meados da década de 1950. Não por acaso, o Estado de Minas Gerais possui a maior oferta, somando 90% da produção brasileira, seguido do Estado de Goiás, com 10%. A segunda maior produção é do Canadá que concentra 1,5%. O Brasil, maior produtor mundial, aparece com 98% no ranking.

 

 

 

 
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