RAQUEL
DO CARMO SANTOS
Já
é realidade no país o desenvolvimento de hastes de prótese
total de quadril fabricadas com ligas de titânio. O protótipo,
100% nacional, foi desenvolvido no Laboratório de Metalurgia
Física e Solidificação da Faculdade de Engenharia Mecânica
(FEM) e apresenta vantagens em relação aos materiais tradicionalmente
usados para essa aplicação. O uso desses dispositivos faz-se
importante devido ao fato de aproximadamente 90% da população
com idade superior aos 40 anos apresentar alguma degeneração
articular, na qual muitas vezes é necessária intervenção
cirúrgica – como, por exemplo, nos casos de artroplastia
de quadril e joelho.
As cirurgias basicamente envolvem a substituição da articulação
natural por próteses ortopédicas. O envelhecimento da população
também é um dado concreto – segundo números publicados pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 30% dos
brasileiros terão mais de 60 anos ainda na metade deste
século.
O protótipo produzido por pesquisadores da FEM é uma haste
de prótese total de quadril e utiliza material constituído
pelos elementos titânio, nióbio e estanho, ou seja, metais
biocompatíveis e que não oferecem riscos à saúde humana.
Na composição desse material é utilizado entre 25% e 35%
de nióbio – o Brasil aparece como maior produtor mundial
do metal. Neste aspecto reside a inovação do trabalho que
tem como perspectiva primária baratear a produção da matéria-prima
utilizada. “Estamos propondo tecnologias que reduzam os
custos na obtenção da matéria-prima e no processo de fabricação,
pois a expectativa é baixar o custo final dos implantes
e oferecer algo acessível e de maior qualidade à população”,
destaca o engenheiro Éder Sócrates Najar Lopes, autor do
trabalho.
O engenheiro apresentou dissertação de mestrado que contém
os resultados da produção, processamento e caracterização
das amostras das ligas denominadas Ti-Nb-Sn – sigla dos
elementos químicos utilizados. O pesquisador observa, porém,
que seu trabalho só foi possível graças à expertise nesta
área, desenvolvida ao longo dos últimos 15 anos pelo Laboratório
de Metalurgia Física e Solidificação, coordenado pelo seu
orientador, professor Rubens Caram Júnior. Outros estudos
anteriores das pesquisadoras Giorgia Taiacol Aleixo e Alessandra
Cremasco também contribuíram para se chegar aos resultados
atuais.
Os dispositivos, assim como as ligas biomédicas, estão
em fase de validação para entrar no mercado. Segundo o pesquisador,
poderão chegar com custo intermediário entre as hastes convencionalmente
fabricadas em aço inoxidável – a prótese mais barata encontrada
hoje no mercado – e as hastes fabricadas com ligas de titânio
importado, de maior qualidade, porém nem sempre custeadas
pelo Sistema Único de Saúde ou por planos de saúde particulares.
Para isso, o engenheiro está iniciando um trabalho de pesquisa
sobre o mercado consumidor de biomateriais metálicos.
As hastes produzidas no Laboratório da FEM oferecem maior
segurança, pois são fabricadas com matéria-prima isenta
de elementos tóxicos, diferentemente dos implantes produzidos
com os materiais convencionais, entre os quais o aço inoxidável
grau cirúrgico, as ligas de cobalto, cromo e molibidênio
(Co-Cr-Mo) e as próprias ligas de titânio, alumínio e vanádio
ou Ti-6Al-4V. Estas últimas foram desenvolvidas na década
de 50 para aplicações aeroespaciais e acabaram por ser “aproveitadas”
na área médica devido às excelentes propriedades mecânicas
e de resistência à corrosão.
Segundo
Éder Lopes, alguns dos elementos que compõem essas ligas
convencionais são naturalmente tóxicos. Para períodos
de tempos maiores, pode ocorrer a liberação de partículas
desses metais no corpo humano e, como consequência, a degeneração
dos tecidos na região do implante. Ademais, vários estudos
associam a presença desses metais com doenças respiratórias
e Mal de Alzheimer. Por isso, em determinados casos, esses
materiais convencionais satisfazem as necessidades de implantes
de caráter transitório, ou seja, aqueles que serão removidos
em curto e médio espaço de tempo.
“Neste tipo de implante, o uso do aço é feito com sucesso.
Para os casos em que se necessite do implante permanente,
o recomendável é utilizar as ligas de titânio. Mas, na
grande maioria dos casos, são observados implantes fabricados
em aço inoxidável devido ao menor custo da matéria-prima.
É nesse sentido que o desenvolvimento de ligas de titânio
mais baratas, com alto percentual de nióbio e com tecnologia
nacional, se tornam atraentes”, explica Lopes.
Na proposta do novo biomaterial, além das vantagens já
comentadas, como a isenção de elementos tóxicos e a redução
dos custos da matéria-prima, existe também a possibilidade
de se baratear os custos do processo de fabricação dos
dispositivos, empregando processo chamado de forjamento
a frio, que nada mais é que dar forma a uma geometria através
de forças de compressão utilizando uma prensa e um molde.
Este processo não é possível com os biomateriais metálicos
convencionais. As ligas estudadas apresentam ainda características
únicas no tocante ao controle do módulo de elasticidade,
ou seja, o coeficiente que correlaciona a rigidez e flexibilidade
do material. Hastes de próteses fabricadas com materiais
convencionais apresentam entre três e seis vezes a rigidez
dos ossos e essa diferença faz com que um implante dessa
natureza instalado dentro do canal medular iniba as deformações
elásticas naturais e benéficas que ocorrem no osso ao
realizar as atividades como caminhar, correr etc. Essa situação
pode acarretar a perda de massa óssea na região do implante
e culminar na soltura ou fratura do implante ou do tecido
ósseo.
É neste aspecto que tratamentos térmicos específicos permitem
controlar as propriedades de rigidez e flexibilidade desses
dispositivos. “O processo possibilita a fabricação de hastes
com propriedades mecânicas dedicadas, ou seja, específicas
de acordo com o tipo de solicitação mecânica e isto não
se conseguia com os biomateriais convencionais. A parte
superior da haste, por exemplo, pode ser fabricada com maior
resistência mecânica e a parte inferior com baixa rigidez”,
esclarece o pesquisador. Essa capacidade abre campo para
uma nova geração de implantes que poderão ser projetados
de forma a atender as particularidades da complexa biomecânica
do corpo humano.
Sobre o titânio
O elemento titânio é o quarto metal em abundância
na crosta terrestre, porém em menor quantidade que
o alumínio, ferro e magnésio. Sua produção é pequena
pela especificidade no processo de redução do minério
até chegar ao elemento, pois não é encontrado na
forma pura. Possui altíssima resistência mecânica
e à corrosão. A resistência mecânica é semelhante
ao aço, com aproximadamente metade do peso. Por
isso, em tudo quanto é necessária a redução de peso
e maior resistência mecânica, ele pode ser aplicado
com eficiência. É encontrado nas áreas aeroespacial,
de plataforma de petróleo, automotiva, esportiva,
de vestuário e na medicina.
Sobre o nióbio
As jazidas foram encontradas na cidade de Araxá,
em Minas Gerais (MG), em meados da década de 1950.
Não por acaso, o Estado de Minas Gerais possui a
maior oferta, somando 90% da produção brasileira,
seguido do Estado de Goiás, com 10%. A segunda maior
produção é do Canadá que concentra 1,5%. O Brasil,
maior produtor mundial, aparece com 98% no ranking.
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